Foi há 34 anos, celebrados no passado dia 20, que dissemos “sim” e se iniciou uma história em comum, da qual resultou a nossa família. Como jovens que éramos, com educação e prática católicas, não nos era possível pensar em fazê-lo sem que fosse pela Igreja, isto é, junto do altar e com a bênção do Pai. Assim foi. Começou aqui a nossa família biológica a formar-se com o desafio lançado nesse dia: «…o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher, e os dois serão uma só carne.» (Gn,2,24). Mas será que estávamos preparados para uma vida nova, a dois? As primeiras dificuldades surgiram de imediato dada a difícil adaptação ao lugar, ermo por sinal, onde tínhamos passado a viver e do qual a Fátima em situações de mais saudade se afastava, procurando a casa dos pais, em Famalicão, onde sentia o borbulhar da família que deixara para trás. Eu, pacientemente, ia buscá-la, porque a certeza de que o amor era maior nunca nos abandonou.
Durante a década de 80, os nossos três filhos nasceram, os dias mais felizes da história da família aconteceram e, saudavelmente, passaram os filhos a ser o foco das nossas atenções e preocupações. Uma entrega plena à maternidade / paternidade obrigava a recomeçar tantas vezes tudo de novo. As minhas deslocações para longe, enquanto professora, fraturaram a família algumas vezes e obrigaram a que o Zé Eduardo ficasse só, enquanto eu, com os filhos no banco de trás do automóvel, ia semanalmente para Oliveira do Hospital, onde os nossos filhos mais velhos iniciaram a escola básica e o mais novo aprendeu a andar. Nada fácil, mas tudo foi superado com amor e confiança.
Aos amigos sempre foi dado tempo e espaço na nossa família e, como tal, também os nossos filhos cresceram valorando a amizade, o ser na relação com o outro. Hoje são jovens adultos autónomos e responsáveis, apreciados e amados por quem os cerca, assumindo com dignidade o seu papel ativo no mundo: a Marta na Alemanha, o Paulo e o Miguel, há pouco tempo, aqui, no Porto. De novo fisicamente sozinhos, voltamos a centrar as atenções um no outro e a redimensionar as nossas prioridades.
Uma insolvência compulsiva, em 2012, que me deixou no desemprego, sem remuneração e com tempo livre, foi causa para a minha frequência num curso de pós-graduação na U.C. do Porto, após 30 anos de afastamento do ambiente académico. Aí tive o privilégio de ter o padre Arlindo como professor. Foi o impulso suficiente para subir à Serra do Pilar e conhecer o que ele orgulhosamente chamava de «sua comunidade de fé». E assim aconteceu, lá fomos (eu e a Fátima) um domingo ou outro à Eucaristia na Serra, intervalando com outros locais de celebração.
Eu passava por uma fase de procura de resposta à grande questão que se me punha: como celebrar a fé num Deus que tinha descido do seu trono celestial, se fizera um igual a nós, que desde criança confundia a mente dos teólogos do seu tempo e, inserido no seu povo e cultura, se preocupava sobretudo com os pobres, os doentes, os sem-abrigo, os «des-graçados», para que se realizassem como seres humanos, curados no corpo e no espírito? Foi na comunidade da Serra do Pilar que encontrei a possibilidade de resposta. Foi depois de tanta procura que, insistindo em voltar à Serra, agora para celebrar o Tríduo Pascal de 2014, nos sentimos verdadeiramente empossados de um ministério de que só aqui ouvimos falar: o ministério da presença. A Liturgia, a celebração da fração do pão e a comunhão fraterna com as pessoas que fomos conhecendo nesta comunidade dão-nos um sentido profundo à realização da celebração da nossa fé.
É a nossa história que se estende à comunidade da Serra do Pilar, a nossa família cristã. E, tal como na família biológica foi necessário compromisso para sedimentar a nossa relação matrimonial, também aqui nesta comunidade nos sentimos comprometidos e queremos assumir o espírito de serviço: o Zé Eduardo no grupo de catecumenato e eu no grupo coral. Cada domingo é para nós a celebração da Páscoa, com uma novidade permanente na forma como a Liturgia é preparada, como é feito o ensino da fé, assente na Palavra proclamada e no sabor único do pão fracionado.
Não queremos terminar sem lembrar as palavras sábias do Papa Francisco: «Não existe família perfeita. Não temos pais perfeitos, não somos perfeitos, não nos casamos com uma pessoa perfeita nem temos filhos perfeitos». Mas uma coisa percebemos: que a família foi e é o nosso melhor projeto de vida porque é com ela que contamos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. Bem haja, a vós comunidade, porque nos receberam e nos ouviram!
Fátima e Zé Eduardo, 27 de Dezembro de 2015