Todos ouvimos à saciedade nestes dias que, no Calendário Litúrgico, o Natal é a festa da família. Mas não é verdade. A festa da família é no domingo entre o Natal e o Ano Novo.
O comércio, porém, transferiu-a para o dia de Natal. E, portanto, há que juntar a família, as prendas e o bacalhau, etc, etc, o Natal é o sãmiguel do mercado, este ano vai vender mais 30% que o ano passado, etc. O mesmo que aconteceu ao Dia da Mãe: como não dava jeito ao balcão pois podia estragar o negócio do mesmo Natal, toca de o passar para Maio. E, canas agitadas pelo vento (Mt 11,7), quase ninguém protestou. E também por aí se foi o 8 de Dezembro.
Não era assim nem no costumeiro, nem no calendário cristão. Não há muito tempo ainda, em Santa Maria da Feira, a ceia de Natal era no dia Natal. O dia 24 era de jejum, ou seja, de privação em ajuda dos mais pobres, e a festa começava só depois da Missa do Galo, prolongando-se até à noite de 25.
Mas o comércio impôs sua autoridade e o Natal transformou-se em festa da família, talvez melhor, do comércio; e a autêntica festa da Família, celebrada no domingo da Oitava natalícia, desapareceu como tal.
Tenho para mim que, ano após ano, o Natal cristão se diluirá no nosso mundo e tempo, tal como já aconteceu ou acontece com o domingo — onde haverá presbíteros para a celebração dominical? — e o pouco que, nos meios urbanos, dele resta.
Tudo isto me saltou à mente durante a projecção de um filme em exibição comercial, Momentos de uma vida, de Richard Linklater, no original Boyhood, ou seja Adolescentes.
Não que o filme seja sobre o Natal; mas porque se debruça sobre a família. Dum lado, os pais, ora casados, já separados e unidos de facto, violência de género ainda por cima… Quem paga? senão os filhos e a mulher, quase sempre a parte mais fraca. E da outra banda, os boyhoods, os adolescentes, eles e elas, as bebedeiras, o despertar do amor, a instabilidade, as timidezes, as asneiras e sofrimentos de todo o tamanho e, no meio disto tudo, uma adolescência já perdida. E é melhor não falar na família.
Há uma imagem que resume todo o filme na perfeição: um pássaro esborrachado no chão e já em decomposição.
Nesta altura do ano, seria bom ver-se este filme. Até para se perceber que o Natal é a celebração de um mistério e a questão da família um problema político-social, cultural e religioso.
Mesmo assim, ou melhor, por ser assim, Boas Festas de Natal, que Deus fez-se Homem.
Arlindo de Magalhães