Humanidade

Safet Zec

Tudo começou em 1971, quando Paulo VI, na Carta Apostólica Octogesima Adveniens, escreveu assim: “Por causa da exploração inconsiderada da natureza, o homem começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser também vítima dessa degradação”. Isto é: a continuar a tratar assim a natureza, o homem atual pode começar a dar cabo de si próprio; e não precisa para tal de bombas atómicas, que as há.

Na Encíclica Louvado sejas, o Papa Francisco escreveu: “Todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar na educação para a responsabilidade ambiental” (214). Um pouco adiante, acrescentou: ”Deus criou o mundo, inscrevendo nele uma ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar” (221).

Mas, no mínimo, o que está a acontecer é que “A terra, a nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo” (21).

Um dia destes (2017.03.28), o jornal que leio diariamente publicava um trabalho a duas páginas, com este título, em parangonas: “Corais estão a morrer e a culpa é nossa”.

Não vou agora explicar, mas…

Sabemos todos o que são corais: pequeníssimos animais coloniais que amontoados formam verdadeiros rochedos e vivem nos mares quentes, a uma profundidade razoável…, aqui ao lado, em Aveiro, por exemplo. Estes bichinhos são muito antigos no planeta: 400 milhões de anos!. E vivem, a certas temperaturas, no meio de algas que lhes dão belíssimos coloridos. Mas, se a temperatura das águas sobe, eles perdem a coloração, ficam brancos e morrem. Ficam sem acesso a nutrientes. É o que está a acontecer de há 80 anos para cá.

E que mal tem isso?

Tem que “Um mundo sem recifes de coral é um mundo em que a extinção humana [— o desaparecimento do homem —] neste planeta está cada vez mais próxima. Mas ainda vamos a tempo de nos salvar, começando por salvar os recifes de coral!” – diz o autor do artigo.

Quando li esta ameaça — “Um mundo sem recifes de coral é um mundo em que a extinção humana neste planeta está cada vez mais próxima” — andava o Pe Anselmo Borges a publicar num outro jornal umas curiosíssimas páginas sobre Transhumanismo e Pós-humanismo.

Que raio de palavras são estas?

Humanismo tem a ver com o homem; trans é uma preposição latina que significa “além de”: Transporte é o metro do Porto ou a camioneta do Vinhas que “levam para …”, isto é, transportam para um sítio diferente daquele em que se está quaisquer bens ou pessoas. Transhumanismo é, portanto, um entendimento do mundo e do homem muito diferente do humanismo que conhecemos e em que vivemos — sabe Deus como! —, que nasceu pelos séculos XV e XVI e veio até ao nosso tempo.

Pós-humanismo (depois do humanismo) é algo que está para além do humanismo tal como o entendemos hoje. Vou dar um exemplo: no nosso mundo ou em certos mundos, o dinheiro é, quase sempre, muito mais importante que o homem. Mas o verdadeiro humanismo entende que no centro do mundo deve estar o homem e não o dinheiro! Ponto final.

O transhumanismo apresenta-se como o fruto da terceira revolução industrial (a 1ª aconteceu entre o séc. XV e o XVIII; a 2ª, de meados do séc. XVIII até ao nosso tempo; a 3ª está a começar: desaparecerá o homo sapiens). “Os futuros senhores da Terra serão, provavelmente, mais diferentes de nós do que nós o somos dos nossos antepassados”. Com a engenharia genética, produziremos porcos com gorduras boas, será possível criar ratos verdes e fluorescentes e superinteligentes. E se isso é verdade, “porque não fazer seres humanos também superinteligentes?”. O mais revolucionário será a possibilidade de ligar um computador a um cérebro humano, captando sinais do cérebro de outrem.

Novas tecnologias permitem pensar que, em breve, transformar e melhorar a espécie humana deixou de ser ficção. Uma investigadora destas ciências diz assim: “Pode ser que pela primeira vez o homem seja capaz de mudar o seu próprio código genético e a longo prazo concretizar o sonho de melhorar a nossa espécie. Não vamos ser imortais, mas poderemos ser super-homens”.

E haverá depois os robots a substituir os humanos em funções de trabalho. Se forem robots ao serviço unicamente do homem…!

Tudo isto modificará muita coisa. O Parlamento Europeu já estuda um estatuto legal para os conter.

Tenho consciência de que isto que acabo de dizer provoca hoje a mesma reação que se levantou no século XIX quando Júlio Verne (1828-1905) escreveu  romances como “Da Terra à Lua” ou “Paris no séc. XX”. Muitos se riram dele, mas ele tinha razão.

Com o Transhumanismo e o Pós-humanismo surgirão graves problemas filosóficos, éticos, políticos e religiosos. Porque:

«A fé permite-nos interpretar o significado e a beleza misteriosa do que acontece. A liberdade humana pode prestar a sua contribuição inteligente para uma evolução positiva, como pode também acrescentar novos males, novas causas de sofrimento e verdadeiros atrasos. Isto dá lugar à apaixonante e dramática história humana, capaz de transformar-se num desabrochamento de libertação, engrandecimento, salvação e amor, ou, pelo contrário, num percurso de declínio e mútua destruição. Por isso, a Igreja, com a sua ação, procura não só lembrar o dever de cuidar da natureza mas também e «sobretudo proteger o homem da destruição de si mesmo» (79).

E «todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação. Espero também que, nos nossos Seminários e Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente. Tendo em conta o muito que está em jogo, do mesmo modo que são necessárias instituições dotadas de poder para punir os danos ambientais, também nós precisamos de nos controlar e educar uns aos outros» (214).

É por isso que, neste dia de Páscoa, repito o que já disse aqui muitas vezes: respondendo ao apelo do Papa Francisco, continuaremos a debruçar-nos sobre este tema com a atitude com que o Papa começou esta encíclica: ”Louvado sejas, Senhor!”.

Arlindo de Magalhães, 16 de Abril de 2017

 

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