À porta das igrejas

Stephanie Pharr Performing ‘The Wedding Complex’. hymHouse, Eyedrum Art and Music Gallery. 2014

Foi em 1991 que, neste domingo 27 do Tempo Comum, pela primeira vez abordei aqui a questão dos cristãos casados catolicamente, divorciados e voltados a casar (desta vez civilmente). Dei-me conta que eram muitos mais do que eu julgava, aqui na Serra do Pilar; muitos já me tinham abordado pessoalmente. Depois dessa data, foram bastantes os que me procuraram e bastantes os que — palavra passa palavra — aqui procuraram depois misericórdia e paz.

Em 1964, o inglês Graham Greene (1904-1991), tinha já  escrito um romance – O Nó do Problema – a tratar desta complicada questão: a indissolubilidade do casamento católico. Já nessa altura, Greene dizia que o casamento deixara de ser — se é que alguma vez o fora! — um sinal visível de uma realidade invisível e misteriosa que é o amor de Deus pela Humanidade, o que levou o apóstolo Paulo a chamar-lhe “sacramentum magnum”- “grande sacramento” (Ef 5,32).

A multidão dos sinistrados conjugais tem-se amontoado à porta das igrejas. Alguns vão já entrando, é verdade, embora com dificuldade, mas sempre de olhos postos no Reino dos Céus. Mas a maior parte apanha mas é, pela frente, os legistas — não pode, não pode, não pode!,  e sem licença dos puros não entram mesmo.

No entanto, em Roma, a porta já começou a abrir-se: pouco mudou ainda, mas Francisco deixou já bem claro que quer toda esta matéria bem refletida, que ele é o Papa, para lá de todos os cardeais, dos fracos teólogos fracos, dos párocos, dos legistas e dos cartórios. É que o Evangelho é muito mais que a Lei, e o Reino de Deus muito mais que a Igreja.

A Igreja católica foi-se dando conta de que era necessário abrir as portas da misericórdia e do perdão mesmo perante a disciplina do sacramento. Poderia citar João Paulo II: “que eles [os divorciados] não se considerem separados da Igreja, podendo e devendo, enquanto batizados, participar na sua vida” (Familiaris consortio, 84). E recordo também Bento XVI, era ele ainda simplesmente Ratzinger, em 1972: ” a Igreja tem um coração de mãe, que procura sempre o bem e a salvação de todos, sem excluir ninguém” e anima os fiéis a “acolherem as pessoas que vivem estas situações [de divórcio e recasamento]. É importante que o estilo da comunidade e a sua linguagem estejam sempre atentos à pessoa, a partir dos filhos, que são os que mais sofrem”. No quadro de uma comunidade aberta, é preciso fazer tudo para “educar os filhos na vida cristã, dando testemunho de uma fé vivida e praticada, sem os ter distanciados da vida da comunidade”.

Um bispo da nossa diocese, Armindo (1997-2006) era o seu nome, ousou assim, em 2005 em entrevista a um semanário da nossa praça:

«impedi-los [os católicos divorciados e voltados a casar civilmente] de participar totalmente na parte sacramental cria situações difíceis para eles e para quem os acolhe. (…) O anúncio do Reino de Deus, sem dúvida [que é mais importante que a instituição]. Privilegio sempre este aspeto. O direito canónico é temporal. Agora enquanto é vigente… A instituição precisa de ter regras. (…) Se o leigo conseguiu acertar a sua consciência com a do padre, o problema é deles. De resto, não há padre que não tenha encontrado casos como estes ao longo da sua vida…».

Veio então o Papa Francisco. Desta questão tem falado muitas vezes, em documentos e ocasionalmente. Cito apenas:

“nenhuma família é uma realidade perfeita e confecionada de uma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar, … [mas isso] impede-nos de julgar com dureza aqueles que vivem em condições de grande fragilidade” (A alegria do Amor, 325).

Permito-me citar o Pe Anselmo Borges:

“O que é que todos procuramos? A felicidade, o elemento constitutivo da felicidade é o amor, um amor sólido, estável e fiel. Mas isso hoje está como se sabe… Portugal é o país da Europa com mais divórcios, 70 por cento dos casamentos terminam em divórcio… Na falta de um amor comprometido e estável, é-se invadido pela desconfiança em relação a si próprio (o que é que eu valho e para quem e o que é que eu sou?) e pelo medo e a insegurança face ao futuro instável. E pela solidão, … uma das maiores pobrezas da cultura atual …, fruto da ausência de Deus na vida das pessoas e da fragilidade das relações”

Arlindo de Magalhães, 7 de outubro de 2018