Um grito de dor

São Pedro da Cova

A Terra é um precioso bem que nos foi confiado; mas nós apropriamo-nos dela, violentámo-la e maltratámo-la. Vindo das suas entranhas, surge um grito de dor que nos interpela: mas, desde que apareceu, o homem alterou sempre o meio ambiente. O pior foi quando, no Tempo neolítico (que começou uns 10.000 anos aC com a agricultura e acabou uns 7.000 também aC com a escrita e os metais): foi então que os nossos antepassados começaram a queimar florestas para conseguirem campos e vales férteis, conquistando espaços virgens e aumentando a densidade populacional. Isto manteve-se durante muitos séculos.

 Com o surgir da segunda revolução industrial, no séc. XVIII, tudo se acelerou. A população humana aumentou, desencadeou-se um progresso material sem precedentes, é verdade, mas ao mesmo tempo destruiu-se por todo o lado o meio ambiente.

Por isso, o Papa Francisco, e não só ele, tem falado com frequência dos males a que, atualmente, está sujeita a Terra, a nossa “casa comum”. E tem pedido que “a ciência e a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, possam entrar num diálogo intenso e frutuoso para ambas” (LS 62).

Dentre os numerosos danos e riscos que hoje mais castigam a Terra escolheu Francisco os quatro que melhor exprimem o conjunto dos seus males.

O primeiro é a contaminação dos despejos dos novos processos produtivos. A natureza reutilizava tudo, ervas e folhas, ramos e fezes dos animais, fruta espalhada pelo chão e animais que se comiam uns aos outros… Mas controlar hoje sobretudo os despejos industriais ou manter a reutilização de antigos processos dá muito mais trabalho que ir ao Continente comprar um saco de adubo. A prejudicar a natureza, a fábrica despeja tudo para o rio que passa perto! Vão ver, de Guimarães a Famalicão, do Pevidém a não sei quê: passem pelos rios Ave e Vizela, e vejam o lixo da indústria têxtil! Ou então, vão a S. Pedro da Cova ver o que puseram dentro das minas abandonadas!

Em segundo lugar, o aquecimento climático: “Há um consenso científico muito consistente que indica que estamos perante um preocupante aquecimento do sistema climático” (LS 23). A causa deste “preocupante aquecimento” está na maneira como o homem tem tratado a natureza. O atual modelo de desenvolvimento baseado na produção de energia a partir de combustíveis fósseis e da desflorestação é o grande causador do aquecimento do planeta, consequência da emissão de gazes que o provocam.

O terceiro prejuízo é a perda da biodiversidade, isto é, a extinção de muitas e muitas espécies de animais e plantas, causada pela  deterioração dos ecossistemas. Um ecossistema é uma área formada por um meio natural e pela comunidade de organismos animais e vegetais que o habitam. Se um ecossistema é atacado… Eu dou um exemplo: as cerejas ali de Cinfães – Resende – Penajóia são muito boas: mas, se se põe ali uma fábrica, os seus fumos, estradas, camiões pra trás e prá frente, lixos sólidos e líquidos, adeus cerejas! Pode também atacar-se a interconexão das espécies. Eu tenho um amigo que é “filho do asfalto e do cimento armado”: gostava muito de galinhas pica-no-chão…; então, fez-lhes uma gaiola muito bonita, de cimento, etc.; mas as galinhas não tinham bichinhos para picar-no-chão e morriam-lhe todas e ele não sabia porquê!… Os ataques feitos à interconexão das espécies, dizia eu, espécies tiradas dos seus ambientes próprios (um animal que vive no gelo glaciar não pode ser levado para o quente deserto africano), matam as plantas e os animais que equilibravam o ecossistema, etc., etc.

Em quarto lugar, a água, a irmã água. Não apenas a água da garrafinha! Fala-se aqui da água em geral, da água que há cada vez menos, em quantidade e que, muitas vezes e em muitos lugares, é nenhuma. A primeira vez que ouvi dizer que em África há lugares onde é necessário caminhar um dia — 24 horas !!! — para colher um pequeno cântaro de água potável…!!! A água potável e limpa é indispensável não só para beber, mas também para os ecossistemas terrestres e as zonas aquáticas. A sua corrupção gera doenças e mete na cadeia substâncias alimentares nocivas.

Todos estes prejuízos — o lixo, o aquecimento, a perda da biodiversidade e a falta ou corrupção da água — afetam, dia após dia, a vida na terra, no seu conjunto, e, de modo particular, os seres vivos mais indefesos. Dentro destes seres vivos contam-se também os pobres!

O Papa Francisco não se limita a denunciar os sintomas do prejuízo que estão a crescer no planeta Terra, e a matá-la. Acrescenta que “Os recursos da terra estão a ser depredados também por causa das formas imediatistas de entender a economia e a atividade comercial e produtiva” (LS 32).

A ambição económica que protege quase sempre apenas os interesses particulares prejudica com frequência o interesse comum. Por isso, o Papa Francisco é por vezes duro no que diz: «qualquer realidade que seja frágil, o meio ambiente por exemplo, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta» (LS 56).

“A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e só muito lentamente se aprende a lição da deterioração ambiental… [Por isso é que] as raízes mais profundas dos desequilíbrios atuais … têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e económico” (LS 109).

Numa última palavra!: existe um pensar segundo o qual se pode dar cabo do ambiente, pode-se fazer tudo, não faz mal nenhum! Isso é o que pensa o desenvolvimento puramente consumista e insustentável, que utiliza a técnica e a ciência para impor o domínio dos poderosos, degradando praticamente tudo, excetuando algumas coisas, é verdade, mas só em utilidade lucrativa.

No meio desta confusão, deste barulho, de toda esta sujidade, de toda esta exploração do homem rico ao homem pobre, se levantam os gemidos da terra e dos pobres.

E é necessário ouvi-los.

Arlindo de Magalhães, 14 de Maio de 2017

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