A Igreja acumulou o maior rancor, como vemos na “Manhã submersa”

Nuno Lopes

Nuno Lopes

Hoje a Homilia vai ser uma manta de retalhos, de tal forma e variada a Actualidade na Comunidade, no Mundo e na Igreja, e de tal maneara a Palavra neste Domingo nos provoca a uma reflexão.

E começo já por esta. Sim, eu assisti ao
 Holocausto, ao abatimento das energias juvenis, de vagas sucessivas de jovens nos colégios católicos e nos seminários. Fiquei tão horrorizado que disse a mim mesmo que
 haveria de denunciar esta “carnificina”. O meu pai meteu-me num colégio de padres, projectando para mim o melhor, 
exactamente como muitos pais metiam os seus filhos e as
suas filhas em colégios e em escolas de padres e freiras,
 como quem procura o melhor. Quanto aos pais das numerosas 
levas de seminaristas que enchiam os Seminários, esses sonhavam para os seus filhos, se não a ordenação, pelo menos uma educação aprimorada. A Igreja teve nas mãos a juventude deste país, desde os colégios aos seminários. Ninguém o pode negar. Mas os colégios e os seminários constituíram a “vacina” mais eficaz contra a Igreja e contra o
 Cristo. Tudo o que há de Intelligentsia neste país, e que
 neste momento o governa ou administra, passou pela 
Igreja. Pois bem! Neles a Igreja acumulou o maior rancor 
à Igreja, o mais grave e escandaloso Ressentimento. É que
os jovens de então sofreram e foram amarfanhados de mil
maneiras, pelos processos mais inconcebíveis, e foram escandalizados com aquele Escândalo que Jesus diz que não tem perdão…

Eu próprio, quando sai dum destes colégios, disse a mim próprio que tinha que denunciar o Escândalo. Mais tarde, quando fui “quebrado” como todos os outros, no Seminário, reafirmei a mesma disposição. Mas, antes de mim, e no meu tempo, houve outros que o fizeram, como vemos em “Manhã submersa” e noutras obras. Depois, passou a oportunidade. Os seminários esvaziaram-se, e os colégios recolhiam apenas o que os liceus rejeitavam. Não quero com isto dizer que a Igreja fez pior que os outros “estabelecimentos” de educação e de ensino ou de aprendizagem. Só digo que na Igreja, com a Igreja, era muito mais grave! Aqueles que “quebravam” os jovens eram “mercenários” ou “celibatários recalcados”, “gente azeda”, “brutos insensíveis sem coração e sem alma. É verdade que eram, mas só tarde o descobri: também eles, já eles, eram frutos monstruosos de Instituições Decadentes. Pobre juventude que, dos braços da Igreja, duma Igreja vítima da decadência das Instituições que criou, passou para as “garras” dum sistema educacional burocratizado em que, apesar dos direitos “constitucionalizados” ao Ensino e à Educação Permanente, na prática nega a toda a gente, a todos os jovens, sem “influência” social ou económica, o direito à realização e à promoção cultural… Os jovens da Igreja passaram a Selva onde a Selecção Natural nos assimila a “bestas”, animais a abater!… Por “imperativos económicos”? Que não só! No fundo, no fundo, persiste sempre o Pecado do Mundo. É ver como os jovens médicos, os jovens engenheiros, os jovens passados-a-pronto, são tratados pelos Mais Velhos!…   Mas nas horas da Crise, é o “enterro”!…

Desgraça! As próprias associações espontâneas dos jovens, não sei se por falta de possibilidades ou apoios, não funcionam. A sua falta de combatividade “desportiva” é notória. O ambiente é podre e  tudo apodrece. Então vem a Droga, o refúgio ou transposição das aspirações ou ambições juvenis para “céus artificiais” imaginários! Mas uma Cidade que trata assim  os seus filhos está condenada. É verdade que ao imediatismo “materialista” dos Homens do Dinheiro não interessa nada que a Cidade esteja condenada. Não é verdade que os Senhores do Dinheiro são gente sem pátria e sem Cidade?

Ora bem, a gente não vai ficar por aqui. Nem vamos sitiar-nos nos remorsos do Passado, nem paralisar-nos nos impasses do Presente, Não vamos! É imperioso e urgente que, como Jesus, demos as mãos aos jovens, e não fiquemos insensíveis diante dos “enterros” e dos “choros” da Cidade. Só que a Complexidade da questão exige que sejamos todos” a debruçar-nos e a agarrarmos toda esta Problemática, Neste Domingo está na Serra do Pilar um “pequeno resto”, dado que a nossa Comunidade foi em PEREGRINAÇÃO aos “passos” de toda esta História. Sim, porque a respeito de EDUCAÇÃO das gentes, dos povos e dos jovens, já fizemos coisas gloriosas!… Temos coisas miseráveis, fruto do nosso Pecado, Pecado da Igreja (Santa e Pecadora!). Mas é preciso não esquecer, para não perdermos a coragem, as coisas gloriosas que fizemos em sociedades mais cruéis e desgraçadas do que a nossa. Naqueles tempos “bárbaros” soubemos ser no meio do Povo um instrumento de Progresso, de Educação e de Desenvolvimento. Que o digam os Monges Beneditinos! Só que naquele tempo não sofríamos de “beatice”, a Igreja não era um “refúgio” para a nossa Fraqueza!.,.

Quem não teve medo do Império?, quem não teve medo dos Bárbaros?, quem?… (sim, quem foi capaz de levantar os povos da Europa em armas contra a Mourama?. É claro que as armas viram-se sempre contra quem as usa!, e a Igreja sabe bem o mal que isso lhe fez). Quem foi capaz de nas piores condições estender o Evangelho a continentes muito maiores do que a Europa e de que a Europa é apenas uma península ou um apêndice (como diz Garaudy, Ocidente = Acidente) vai agora intimidar-se diante da Modernidade e inibir-se face à Crise?

Leonel de Oliveira, 1983.06.05, (Domingo X Tempo Comum)

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