Marcos

São tão sugestivos os 4 evangelhos! Mesmo assim, há 50 anos a ensinar a lê-los, só agora me interessei pela figura de Marcos, o evangelista.

Há 4 Evangelhos e 4 deles escritores. Mateus era cobrador de impostos. Passando-lhe à porta, uma vez, Jesus disse-lhe “Segue-me!”; “e ele levantou-se e seguiu-o” (Mt 9,9).

Lucas, um grego de cultura e pagão de religião, nascera em Antioquia da Síria e foi discípulo de Paulo, a quem acompanhou em grande parte das suas viagens. Na Carta aos Colossenses (4,14), Paulo chama-lhe “o caríssimo médico”.

João, apóstolo, era irmão de Tiago; juntamente com Pedro formaram o grupo mais íntimo de Jesus: “Pedro, Tiago e João”. Paulo diz na Carta aos Gálatas (2,9) que esses três eram considerados as colunas [da nascente Igreja]. Acrescento que se a Tradição diz que o João Apóstolo é o João evangelista, há hoje exegetas (peritos da interpretação do texto) que defendem que não.

Da figura de Marcos nunca me havia interessado, dizia.

João Marcos era filho de uma Maria em cuja casa se reunia a primitiva igreja de Jerusalém (ninguém se esqueça que, em grego, a palavra eclesía queria dizer reunião): portanto, os seguidores de Jesus que viviam em Jerusalém, reuniam-se em casa de uma Maria.

Paulo e Barnabé estavam um pouco a norte, em Antioquia (da Síria) e resolveram fazer uma grande viagem por Chipre e Antioquia da Pisídia, a “anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus” (At 13,5). A meio da viagem, digamos assim, “João separou-se deles e voltou para Jerusalém” (At 13,13). Paulo e Barnabé continuaram a viagem combinada e depois de estarem em Antioquia da Pisídia, regressaram a Jerusalém.

Uma vez aí, levantou-se um problema: alguns fariseus, que tinham abraçado a fé, começaram a dizer que era preciso que os que chegavam do paganismo à fé tinham também de observar a Lei de Moisés (At 15,5).

Acabados os debates e assumidas as decisões tomadas, Paulo e Barnabé decidem uma nova carreira, desta vez à Macedónia.

Mas aqui é que foram elas! Barnabé queria levar o primo — João Marcos — mas Paulo não concordou: “Seguiu-se uma discussão tão violenta que se separaram um do outro” [Paulo de Barnabé]. E “Barnabé tomou Marcos consigo e embarcou com ele para Chipre, sua terra natal. Por seu turno, Paulo escolheu um outro companheiro, Silas, e atravessou a Síria e a Cilícia [nome de uma antiga região na costa sul da Ásia Menor, hoje Turquia]” (At 15,39-41).

*

Não há dúvida que podemos estranhar algum comportamento dos seguidores de Jesus na Igreja primitiva: porque é que Paulo não perdoou a João Marcos não se sabe o quê e, por isso, não tenha permitido que ele os acompanhasse? Barnabé queria que o primo fosse com eles numa segunda viagem. Mas isso não aconteceu (At 15,39).

Inesperadamente porém Marcos, que era primo de Barnabé; aparece em Roma, ao lado de Pedro e de Paulo — “meu companheiro de prisão” (Cl 4,10), diz Paulo. Santo Ireneu, epíscopo grego e teólogo que terá vivido entre cerca os anos 130 e 202, disse que Marcos foi discípulo, intérprete e transmissor de quanto havia sido pregado por Pedro. E de facto, peritos modernos são de opinião que o Evangelho de Marcos, de João Marcos, filho de Maria (não a mãe de Jesus), reflete as catequeses que Pedro fazia em Roma, ele que tinha sido testemunha presencial dos acontecimentos, atitudes, gestos e ensinamentos de Jesus. João Marcos, que não tinha conhecido Jesus pessoalmente, tirara apontamentos dessas catequeses de Pedro; e que fora a partir deles que pôde escrever o Evangelho que todos conhecemos e terá sido escrito antes da destruição de Jerusalém acontecida no ano 70.

Já muitas vezes por aqui se disse que, na Igreja Primitiva, não era tudo um mar de rosas: At, 2,42-47 e 4,32-35.

Não era um mar de rosas, não: a reação de Paulo à decisão de João Marcos (At 13,13b), a violenta discussão de Paulo e Barnabé (At 15,39), a fraude de Ananias e Safira que mentiram “ao Espírito Santo” (At 5,1-5), a atitude de um tal Simão que queria dar dinheiro aos Apóstolos para que eles lhe arranjassem o poder de impor as mãos e de darem o Espírito Santo … (At 8,18), ou até o recadinho do João da 3ª Carta que mandado a Diotrefes — “quando eu for aí vou-lhe dizer na cara o que ele anda para aí a fazer…, que até não acolhe os irmãos…, e expulsa-os da igreja…” (10) —, tudo isso nos diz que, já naquele tempo, não era tudo um mar de rosas..

No entanto, “eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações…, e tinham um só coração e uma só alma” (At 2,42-47)!

Arlindo de Magalhães, 21 de janeiro de 2018

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