Testemunho de Margarida Ferreira e José Campos, sobre a presidência leiga que assumiu a liderança quando o presbítero Arlindo Magalhães, responsável da comunidade, se ausentou para fazer o doutoramento.
Vai, Serra do Pilar!
Foi com esta frase que dom Júlio Rebimbas, o bispo do Porto, terminou a sua homilia, quando veio “impor as mãos” à presidência leiga desta comunidade… Corria o ano de 1992.
Dos quatro que assumimos, então, esse ministério, estamos dois, aqui hoje, a dar o nosso testemunho.
E de cada vez que falamos entre nós sobre esta vivência, ficamos de novo os quatro: o Vasco, a Dona Manuela, o Campos e a Margarida.
A presidência da Comunidade marcou-nos e uniu-nos, muito para lá da ganga da vida ou da fragilidade de todas as realidades humanas. Tão forte foi a experiência, tão profundamente assumida por todos, que nem mesmo a morte foi capaz de dividir ou separar o que o Espírito de Deus, um dia, uniu!
Julgo que nunca nenhum de nós percebeu bem porque é que tinha sido escolhido de entre tantos, com iguais ou mais capacidades; mas a verdade é que o ministério nos foi entregue a nós e nós, em conjunto, o aceitamos.
Escrevia, então, o nosso presbítero Arlindo:
“No Sábado, dia 03 de Outubro, à noite, pelas 21.30H, virá até nós o Bispo da Diocese – o Senhor Dom Júlio – presidir à nossa Eucaristia dominical (num Sábado, por sobrecarga da sua agenda) e investir em ministério aqueles que, de entre nós, vão assumir a tarefa da presidência. Estarão certamente connosco amigos de vários lados, todos conscientes de que o passo que inauguramos é importante, é novo e é de monta: o próprio facto de vir até nós o Bispo, só por causa disso, diz da importância do desafio que assumimos.”
E que desafio!
Uma novidade, então e ainda hoje, infelizmente, numa Igreja onde todos são chamados a ser Santos, mas onde tantos continuam sem pôr a render os seus muitos talentos por comodidade pessoal ou por causa das leis dos homens que teimamos em considerar desígnios de Deus.
Durante quatro anos, houve uma presidência leiga numa comunidade cristã em Portugal! Aqui, na Serra do Pilar!
Durante esses quatro anos, toda uma comunidade se esforçou por assegurar a nossa vida em comum. Muitos foram os desafios, num caminho nem sempre claro, nem sempre fácil, mas sempre partilhado. A Assembleia cresceu, os serviços/ministérios funcionaram, os carismas foram postos a render como sempre o tínhamos feito até então.
As acesas discussões no Conselho da Comunidade nunca beliscaram a nossa união, e foram sempre transformadas em diferentes formas de avançar e desbravar o caminho desta pequena parcela do Povo de Deus. Sempre com a porta aberta, sempre com a mesa posta para todos quantos connosco quisessem partilhar a vida e viver a fé. Sempre com um profundo respeito pela liberdade dos filhos de Deus.
A presidência leiga da Comunidade Cristã da Serra do Pilar foi, para nós – julgo poder dizer, para cada um de nós quatro – uma escola de vida.
Tudo era decidido em conjunto e sempre por consenso, distribuindo pelos quatro as diferentes funções, atendendo às capacidades e carismas de cada um: lembro, a título de exemplo, o cuidado e a dedicação do Vasco na preparação da cada celebração dominical; ou o trabalho incansável da Dona Manuela junto das várias instituições públicas e sociais, ajudando a criar pontes e a incentivando a Comunidade a “descer o monte”.
Muitas foram as reuniões que duraram tardes inteiras, na casa pastoral… e descobrimos em conjunto que nada do que é verdadeiramente importante se faz sem esforço e sem um enorme compromisso pessoal.
E isso implica capacidade de ouvir, de sofrer, de se superar e uma grande dose de paciência – porque nos recusamos a avançar sozinhos!: os “tempos” e “as velocidades” de cada um são para ser respeitados, e isso é uma aprendizagem das mais difíceis de fazer em comunidade. Diríamos que cumprimos bem o que nos pede São Paulo: que nos “aturemos” uns aos outros!
E, no final dessa longa experiência, conhecíamo-nos e amávamo-nos uns aos outros, muito mais do que quando começámos! E mantivemo-nos sempre juntos, e muito, muito próximos, ainda que a vida (e a morte!) nos tenha enviado por caminhos tão diferentes!
Valeu a pena? Claro que sim!
Se temos saudades de um futuro onde fosse possível uma evolução na continuidade que nunca chegou a acontecer – por vontade do presbítero então regressado, por vicissitudes da vida ou porque assim tinha de ser? – e que poderia ter levado a outras realidades e desafios também vividos em comum unidade?
Muitas!
Mas ainda assim, tudo somado, voltaríamos a fazer tudo de novo e a darmo-nos da mesma forma à tarefa que nos foi confiada.
Na certeza de que, mesmo quando damos tudo o que temos e somos, e o fazemos da melhor forma que somos capazes, nada é eterno ou tem garantia de continuidade. E quando o sabemos e ainda assim o decidimos fazer e assumir, então é porque o fazemos de Graça.
E por isso, a experiência em si, é suficiente para que nos sintamos gratos e para que possamos continuar a dar Graças – a Deus e aos irmãos e companheiros de caminho – e seguir na vida, tentando encontrar outras formas de ser sal na terra e luz no mundo!
(Um aparte pessoal: há muito que não faço parte da Comunidade Cristã da Serra do Pilar, mas a Comunidade Cristã da Serra do Pilar será sempre parte em mim.)
Aqui nos fizemos, aqui nos desfizemos, aqui nos refizemos, vezes e vezes sem fim!
Por isso também, estaremos sempre muito, muito Gratos!
Obrigada, Serra do Pilar!
Margarida Ferreira
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 13 de outubro de 2024