Pentecostes

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Deus revelou-se aos homens de muitas maneiras e formas, desde os tempos antigos, como diz o autor da Carta aos Hebreus, logo a abrir: “Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos”.

Mas a verdade é que se revelou de modo especial de duas maneiras. Por Jesus sobretudo: “Quem me vê vê o Pai” (Jo 14,9). É a maior. Mas não é a única. E para muitos homens essa maior revelação de Deus nem sequer funciona: sempre houve e haverá muitos homens que não conhecem Jesus. Como pode, para eles, ser Jesus o maior sinal do Pai?

Se Jesus é um sinal que não funciona para todos, para todos é de certeza o Espírito de Deus. Por isso é que já o Profeta dizia que ele era derramado sobre toda a carne (Jl 2,28). Por isso ainda, explicava o Vaticano II, em todas as religiões há elementos de verdade e santidade e nelas encontra-se “por vezes até o conhecimento da Verdade suprema ou mesmo de Deus Pai” (NA 2). Assim é que “quando os filhos de Abraão se calam, gritam as pedras” (Lc 19,40). Quem gritou os Direitos do Homem, foram os cristãos? Quem gritou os Direitos do Trabalho, Liberdade e Democracia? Nós também gritámos outras coisas, e às vezes as mesmas, mas noutro tempo: quem gritou os Pobres no séc. XII, quem gritou Albergarias, e Hospitais, e Universidades, e Misericórdias?.

Por tudo isto é que “o Espírito do Senhor encheu o universo”, ele que ”dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência” (LG 26). Por isso é que “em toda a terra os homens serão estimulados à esperança viva para que finalmente sejam recebidos na paz e na felicidade infinitas, na pátria que refulge com a glória do Senhor” (GS 93).

Porque o Espírito do Senhor é derramado sobre toda a terra, sobre toda a carne e sobre todo o tempo é que Jesus pôde dizer ao escriba – um escriba (um defensor da letra da Lei que, à partida, não respeitava o espírito da Lei!): “Não estás longe do Reino dos Céus!” (Mc 12,34). E não disse ao centurião, um pagão: “Nunca em Israel encontrei semelhante fé!” (Mt 8,10)?, acrescentando de seguida: “Muitos virão, do Oriente e do Ocidente sentar-se à mesa com Abraão, Isac e Jacob, no Reino do Céu” (Mt 8,12)? E a Zaqueu, não acabou também por chamar-lhe “filho de Abraão” (Lc 19,9)? E não foi um soldado romano o primeiro a reconhecer que “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39)? E de Cornélio, outro centurião, outro pagão, não nos dizem os Atos dos Apóstolos que, muito antes de ouvir falar de Jesus, já levava Deus a sério, tanto que as suas orações e esmolas subiam à presença de Deus? (Act 10,2 e 4). É melhor parar por aqui pois que os Atos dos Apóstolos, para contarem como os discípulos de Jesus se abriram progressivamente aos pagãos, narram mais acontecimentos que reflexões. Cumpria-se a profecia:  “Muitos virão, do Oriente e do Ocidente…”.

É que “o Espírito sopra onde quer” (Jo 3,8). O Espírito de Deus não está aprisionado por nada, nem amarrado a nada. Deus está em toda a parte – aprendemos no catecismo – e com ele o seu Espírito, que é Espírito de Deus. A misteriosa realidade do Espírito Santo, que é o Espírito de Deus e de Jesus – ele “procede do Pai e do Filho”, como diz o Credo -, não se deixa manipular por nenhuma Igreja nem por nenhuma teologia, por nada nem por ninguém.

O Espírito de Deus não se esgota em ninguém, muito menos ninguém tem o seu exclusivo. Como é que foi com os evangelistas? Não é verdade que nem nos Evangelhos o Espírito cabe dentro da letra? Por isso temos 4, e não 1 só Evangelho. E não é verdade que, dos 4, há 1 (o de João) que sai da forma? E as 14 cartas de Paulo?: é ou não é verdade que nenhuma delas tem uma citação que seja, explícita, de qualquer dos 4 evangelhos? E com todas as outras cartas não sucede exatamente o mesmo? Os escribas do Reino de Deus não são repetidores, antes sabem tirar do tesouro coisas novas e antigas. Nisto, e connosco os próprios Judeus, quer queiramos quer não, levamos vantagem sobre os nossos primos do Livro Único: não caímos tão facilmente em fundamentalismos (o que não quer dizer que não caiamos!). “O Espírito de Deus sopra onde quer” (Jo 3,8), mas a sensibilidade cristã acrescentou: onde quer, quando quer e como quer. Por isso é Espírito livre e de liberdade. Deus não cabe nos nossos esquemas, sejam quais forem.

Durante muito tempo, na Igreja, as coisas passaram-se como se o Espírito de Deus fosse dado apenas a alguns, e muito poucos. Aos outros competia apenas obedecer aos monopolistas. Mesmo assim, foi sempre muito difícil explicar certas coisas: chamassem-se Francisco de Assis ou Ozanam, João XXIII ou o apelo dos pobres e dos sinais dos tempos. O Papa Francisco é um exemplo claro: por isso sofre uma oposição frontal. Já quando o Papa Leão XIII (1878-1903) falou das “Coisas Novas” (Rerum novarum), pela Igreja adiante muitos ou até quase todos rezaram pela sua conversão!

Como difícil foi, no Ocidente, perceber “o que o Espírito diz às Igrejas” (Apo 2)! Ou não acreditamos que o Espírito é dado às Igrejas? Por isso há muitas coisas que “competem às comunidades cristãs” (OA 3) mais que aos cristãos tomados individualmente. Não me sai nunca da cabeça aquela coisa que diz o Livro dos Atos (15,28) a propósito das resoluções tomadas em Jerusalém: “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…”. João explicaria: “O dom do Espírito permanece em vós. Não tendes por isso necessidade que ninguém vos ensine. O Espírito que recebestes de Jesus ensina-vos todas as coisas. E ele é verdadeiro e nele não há engano” (1 Jo 2,27). Está aqui refletido o difícil equilíbrio entre a dimensão institucional e carismática da Igreja: e nenhuma delas pode abafar a outra. Por isso, na Igreja, é muito importante o discernimento dos espíritos. Mas nunca esquecer quanto, de Mateus a Paulo, de João ao Apocalipse, se nos diz como, na Igreja apostólica, havia consciência de que o Espírito era dado às comunidades.

Estas coisas não se acreditam sem mais; experimentam-se e por isso se acreditam, “Viu e acreditou” (Jo 20,8): no crer, o ver é muito importante, como já notava o evangelista João.

Ao longo da nossa história – Serra do Pilar – temos visto muitas coisas. Será a nossa cabeça coisa assim tão importante para explicar tanta coisa? Embora com uma afirmação seca, sequíssima, das mais esqueléticas do Credo (o que é significativo), eu “Creio no Espírito Santo”.

Arlindo de Magalhães, 15 de Maio de 2016

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