Sínodo da Família

Amadas Beatitudes, Eminências, Excelências,
Queridos irmãos e irmãs!

Quero, antes de mais, agradecer ao Senhor por ter guiado o nosso caminho sinodal nestes anos através do Espírito Santo, que nunca deixa faltar à Igreja o seu apoio.

Agradeço de todo o coração ao Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo, a D. Fabio Fabene, Subsecretário e, juntamente com eles, agradeço ao Relator, o Cardeal Peter Erdö, e ao Secretário Especial, D. Bruno Forte, aos presidentes delegados, aos secretários, consultores, tradutores e todos aqueles que trabalharam de forma incansável e com total dedicação à Igreja: um cordial obrigado! E quero agradecer também à Comissão que fez a Relação; alguns passaram a noite em branco.

Agradeço a todos vós, amados padres sinodais, delegados fraternos, auditores, auditoras e conselheiros, párocos e famílias pela vossa activa e frutuosa participação.

Agradeço ainda a todas as pessoas que se empenharam, de forma anónima e em silêncio, prestando a sua generosa contribuição para os trabalhos deste Sínodo.

Estai certos de que a todos recordo na minha oração ao Senhor para que vos recompense com a abundância dos seus dons e graças!

Enquanto acompanhava os trabalhos do Sínodo, pus-me esta pergunta: Que há-de significar, para a Igreja, encerrar este Sínodo dedicado à família?

Certamente não significa que esgotámos todos os temas inerentes à família, mas que procurámos iluminá-los com a luz do Evangelho, da tradição e da história bimilenária da Igreja, infundindo neles a alegria da esperança, sem cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse.

Seguramente não significa que encontrámos soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família, mas que colocámos tais dificuldades e dúvidas sob a luz da Fé, examinámo-las cuidadosamente, abordámo-las sem medo e sem esconder a cabeça na areia.

Significa que solicitámos todos a compreender a importância da instituição da família e do Matrimónio entre homem e mulher, fundado sobre a unidade e a indissolubilidade e a apreciá-la como base fundamental da sociedade e da vida humana.

Significa que escutámos e fizemos escutar as vozes das famílias e dos pastores da Igreja que vieram a Roma carregando sobre os ombros os fardos e as esperanças, as riquezas e os desafios das famílias do mundo inteiro.

Significa que demos provas da vitalidade da Igreja Católica, que não tem medo de abalar as consciências anestesiadas ou sujar as mãos discutindo, animada e francamente, sobre a família.

Significa que procurámos olhar e ler a realidade, melhor dito as realidades, de hoje com os olhos de Deus, para acender e iluminar, com a chama da fé, os corações dos homens, num período histórico de desânimo e de crise social, económica, moral e de prevalecente negatividade.

Significa que testemunhámos a todos que o Evangelho continua a ser, para a Igreja, a fonte viva de novidade eterna, contra aqueles que querem «endoutriná-lo» como pedras mortas para as jogar contra os outros.

Significa também que espoliámos os corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas.

Significa que afirmámos que a Igreja é Igreja dos pobres em espírito e dos pecadores à procura do perdão e não apenas dos justos e dos santos, ou melhor dos justos e dos santos quando se sentem pobres e pecadores.

Significa que procurámos abrir os horizontes para superar toda a hermenêutica conspiradora ou perspectiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da Novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível.

No caminho deste Sínodo, as diferentes opiniões que se expressaram livremente – e às vezes, infelizmente, com métodos não inteiramente benévolos – enriqueceram e animaram certamente o diálogo, proporcionando a imagem viva duma Igreja que não usa «impressos prontos», mas que, da fonte inexaurível da sua fé, tira água viva para saciar os corações ressequidos.[1]

E vimos também – sem entrar nas questões dogmáticas, bem definidas pelo Magistério da Igreja – que aquilo que parece normal para um bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo – quase! –, para o bispo doutro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral – como disse, as questões dogmáticas bem definidas pelo Magistério da Igreja – cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado.[2] O Sínodo de 1985, que comemorava o vigésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, falou da inculturação como da «íntima transformação dos autênticos valores culturais mediante a integração no cristianismo e a encarnação do cristianismo nas várias culturas humanas».[3] A inculturação não debilita os valores verdadeiros, mas demonstra a sua verdadeira força e a sua autenticidade, já que eles adaptam-se sem se alterar, antes transformam pacífica e gradualmente as várias culturas.[4]

Vimos, inclusive através da riqueza da nossa diversidade, que o desafio que temos pela frente é sempre o mesmo: anunciar o Evangelho ao homem de hoje, defendendo a família de todos os ataques ideológicos e individualistas.

E, sem nunca cair no perigo do relativismo ou de demonizar os outros, procurámos abraçar plena e corajosamente a bondade e a misericórdia de Deus, que ultrapassa os nossos cálculos humanos e nada mais quer senão que «todos os homens sejam salvos» (1 Tim 2, 4), para integrar e viver este Sínodo no contexto do Ano Extraordinário da Misericórdia que a Igreja está chamada a viver.

Amados irmãos!

A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade do amor de Deus e do seu perdão. Isto não significa de forma alguma diminuir a importância das fórmulas – são necessárias –, a importância das leis e dos mandamentos divinos, mas exaltar a grandeza do verdadeiro Deus, que não nos trata segundo os nossos méritos nem segundo as nossas obras, mas unicamente segundo a generosidade sem limites da sua Misericórdia (cf. Rm 3, 21-30; Sal 129/130; Lc 11, 47-54). Significa vencer as tentações constantes do irmão mais velho (cf. Lc 15, 25-32) e dos trabalhadores invejosos (cf. Mt 20, 1-16). Antes, significa valorizar ainda mais as leis e os mandamentos, criados para o homem e não vice-versa (cf. Mc 2, 27).

Neste sentido, o necessário arrependimento, as obras e os esforços humanos ganham um sentido mais profundo, não como preço da Salvação – que não se pode adquirir – realizada por Cristo gratuitamente na Cruz, mas como resposta Àquele que nos amou primeiro e salvou com o preço do seu sangue inocente, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5, 6).

O primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus, chamar à conversão e conduzir todos os homens à salvação do Senhor (cf. Jo 12, 44-50).

Do Beato Paulo VI temos estas palavras estupendas: «Por conseguinte podemos pensar que cada um dos nossos pecados ou fugas de Deus acende n’Ele uma chama de amor mais intenso, um desejo de nos reaver e inserir de novo no seu plano de salvação (…). Deus, em Cristo, revela-Se infinitamente bom (…). Deus é bom. E não apenas em Si mesmo; Deus – dizemo-lo chorando – é bom para nós. Ele nos ama, procura, pensa, conhece, inspira e espera… Ele – se tal se pode dizer – será feliz no dia em que regressarmos e Lhe dissermos: Senhor, na vossa bondade, perdoai-me. Vemos, assim, o nosso arrependimento tornar-se a alegria de Deus».[5]

Por sua vez São João Paulo II afirmava que «a Igreja vive uma vida autêntica, quando professa e proclama a misericórdia, (…) e quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador das quais ela é depositária e dispensadora».[6]

Também o Papa Bento XVI disse: «Na realidade, a misericórdia é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus (…). Tudo o que a Igreja diz e realiza, manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem, portanto, por nós. Quando a Igreja deve reafirmar uma verdade menosprezada, ou um bem traído, fá-lo sempre estimulada pelo amor misericordioso, para que os homens tenham vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10, 10)».[7]

Sob esta luz e graça, neste tempo de graça que a Igreja viveu dialogando e discutindo sobre a família, sentimo-nos enriquecidos mutuamente; e muitos de nós experimentaram a acção do Espírito Santo, que é o verdadeiro protagonista e artífice do Sínodo. Para todos nós, a palavra «família» já não soa como antes do Sínodo, a ponto de encontrarmos nela o resumo da sua vocação e o significado de todo o caminho sinodal.[8]

Na verdade, para a Igreja, encerrar o Sínodo significa voltar realmente a «caminhar juntos» para levar a toda a parte do mundo, a cada diocese, a cada comunidade e a cada situação a luz do Evangelho, o abraço da Igreja e o apoio da misericórdia Deus!

Obrigado!

Discurso de Papa Francisco no encerramento do Sínodo extraordinário sobre a Família (Roma, 24 de Outubro de 2015).

http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/october/documents/papa-francesco_20151024_sinodo-conclusione-lavori.html

Pensar hoje um lugar para a liturgia: o aggiornamento como projecto?

Por Bernardo Pizarro, Arquitecto (investigador CIES-IUL)

in Jornal Sol, 28/07/2015

As últimas décadas do século XX testemunharam, sobretudo na Europa central, profundas transformações na estruturação arquitectónica do espaço litúrgico de tradição Católica. O lugar do baptismo, a definição de um lugar para a reconciliação, mas sobretudo a forma envolvente e unificada da assembleia em torno das mesas do altar e do ambão. A acção e o movimento da comunidade que celebra, associados a um novo gosto pela celebração da Eucaristia, traduziram-se numa maior exigência para com o desenho e a qualidade da presença de objectos rituais no espaço.

Para Klemens Richter (1940), liturgista de Munique, a revolução maior do século XX na arquitectura religiosa cristã é devida à devolução à assembleia viva do espaço de culto e à possibilidade de esta última traduzir a sua unidade fundamental através de uma presença activa da comunidade em torno do altar.

Aos dois tipos de estruturação do espaço litúrgico associados, pelo arquitecto alemão Rudolf Schwarz (1897,1961), às imagens de uma igreja ‘via ou caminho’ e de um ‘anel aberto’ consolidou-se nas últimas décadas do século XX um terceiro tipo de espaços, associado por Albert Gerhards (1951) à ideia de centro: espaços que se aproximam da ideia de que a assembleia celebrante é através da sua configuração a imagem de um ‘templo espiritual’, uma construção feita de ‘pedras vivas’.

No primeiro tipo de estruturação arquitectónica, de raiz vincadamente basilical, associado à imagem de uma ‘igreja caminho’, permanece uma distinção evidente entre o espaço do santuário e a nave onde se dispõe axialmente a assembleia. Num espaço organizado em profundidade é dificultada a relação interpessoal. Este tipo de espaços tendem a acentuar uma dimensão visual da devoção individual em detrimento da reunião em torno da fracção e partilha da palavra, do pão e do vinho.

O segundo tipo, associado à imagem de um ‘anel aberto’, foi experienciado nas celebrações realizadas no Castelo de Rothenfels, a sede da associação da juventude católica Alemã, nas décadas de vinte e trinta do século passado. Em torno da personalidade e do pensamento de Romano Guardini, reuniram-se aí as personalidades que nos campos da arquitectura da liturgia e da arte sacra anteciparam, porventura com maior radicalidade, os desígnios e as reformas do Concílio Vaticano II. Muitas das experiências que se sucederiam encontraram raiz em Rothenfels, numa solução que é ainda hoje profundamente consensual. A forma em ‘anel aberto’ articula sem grandes constrangimentos as várias acções que integram as liturgias da missa: o anúncio da Palavra; a oração comunitária, a individual e a reunião em torno da mesa da refeição.

O terceiro tipo de espaços sublinha a ideia de que a visão da liturgia proposta pelo Concílio Vaticano II é a de uma acção consumada no centro da assembleia, o lugar onde Cristo manifesta a sua presença. Esta proposta encontrou raiz, sabemos hoje, no património de uma tradição marcada pela diversidade das experiências litúrgicas das primeiras basílicas cristãs do século IV: Sírias, Romanas e do Norte de África e, não menos importante, na domesticidade das funções da casa, o arquétipo do lugar da celebração Cristã.

Igreja de St. Albert, Andernach

Igreja de St. Albert, Andernach

Entre tantas outras relevamos experiências tão distintas quanto a renovação da Igreja de São Francisco (1998), em Bona, realizada por Dieter Baumewerd (1932), a intervenção de Maria Schwarz, na igreja de St. Alberto em Andernach, projectada inicialmente por Rudolf Schwarz, em 1954, ou ainda aquela que porventura foi objecto de um processo de transformação mais lento, continuado e maturado, a Igreja de Santo Inácio de Paris. Nesta última os três pólos da acção litúrgica articulam-se com a assembleia, no centro do espaço: o altar no centro do eixo dominante e, nos extremos opostos, a mesa da Palavra e o lugar da presidência. Se o altar ocupa um dos centros da elipse, o segundo constitui-se como um lugar de espera: a espera de um baptizado, de uma ordenação, dos últimos votos de um caminho religioso ou mesmo da presença de um defunto.

Pensar e desenhar lugares para a interioridade, para hospitalidade e para a comunidade, abertos ao Outro, infinitamente diferente mas infinitamente próximo, deveria caber naquilo que é primeiro em matéria de espaço litúrgico: as pessoas que se reúnem e aquilo que fazem em conjunto, em razão da sua fé comum.

A herança cultural e ritual, como refere o Jesuíta francês Joseph Gelineau (1920-2008), vem em segundo lugar. O sujeito da liturgia, Esse, deve ser compreendido na assembleia dos homens reunidos.

Prémio Camões

O peso destes nomes curvaria gente bem mais robusta do que eu, não fosse o caso de a leveza ser o primeiro atributo de um escritor. Aliás, quanto mais os frequentamos, menor pavor inspira a sua sombra.

Não venho aqui como parceira mas como íntima, como alguém mais ligado pelo amor do que por ambições identitárias. Com Luís de Camões passeio em Sintra, enquanto ele espera o jovem rei que anda pelos bosques, enfeitiçado, já um pouco ensandecido. E a ligação aos meus contemporâneos, Sophia e Saramago, Eduardo Lourenço, Maria Velho da Costa, Mia Couto, feita de encantamento e aprendizagem, toca-me infantilmente o coração quando me traz afinidades, uma flor de frangipani que esvoaça num jardim de Maputo, as palavras que não partiram com quem já partiu, uma tão querida voz ao telefone, uma carta enfeitada de papoulas. Estou com eles, não entre eles. E assim estou bem.

Devo falar de tripla gratidão: a gratidão aos promotores deste prémio ao qual foi dado o nome maior das nossas letras, a gratidão aos membros do júri que escolheram a minha escrita para tamanha dádiva, a gratidão a um acaso de nascimento que me deu como língua materna o português.

Também com gratidão evoco a tão citada, e mal, passagem escrita por Pessoa, aliás Bernardo Soares, pois que, achando-se escrita, e por ele escrita, me abre um certo caminho à ousadia: que amo mais a língua do que a pátria. Que me imagino armada, a defendê-la contra quem a quisesse aniquilar. As lutas pela independência que travámos deixam-me o arrepio de pensar que o português se perderia, se perdêssemos. Que morte há de ter sido a de Camões, julgando que morria com a pátria, isto é, com o lugar dos seus poemas!

Rodrigues Lobo formulou-lhe o elogio de maneira concisa e musical (“branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver”) durante a ocupação filipina. Os rumos da política eram uns, o castelhano em palácio havia muito que se fazia ouvir, mas essa língua da nação, tão acabada que sem esforço hoje a lemos, tão fadada para arrebatamentos de oratória como para a sátira, como para o lirismo, cultivando sem vénia a erudição para logo a seguir brincar com ela, essa língua era a grande resistente — não a expressão de um povo: a sua essência.

Um espaço livre, um sítio para viver, uma comunidade de diferenças elástica, simbiótica e altiva. Esta é
 a ditosa língua, minha amada! Faz agora oito séculos esta língua. É a prosa formal de um testamento que atesta a data. E prosas há tão belas naquele dealbar, tão saborosas ainda quando anónimas, que dir-se-iam um bom pressentimento sobre o tanto e o tão grandioso que depois ia ser escrito. Mas é na poesia que parece avistar-se um destino, no sentido não de fatalidade mas daquilo a que alguns chamam o talento colectivo e que talvez não passe de especial, convidativa variedade na fonética.

Fácil é para nós esta função de herdeiros de tesouro tão diverso e tão bem acabado, tão antigo e, no entanto, tão reconhecível. Enquanto noutras línguas a pronúncia se foi modificando, a ponto de uma rima do século XIX já não se efectivar passadas décadas, nós cantamos Camões sem que se torne necessária qualquer adaptação. Como se cada uma das palavras reconheces- se o seu momento de perfeição e nele se detivesse, porque o quis. O apetite pelos estrangeirismos, moderado que foi, não lhe fez mal. Incorporou-os elegantemente. Não me refiro às condições presentes, pois, do que ninguém sabe, ninguém fala. E ninguém sabe o que está hoje a acontecer.

Esta paixão pela língua portuguesa, que aqui confesso, cega não será, superlativa muito menos. Entendo-a rica, porque vem das boas famílias dos antigos e o que recebeu multiplicou. Mas nunca afirmarei que é a mais rica ou a mais bela do mundo. Cada povo verá no seu idioma mais virtudes que em idiomas alheios. Que a disputa, se a houver, seja festiva, pois que os idiomas não ocupam espaço e não geram rivais mas poliglotas. Anterior à festa, está, porém, aquilo que dizem História. E a História é bruta e territorial.

Para abordar o assunto do domínio da língua portuguesa sobre os povos são necessários delicadeza e conhecimento, inteligência e desassombro em dose máxima. Dou-me por incapaz e renuncio a uma tentativa de discurso. Sei, sim, que houve opressão e apagamento. Mas talvez não nos caiba desculparmo-nos pelos conceitos e acções de antepassados, visto que não nos assumimos legatários e o continuum moral já foi cortado. Algum dia teremos, quero crer, a congratulação como vingança.

As línguas são os únicos seres vivos que não têm origem natural. O erro humano pode prolongar-se, mesmo inocentemente, por descuido. O português carregará ainda alguma febre imperial no corpo e é natural que desconfiem dele. Mas acontece que a repressão é mecânica e a língua é biológica. Se chega às terras de outros povos na bagagem do colonizador, em breve sai e se desnuda e se alimenta, e adormece e procria. As armaduras ficam no chão, enferrujadas, podres. A formação orgânica progride.

Que desígnio será o seu, agora, se não o de trocar e conviver, isto é, integrar a plenitude, reconhecendo e respeitando a alteridade? Com os nossos instrumentos humanistas, seremos nós os capazes de “medir”, como escreve o professor Eduardo Lourenço, “esse impalpável mas não menos denso sentimento de distância cultural que separa, no interior da mesma língua, esses novos imaginários”?

Como num pesadelo, não sabemos por que meio fomos dar a esta nova era de horror e de destruição. Umas são nossas velhas conhecidas, outras indecifráveis, por ausência de modelos anteriores. Não lhes antecipámos a chegada. Na Idade Média que nos ameaça não há cancioneiros nem reis-poetas. Na ditadura da economia, a palavra é esmagada pelo número. A matemática, que começou nobre, aviltou-se, tornando-se lacaia. Se a literatura salva? Não, não salva. Mas se ela se extinguir, extingue-se tudo.

O nosso mundo de sobreviventes está seguro por laços muitos finos. Eu vejo os fios que unem os textos nas diversas versões do português, leves fios resistentes e aplicados a construírem uma teia que não rasgue. Quando o angolano Ondjaki dedica um poema ao brasileiro Manoel de Barros, quando Mia Couto reconhece a influência que teve Guimarães Rosa na sua escrita transfiguradora e transfigurada pelas africanas narrativas do seu povo; quando a portuguesa Maria Gabriela Llansol considera Lispector “uma irmã inteiramente dispersa no nevoeiro”, vemos a língua portuguesa a ocupar — não como o invasor ocupa a terra, mas como o sangue ocupa o coração — um espaço livre, um sítio para viver, uma comunidade de diferenças elástica, simbiótica e altiva. Esta é a ditosa língua, minha amada.

Eu dedico este prémio a uma entidade que é para mim pessoalíssima, à Grécia, cuja voz ainda paira sobre as nossas mais preciosas palavras, entre as quais, quase intacta, a poesia. Dedico à Grécia, sem a qual não teríamos aprendido a beleza, sem a qual não teríamos nada ou, no dizer da doutora Maria Helena da Rocha Pereira, “não seríamos nada”.

Zoun Elláda!,Viva a Grécia!

Texto lido por Hélia Correia na entrega do Prémio Camões,  a 7 de Julho de 2015. Hélia Correia dedicou o Prémio Camões à Grécia (foto: Pedro Cunha/Público)

Nos 50 anos da Gaudium et Spes

O que mudou no Mundo e na Igreja nestes 50 anos de publicação da constituição Gaudium et Spes? O que nos podem dizer, hoje, as suas intuições fundamentais, à luz da(s) realidade(s) actual(is)?

Para C. Theobald, jesuíta francês e professor de teologia em Paris, os 50 anos da publicação da constituição pastoral Gaudium et Spes são um desafio a re-pensar a sua mensagem: não basta repetir o seu conteúdo, urge procurar a actualidade para os nossos dias. Tal é o conteúdo do mais recente Caderno “Teologia Pública”, publicado pelo Instituto Unisinos (Brasil), que aqui partilhamos.

“Como pode a fé cristã interpretar-se hoje, num contexto em que a humanidade sente dolorosamente que, apesar de suas potencialidades exponenciais no plano científico e técnico, nada pode dispensá-la de se afirmar, ela mesma, como livre e coletivamente “humana”?

(para ler em ecrã completo e fazer download, clique aqui)

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Hélia Correia

O Prémio Camões foi atribuído no passado dia 17 a Hélia Correia, que o recebeu como uma ‘eleição entre pares’. Partilhamos um texto autobiográfico, publicado no Jornal de Letras em 2005, e dois poemas.

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32.
De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de polis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.

33.
Estão as praças,
Como ágoras de outrora, estonteadas
Pela concentração dos organismos,
Pelo uso da palavra, a fervilhante
Palavra própria da democracia,
Essa que dá a volta e ilumina
O que, por um instante, a empunhou.
Oh, os amigos, os abandonados,
Esses, os destinados ao extermínio,
Esses os belos despojados, nus,
Os que, mesmo nascendo no Inverno,
Pouco sabem do frio, gente que dorme
Na sombra do meio-dia, ouvindo o canto
Das cigarras, o canto sobre o qual
Hesíodo escreveu. Gente do Sul,
Gente que um dia se desnorteou.

in A Terceira Miséria, 32 e 33

“Não está aqui a minha in-timidade”, é o que digo sempre aos que acham estranho que eu abra a porta a toda a gente. “Está na serra”. Poucos me acompanharam até lá, ao meu lugar, do qual não há fotografias. Os segredos da casa, esses existem para serem revelados logo à primeira instância dos afectos.

Antigamente havia gradações no espaço franqueado aos visitantes. Minha mãe recebia os vendedores e as ciganas pobres à janela, os portadores no corredor de entrada, as cunhadas do campo na cozinha, as amigas na sala de costura. Durante esses encontros de mulheres, escondia-me sob a mesa de camilha para escutar histórias de morte e assombrações. O meu pai não queria que eu ouvisse conversas que pudessem assustar-me, e elas pigarreavam e sorriam até me verem fora do alcance. O mundo feminino estava então muito imbuído de delicadeza. As senhoras prendiam a linguagem como se adivinhassem que existia, de facto, uma criança ali escondida. Lembro-me de silêncios e imagino que o olhar ou um gesto transmitiam mudas informações sobre adultérios. Mas o que quer que houvesse de erótico nas tardes prescindia do sexo. Elas vergavam sob a pura energia do terror. Umas davam notícias de agonias, outras de vultos que caíam sobre as camas, deixando nos colchões as suas covas e manchas negras, como de carvão. Invocava-se Deus, entre suspiros. Porém nada descia a consolá-las. Punham-se a folhear os .gurinos, troçando dos modelos arrojados. O desespero estava em tudo como um cheiro.

Eu só usava o esconderijo quando não se acendia a braseira. No Inverno, eram os gatos quem o ocupava. Creio bem que os seus sonos não estavam tão cheios de fantasmas como os meus. Eles gozavam os sons e o calor, mas as palavras nunca penetravam no seu conhecimento de ani-mais. Consegui, decifrando-lhes a linguagem, uns prodígios de comunicação tão eminentes que os vizinhos me chamavam “a menina dos gatos”. Tenho em mim um grande parentesco de felinos.

Vivi a infância como se vivesse uma acção jamais interrompida. Quando fui, por exemplo, capitã, os pequenos soldados perfilavam-se, fazendo continência, mesmo quando me viam no café com os meus pais. Não faltavam vilões nos meus enredos. Durante as aventuras no Convento, eu recordava que o meu pai estivera preso com outros membros da oposição numa dessas masmorras que pareciam adequadamente medievais. Ia de noite vigiar a rua enquanto, com uma imprudência romanesca, meu pai sintonizava emissões clandestinas num rádio que se achava quase junto à janela. Andava ali o perigo das palavras. Certas palavras ameaçavam um desastre e inquietavam muito minha mãe.

Mas também as figuras protectoras circulavam sem esforço entre os dois mundos. A Luisinha, que era e ainda é o mais belo dos seres humanos que já vi, passava para dentro dos livros ilustrados como fada e princesa. E deles saía para me resgatar da crueldade que é o grande exercício das crianças e que eu, mimada e frágil, atraía. Ela esteve doente e eu visitava-a. Ia encontrá-la na cadeira de repouso, na grande balaustrada das glicínias, de cachos tão azuis como os seus olhos. E ali nada me obrigava à escolha, à dilaceração que marca a entrada no mundo do real e não mais sara. Um texto segregava as suas linhas, e tudo aquilo que existia à sua volta nele se inscrevia, como orvalho numa teia.

As palavras impunham-se entre nós como se impõem as pessoas de família, com encanto umas, tirania outras. Existia uma espécie de histeria na vigilância com que se julgava cada um pela sua competência no emprego da língua. O mero acto de pedir um produto ao merceeiro era alvo do escrutínio mais feroz. Dividia-se então a sociedade entre aqueles que diziam “uma quarta” e os que diziam ou mandavam dizer o peso em gramas, fazendo a concordância masculina. Eu ia muitas vezes, com a minha prima-ama, passar dias na aldeia dos seus pais. Ficava apenas uns dois quilómetros de distância de Mafra, a minha terra, mas a mudança que se operava então a nível lexical e até sintáctico entontecia como um turbilhão. As refeições tinham os nomes deslocados, ao almoço chamava-se jantar. Dizia-se “aviarem-se” por “despachem-se”. Faziam a gostosa ditongação .nal, como os alentejanos. À luz do candeeiro de petróleo e longe dos cuidados do meu pai, eu sentava-me à mesa, como sempre faziam as crianças camponesas, aprendendo pela boca dos adultos que não deve pisar-se o rasto às bruxas nem ocultar-se o fato ao lobisomem. Coisas inomináveis espreitavam dentro da natureza e eu amava-a. Ela não aceitava condições.

Em minha casa os livros habitavam como presenças vivas. Em cada aniversário de meu pai, a minha mãe enchia a casa de camélias. E certa dama, de que eu só sabia que usava um ramo de camélias à cintura, tomava o seu lugar na festa, provocando sorrisos misteriosos nos adultos. Tinha as feições da Garbo, a “nossa” actriz. Nem mesmo a Rita Hayworth , por parecida que todos a achassem com a minha mãe, disputava o seu alto prestígio na família. Um temporal não tinha nome de temporal: trazia o “Monte dos Vendavais” para a nossa rua. As discussões entre os meus pais sobre Camilo e Eça de Queirós alcançavam veemências inesperadas. Lembro-me de uma vez minimizar Camilo que eu evidentemente ainda não lera e era de minha mãe. Eça era de meu pai. Ele não gostou: “Quem te dera chegar-lhe aos calcanhares!”. Costumava achar graça ao que eu dizia, de modo que o olhei boquiaberta. Nunca lhe vira tal severidade.

A minha história clínica tem notas curiosas. Quando nasci, não vinha convencida a .car. Não sendo prematura, estive na incubadora de que agora ninguém pode falar sem rir. Recebi transfusões de sangue na cabeça. Com a vacinação feita aos três meses, manifestaram-se alergias decididas a não cederem sob terapia alguma. Como li muito desde os quatro anos, o médico declarou um esgotamento e proibiu-me de ir para a escola aos seis. Tinha febres e havia naquele tempo uma memória da tuberculose. Vinha para a minha irmã, para Lisboa, e a tem-peratura revelava-se normal. Ainda nada disto me passou.

A minha mãe sonhara vestir-me à inglesa, de veludo azul-escuro e com chapéu de feltro no Inverno, de branco no Verão. Renunciou. Pôs-me sandálias e calções, mandou cortarem-me o cabelo à rapazinho. O meu estado bravio prolongou-se pela adolescência.

Quando acabei o antigo quinto ano, enfrentei o pior dos pesadelos. Ia ser obrigada a frequentar, em Lisboa, um Liceu só feminino. Pensava nos relatos tenebrosos dos colégios de freiras. Num meio escolar perverso e castrador, o D. Amélia revelou-se uma excepção. Ocupava e ocupa um palácio dos Câmaras. Com alguma ousadia, muita vez acedemos a zonas proibidas em que as portas abriam para saletas ainda com restos de mobiliário e festões nas paredes.

Nesses dois anos conheci um fervilhar de criação e recepção das artes que me dava a ideia de andar sempre na iminência de um deslumbramento. O meu amor pela Grécia começou, o meu amor pela dança renovou-se. Bem ao contrário do que eu antevira, as meninas ligaram-me ao exterior onde existiam, para além de rapazes, filmes, música, bastidores de teatro que assaltávamos com fanatismo um tudo-nada avant la lettre. Trago em mim nomes vindos desse tempo: Maria Filomena Molder, Maria Fernanda de Abreu, outros que não deixaram obra pública mas que acenderam muita luz na minha frente.

Os grandes Professores da Faculdade davam as suas aulas de manhã. Com o meu apetite pelas noites, cometi o pecado irremissível de as não frequentar. Perdi assim a maior das memórias, a dos Mestres. Andava por ali então um mito, o do estudante-revolucionário, e embati nele como muita gente. Ainda hoje não se sabe ao certo quanta seriedade havia ali. A evidência moral do antifascismo dispensava compêndios .losó.cos. Por essa altura, recompus as peças do puzzle familiar e integrei nele aquilo que sempre me faltara: irmãos.

Depois, registo ainda esse romance em que a minha paixão pelo ensino teve um mau fim. E acabou-se ali a minha luta com a realidade.

Estou consciente do desequilíbrio que afectou esta massa narrativa. Descai na maior parte para a infância, depois começa a fraquejar, depois dissipa-se. Os passos biográficos que evoco não são a minha vida. São fragmentos de experiên-cias comuns, objectos de partilha que podemos manobrar frente aos outros sem pudor. Há, para muitos deles, testemunhas. Posso mostrá-los, como mostro até o quarto de dormir para exibir bordados que me faz a minha irmã. À serra, não vos levo. Não vos levo para dentro dos meus esconderijos. Está lá a minha escrita: não falo dela. Estão lá as minhas vidas: reservadas e sub-terrâneas, sem acesso à vista. Estão as palavras e o interdito. Estão os lugares e os tempos que se regem por coordenadas que não deixo aqui.

(Artigo publicado no Jornal de Letras, 30 de Março de 2005. Retirado daqui.)

Foto: Gonçalo Rosa da Silva)

Colóquio Internacional Estética e Mística

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Entre 2 e 4 de julho, decorrerá na Universidade Católica do Porto [Foz] um colóquio subordinado ao tema Estética e Mística.

O Colóquio é promovido pela Cátedra Poesia e Transcendência e é aberto ao público.

Programa

(Auditório Carvalho Guerra)

2 de julho
18h.00 | Abertura
18h.30 | Conferência “Kierkegaard y la mística”
(Miguel García-Baró, Universidad Pontificia Comillas . Madrid)
19h.30 | Evocação da Memória de Herberto Helder
(Valter Hugo Mãe, escritor)

3 de julho
18h.00 | Conferência “O apelo da beleza: estética e transcendência”
(João Manuel Duque, UCP Braga)
18h.30 | Conferência “Verdaguer, Gaudí e Maragall: Tríada de sentinelas” (Jaume Aymar, Universitat Ramon Llull . Barcelona)
19h.00 | Conferência “A fome do fim: os poemas de Daniel Faria sobre S. João da Cruz” (Nuno Higino, Universidade Fernando Pessoa)

4 de julho
10h.00 | Conferência “Antropologia, mística e estética em Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra” (José Acácio Aguiar de Castro, UCP Porto)
10h.30 | Conferência “O pensamento abre-se a paisagem. Sobre Categorias e outras Paisagens, de Fernando Echevarría”
(Maria João Reynaud | Universidade do Porto)
… pausa …
11h.30 | Conferência “A beleza na mística cristã a partir do Súmbolon desta” (Alexandre Duarte | UCP Porto)
12h.00 | Conferência “El decirse de la mística en el silencio de las palabras” (Hugo Mujica | escritor)
12h.30 | Apresentação da antologia poética de Hugo Mujica: Margens
12h.45 | Encerramento

Música no Paraíso

Músicos

A Antena 2 está transmitir um conjunto de programas sobre a História da Música cristã aos domingo às 22 horas

(com repetição aos Sábados às 11 da manhã).

Foram já transmitidos (e podem escutar-se ainda, via Internet):

5 e 11 de Abril: A música bizantina

12 e 18 de Abril: O canto gregoriano

19 e 25 de Abril: A Ars antiqua e a Ars nova

Serão ainda transmitidos:

26 Abril e 2 Maio: O canto monástico de Hildegard von Bigen

3 e 9 de Maio: A música cristã renascentista

10 e 16 de Maio: Palestrina, Allegri e a Nova Música Católica

17 e 23 de Maio: O barroco na Música Sacra

24 e 30 de Maio: Bach e a instituição de uma Nova Música

31Maio e 6 Junho: A Música Cristã e o Iluminismo

A não perder.  Muita qualidade.

Manoel de Oliveira

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“Repare que Manoel de Oliveira, que sempre assumiu que o teatro era o paradigma do seu cinema, vai baixar à terra no dia em que se celebra o momento mais teatral e dramático da Paixão de Cristo. (…) Ele teria gostado disso, certamente”, comentou o escritor Mário Cláudio, referindo-se ao filme O Acto da Primavera, 1963, onde o realizador registou um Auto da Paixão realizado em Trás-os-Montes.

“O Manoel estava farto dos filmes — disso que agora só temos nos centros comerciais. Ele gostava era do cinema. Por isso, pegou nos filmes dele e levou-os para o céu” (João Botelho, realizador).

Exultai e alegrai-vos!

Era Mozart (1756-1791) um jovenzito de  17 anos quando escreveu este motete – Exsultate, Jubilate (K 165), Exultai, alegrai-vos! Porquê?

Nascido em Salzburg, hoje Áustria, estava ele em Milão a propósito da apresentação de uma ópera da sua autoria – Lucio Silla – onde conheceu um cantor, castrado como na época era normal. Para ele escreveu então o motete. Nesta altura da sua vida, 17 anos!, tinha já escrito muitas música digâmo-la sacra o Conde-príncipe, que era também o arcebispo, de Salzburg.  Exultai e alegrai-vos! A letra não é famosa, não se conhece sequer o seu autor. Mas está cheia, de encantamento e exultação, clima que Mozart captou e transmite.

Com três andamentos, os dois primeiros conduzem necessariamente para o último que termina num cenário sonoro de brilhantismo exuberante.

Alegrai-vos, porque ele ressuscitou!

Abertura da Páscoa russa

Oito dias antes da “santa semana”, pode ou deve ouvir-se esta obra musical de Rimsky Korsakov.

Nela se misturam reminiscências do tempo pagão, do Antigo Testamento e dos Evangelhos; mas ainda e sobretudo a luz e o pão sem fermento da Páscoa, a alegria e a dança da Ressurreição.

Rimsky Korsakov, músico russo que viveu entre os anos 1844 e 1908, escreveu esta obra nos anos 1887-1888.

Os Lázaros

O próximo domingo, 5º da Quaresma, 22 de Março, é o dia da festa dos Lázaros, pois que nele se lia na Liturgia o texto de S. João (11,3-45) sobre a ressurreição de Lázaro. No Porto ainda não se apagaram as luzes desta antiga festa popular, no Jardim de S. Lázaro, no Porto (ao lado dos Poveiros).

A partir dessa história, Schubert (1797-1829), o grande músico do século XIX, escreveu uma cantata, assim se chamava uma composição em que se cantava ou contava uma história ou acção de índole religiosa. Era uma espécie de ópera sem representação cénica.

Chama-se Lazarus, esta obra inacabada de Schubert (D. 689), descoberta já depois da sua morte. Pode querer isto dizer que teria o compositor consciência de que o que havia escrito precisaria de uma “última mão”. Schubert, o maior melodista da música europeia, dizem os críticos e historiadores, morreu muito jovem ainda, com 32 anos.

“Entra no teu quarto, fecha a porta…” (Mt 6,7) e escuta.