O possível e o atual

Putzriss: Dieter Pregizer/Fotolia

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Desde o princípio, a partir da Ressurreição, os discípulos de Jesus que só mais tarde começaram a ser chamados “os Cristãos” ou discípulos de Cristo (At 11,26), desde o princípio — dizia — os cristãos tiveram que organizar-se. O texto dos Atos hoje lido dá-nos disso notícia: “depois de terem estabelecido presbíteros em cada Igreja…”.

Primeiro, “em cada Igreja”. Já havia comunidades várias: em Jerusalém, na Samaria (8,5 ss), em Damasco (9,19), em Antioquia da Síria (11,19-25) e em Antioquia da Pisídia (13,14), em Icónio (13,51), em Listra (14,6), etc. Já havia comunidades > reuniões (eclesías) várias de discípulos de Jesus. E logo passariam à Grécia, a Roma, quando tal estavam na nossa terra…, no século II pela certa.

Tiveram de se organizar minimamente. Sabemos que tinham tudo em comum (At 2,44), que tinham mesa comum, o que gerou dificuldades (6,1) e urgiu a instituição dos diáconos, “homens de boa reputação e cheios do Espírito e de sabedoria” (6,3), e depois “estabeleceram presbíteros em cada Igreja…”. A palavra grega presbítero — sabemo-lo todos — refere um “homem de idade”, pessoa de experiência e sabedoria. No mundo antigo eram os idosos que assumiam os lugares de chefia. Por isso, à maneira do que se fazia na sociedade do tempo, “em cada igreja” colocou-se um presbítero, não um velhinho já demente, mas um homem cheio do Espírito [de Jesus] e de sabedoria. Não vamos agora falar da organização das comunidades cristãs primitivas, os epíscopos só chegariam muito mais tarde, século II, também copiados da organização social, etc, etc, etc.

Aproveito esta referência histórica da organização cristã primordial para me referir à organização da Comunidade que somos.

I.
Imediatamente a seguir ao tempo do Natal, disse aqui da necessidade de nos debruçarmos sobre o documento da Comunidade, as suas Bases, pois que isto é como na vida da gente: a roupa dos 4 anos não serve para os 40, não pode ser a mesma, a gente cresce e a roupa deixa de servir. Na vida das Comunidades e das Instituições é sempre necessário ajustar o Possível ao Atual, mas sem se desviar da originalidade.

Expliquei então como tinham nascido as Bases da Comunidade, em 1976, que tinham já sido revistas várias vezes e teologicamente enriquecidas, e que, ainda no âmbito dos 40 anos, pediam então alguma revisão.

Para tal se realizou em 23 de janeiro uma Assembleia em que se debateram alguns ajustamentos de ordem teológica e de teor orgânico. Nessa altura, pensou-se ser possível — debatidas as questões e revistos os textos — que o trabalho estivesse pronto antes da Páscoa. Assim não aconteceu. Porquê?

O documento em causa começou por chamar-se Bases do Conselho da Comunidade. Mas, quase sem ninguém dar conta, houve um volte-face: o documento definitório do Conselho passou a sê-lo da Comunidade. Esta volta foi importante: o documento deixou de ser pragmático para ser teológico. Ou seja: o documento que no seu princípio tratava das regras de funcionamento do Conselho da Comunidade deu lugar a um outro, definitório da identidade eclesiológica da Comunidade, parte diminuta de uma Igreja — a do Porto — ainda atada à antiga organização paroquial: “o apelo à revisão e renovação das paróquias, tornando-se mais próximas das pessoas, ainda não deu suficiente fruto”…, [e as] “pequenas comunidades são uma riqueza da Igreja”, disse o Papa Francisco.

Deste volte-face só nos demos conta depois da Assembleia de janeiro. E foi necessário introduzir no texto este volte-face, atendendo também a algumas outras sugestões interessantes então apresentadas.Temos agora, portanto, uma espécie de bilhete de identidade da Comunidade da Serra do Pilar, a que se junta um apêndice sobre a organização e funcionamento do seu Conselho.

Precisamos, porém, de nos reunirmos de novo para julgarmos o texto a que chegámos. Fá-lo-emos no dia 23 de abril (sábado, 15 horas). No dia de Pentecostes distribuir-se-á o documento.
A resumir tudo o que disse, permitam-me leia um pequeno texto do Pe Leonel, dito como só ele sabia, aqui mesmo, em 1982:

«Sobre a Serra do Pilar não nos arvoramos em juízes da Igreja que está em Portugal. Deus nos livre da tentação. Somos da Igreja que está em Portugal, e seríamos juízes de nós próprios com toda a morbidez que acarreta uma atitude dessas, com todo o narcisismo… Deus nos livre dessa Tentação! Mas quem pode estar em Portugal e na Igreja que está em Portugal sem sofrer do “mal” de que sofre esta Igreja? Podem-nos dizer, e nós acreditamos nisso, que nos devemos converter e santificar!… Mas como é possível converter-nos e santificar-nos a nível pessoal e local, sem que a nossa Revisão de Vida acarrete uma conversão geral, universal, comunitária e eclesial? Impossível pensar em nós sem pensarmos na Igreja que está em Portugal. É tão impossível isso como é impossível pensar na Igreja que está em Portugal sem pensarmos em nós!…».

II.
Teremos connosco na Vigília de Pentecostes o nosso amigo e conhecido Abdul Mangá, crente muçulmano e responsável do Centro Islâmico do Porto. No tempo difícil que a Europa vive, cristãos e muçulmanos oramos juntos ao mesmo Deus: “Só Deus é Deus e não há nenhum outro além dEle, o Vivo, o Subsistente. Dele não se apossam nem o torpor nem o sono; a Ele pertence tudo o que está no Céu e na Terra. Quem pode interceder junto dEle sem a sua permissão? Ele sabe o que está antes e o que está depois dos homens e ninguém alcança a sua ciência sem que Ele o consinta; o seu trono estende-se pelo Céu e pela Terra e a sua custódia não lhe causa qualquer dificuldade. Ele é o Excelso, o Magnífico” (Alcorão 2,256).

III.
Estamos a tratar do passeio anual (sempre fiéis à sua originalidade entre nós: visita quanto possível a lugares da História Religiosa de Portugal, mas de modo que todos possam ir, os que têm carro e os que não têm, e os que têm dinheiro e os que não têm). Decidimos ir a Guimarães (ao lado, a S. Torcato e a Arões), o bilhete de comboio custa 3,10€ (1,55€ para maiores de 65 anos), tudo o mais se organizará a tempo conforme for sendo dito. Temos este ano um fim-de-semana alargado, é aí que iremos a Guimarães, 10-12 de junho.

“Que tudo quanto há de bom no coração e no espírito do homem ou nos ritos e cultura próprios de cada povo não só não pereça, antes seja elevado e aperfeiçoado para glória de Deus e felicidade do homem” – assim dizia o Vaticano II (LG 17) e assim o faremos na viagem de Guimarães.

Arlindo de Magalhães, 17 de Abril de 2016

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