Claro que reconhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros (Jo 13,35). Por isso, a fé sem obras é morta (Tg 2,17). Claro também que tudo o que fizerdes a um destes mais pequeninos é a mim que o fazeis (Mt 25,40). Também neste campo, a prática dos primeiros cristãos é notável e normativa: de Jerusalém à grande campanha desencadeada por Paulo nas igrejas da Grécia a favor da comunidade primitiva, até mesmo à Igreja de Roma, a quem, exactamente pela sua capacidade de atender aos pobres, foi entregue a presidência da caridade de todas as igrejas.
Pecados? Tiago não foi inocente ao dar um exemplo: Suponhamos que entra na vossa assembleia um homem com anéis de ouro e bem trajado, e entra também um pobre muito mal vestido… (2,2). Nem Paulo aos Coríntios: enquanto um passa fome, outro embriaga-se (1ª, 11,21). Eles sabiam do que acontecia pelas comunidades! Mesmo assim, ao longo do tempo, a História regista a impressionante capacidade da Igreja de, em tempos adversos, animar e inspirar obras de caridade, suprindo, na maior parte dos casos, a inércia e a incapacidade de resposta da sociedade civil. Só já quase no nosso tempo é que uma grande tomada de consciência viria alterar muita coisa: é preciso ir às causas. Por isso,
torna-se necessário um discernimento cada vez mais apurado para captar, na sua origem, situações nascentes de injustiça e instaurar progressivamente uma justiça menos imperfeita. (…) A atenção da Igreja deve entretanto, [também] voltar-se para os novos pobres – impedidos por toda a espécie de dificuldades, inadaptados, velhos e marginais de origem diversa – para os aceitar, para os ajudar e para defender o seu lugar e a sua dignidade numa sociedade endurecida pela competição e pelo fascínio do êxito (Paulo VI – OA, 15).
Neste sentido, escrevia há pouco a Profª Manuela Silva:
Há um paradoxo que atravessa a relação da Igreja portuguesa com a pobreza: é inegável que a Igreja se preocupa com os pobres e está na primeira linha da ajuda directa aos pobres. Mas, enquanto faz isso, tem um défice manifesto em tudo o que se refere à denúncia dos processos de empobrecimento, das situações de injustiça na génese da pobreza e na formação da consciência dos cristãos acerca dos mecanismos da desigualdade e da exclusão.
Partilhar bens (não só nem principalmente serviços e dinheiro) é uma palavra. Ir às causas, outra. Sobretudo nas Comunidades, a terceira.
Uma Igreja que não partilha não responde ainda a toda a exigência da comunhão com Cristo e em Cristo. (…) [Mas] É urgente, cada vez mais, nas nossas comunidades, este espírito de partilha, abrindo-se às necessidades dos irmãos e das outras comunidades mais carenciadas (Bispos Portugueses – Os cristãos leigos…, 1989, 15).
Isto não quer dizer, no entanto, que a Igreja não deva organizar-se neste campo da partilha de bens, quais?, a nível diocesano e nacional. Foi este o espírito que ajudou a nascer entre nós, no já longínquo início dos anos 80, o nosso Serviço da Partilha ou Ajuda Fraterna, carregado de nomes (a Zirinha, o Santos, o Chico, o Rocha, etc) e de méritos. Mas não vivemos do passado. E é este o espírito que precisamos de recuperar.
Duas coisas. O Serviço da Partilha Fraterna da Comunidade não dispensa nem a atenção nem a ajuda fraterna efectiva de cada um dos membros da comunidade, onde for preciso, a quem for necessário. A Ajuda Fraterna é uma obrigação da Comunidade, não apenas do Serviço. Em princípio, o Serviço da Partilha Fraterna apenas poderá responder melhor a algumas situações concretas. Mas não funciona como descarga de consciências individuais.
Segundo. O nosso serviço de Partilha Fraterna está em fase de reorganização. Porque casos novos a exigirem intervenção estão sempre a aparecer. E porque se sente necessidade de reunir num só serviço uma série de capacidades vocacionadas para esta área que não faz sentido nenhum trabalharem cada uma para seu lado. Precisa de dinheiro este Serviço? Sim, precisa de algum dinheiro. Mas não muito. A essas necessidades cada vez mais responde o Estado, via Segurança e Assistência Sociais. A Ajuda Fraterna precisa, sim, de capacidade(s) para ajudar fraternalmente.
As contribuições em dinheiro para a Ajuda Fraterna depositam-se naquele pequeno móvel que está à entrada da igreja, miniatura de um antigo templo, uma pedra por cima, e assim não sabe a [mão] direita o que faz a esquerda (Mt 6,3). E uma vez por ano, neste início do Advento, revertem para ela as ofertas recolhidas numa celebração da Comunidade. Em tempo de Advento, convém recordar sempre: Aquele que há-de vir que é Aquele que já veio, vem hoje. Quando, Senhor? Quando te vimos com fome e com sede, e nu e preso, e te atendemos? (cf Mt 25). Sabemos todos a resposta.
Serra do Pilar, 2003