A FICÇÃO quis imitar a visão e multiplicou sobre a Terra a aberração, a abominação: falsos reinos de falsos cristos com os seus tronos e dominações milenaristas, messianismos em cadeia. Reinos cristãos, impérios cristãos, cristandades agora em ruínas. Antes de Cristo, os reinos eram todos da Carne, do orgulho da Carne, dum homem sobre os outros homens, duma família sobre as outras famílias, dum povo, duma nação ou duma raça sobre os outros povos, nações e raças, Nunca se viu e nunca se ouviu falar, antes de Cristo, em guerras [e] religiões, que aliás se equivaliam todas umas às outras. Alexandre Magno quis conquistar o Mundo e impor-lhe a cultura grega, mas a única guerra de religião que fomentou foi contra os judeus, pois o culto destes não suportava nem comportava a cultura grega. Que o digam os irmãos Macabeus. Nem os budistas, que foram a única religião de salvação, antes de Cristo, a apresentar-se ao Mundo, se lembraram de fazer guerras de religião. Todas as guerras antes de Cristo foram do quero-posso-e-mando, do cheguei-vi-e-venci.
Foi então o Cristo que nos trouxe a guerra santa? Não foi o Cristo Jesus que nos trouxe a guerra santa, nem ele nem os seus mártires que nunca pretenderam um reino deste Mundo. Foram os falsos cristos que geraram os falsos messianismos, desde Bizâncio a Carlos Magno, desde o reino papal ao imenso Portugal, desde o 5e Império ao Império Britânico, desde a Revolução Francesa nos braços de Napoleão à Revolução Russa nos braços de Estaline, desde o sonho romano ao sonho americano. Pouca gente sabe que o próprio Império Islâmico foi um projecto messianista importado pelos árabes dos judeus e dos cristãos. Não foi à vista de Bizâncio que se fez e cresceu o Islão?
COLOCADOS neste ponto privilegiado, que não é o cume difícil reservado a alguns eleitos mas a sólida plataforma construída por vinte séculos de experiência cristã, como escreveu Teilhard de Chardin, podemos ver sem tentações nem restaurações, de cima para cima, não de baixo para baixo, o que de definitivo e irreversível já aparece na Nova Jerusalém que se edifica. A hora não é mais de tentação, mas de visão renovada e esclarecida, à luz dos julgamentos de Deus, diante das ruínas das cristandades e das suas imitações laicas, à luz dos sinais dos Tempos.
Vivemos em tempos de pós-cristandade. Não em tempos pós-cristãos, como alguns dizem, como alguns temem. Nem toda a Igreja ainda e já percebeu isso. O nosso reino não é deste Mundo. Se fosse deste Mundo, Bizâncio não teria caído, os Papas de Roma não teriam perdido o seu poder temporal e os seus reinos.
Se fosse deste Mundo, os persas, os árabes e os turcos, não teriam levado a melhor. D. Sebastião teria voltado de Alcácer-Quibir com mais uma vitória para construir o imenso Portugal, reino de Cristo na terra, no mar e no ar, com a capital em Lisboa, Patriarcado de Lisboa, 4ª Roma depois da primeira, depois de Constantinopla, depois de Moscovo… , vingança histórica de Deus contra todos os seus inimigos, contra os Judeus que o mataram, contra os Mouros que o cercaram, contra os Protestantes que o dividiram, contra os Maçónicos que o diluíram nas luzes de Paris, contra os comunistas que o quiseram reduzir ao Santo Materialismo…
Estes últimos tempos não são menos cristãos que os primeiros tempos de Cristo. Não são de Cristandade, pois pela Cristandade passamos e a ela nunca mais voltamos. Mas são cristãos estes tempos, mais do que os primeiros, mais que os tempos de Cristandade. Agora circulamos livremente por toda a Terra sem precisarmos que Constantino nos abra de espada na mão as fronteiras, sem precisarmos que D. João II nos abra o mar com as caravelas, nem que os americanos vençam os russos para ser quem somos na América, na Lituânia ou na Ucrânia.
Ainda temos alguns problemas herdados da Cristandade, questões não resolvidas, adiadas, interiores à Igreja. O Concílio Vaticano II apontou as soluções que são mais fáceis de adoptar fora da Igreja que dentro dela… As vozes já se fazem ouvir a todos os níveis. Estas questões são de debate, e às questões reais com que nos debatemos ninguém escapará, seja padre ou seja leigo, seja papa ou seja bispo. A única unidade que é preciso salvar é a da liberdade da Verdade, e o amor a pôr em todas as coisas. De resto, a paciência dos Santos, que é superior à dos Sábios, nos garantirá a única vitória que interessa, a da Fé que venceu o Mundo.
Leonel Oliveira, 1989.04.30 (Domingo VI do Tempo Pascal)