A Sabedoria é uma riqueza humana de que praticamente todos temos consciência – povos, grupos humanos ou indivíduos – adquirida na vida (por isso a Sabedoria implica adultez) e por experiência própria (individual ou colectiva), muito mais que pela educação/instrução. O especialista de uma qualquer matéria pode não ser e não é normalmente um sábio.
Todos os povos (o francês ou o inglês), todos os grupos humanos (o Benfica ou a Comunidade), todos os indivíduos (eu ou tu) têm uma sabedoria própria, numa parte recebida (a tradição) noutra adquirida (na Escola ou de um amigo/pessoa ou instituição marcante), mas sobretudo reflectida e construída a partir da experiência própria.
Nos povos antigos, a sabedoria colectiva guardava-se na memória ou na tradição oral. Todos os povos têm os seus adágios, os provérbios, as frases-a-propósito, as suas histórias, os refrães, as cantilenas, etc. Quando a escrita se popularizou, muita dessa sabedoria popular passou-se ao papel, a escrito. Foi sobretudo no séc. XIX, com o Romantismo, que isso se fez relativamente à cultura popular – Almeida Garrett, quando o percebeu, foi a correr palmilhar o país de cima a baixo a recolher o romanceiro, o adagiário, o costumeiro, etc, embora a percepção da necessidade de o fazer tenha começado muito antes de o próprio Jesus ter vivido entre nós.
Foi assim em Israel, como praticamente em todos os povos, sobretudo a partir de grande sábio, o rei Salomão. Quem se não lembra de A sentença de Salomão do velhinho Livro da terceira (“Parta-se o menino ao meio…”)? De facto, foi depois do exílio e do retorno à pátria, depois desse período da vida nacional em que o povo de Israel, face ao desastre e à possibilidade do seu total apagamento, foi obrigado a perguntar-se por si próprio, que Israel começou a passar a escrito a sua Sabedoria de povo já maduro. É esta a origem de uma série de Livros bíblicos sapienciais, cinco ao todo, uma espécie de Pentateuco sapiencial (os Livros dos Provérbios, de Job, de Coelete ou Eclesiastes, de Ben Sirá ou Eclesiástico, e o da Sabedoria propriamente dito). Tal como, no passado, pelos profetas, foi depois pela boca dos Sábios ou da Sabedoria que Iavé se dirigiu ao Povo.
Ela é ”um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente” (Sb 7,25). Por isso, “a sua intimidade [da Sabedoria] com Deus proclama a nobreza da sua origem…, ela está iniciada na ciência de Deus e é ela quem escolhe as suas obras” (8,3-4). Por isso, Salomão, o Sábio por excelência, ora assim: “dá-me a sabedoria que se senta junto do teu trono… [pois que] mesmo que alguém seja perfeito entre os homens, sem a sabedoria que vem de ti, não é nada! (9,4.6).
Além do sábio Salomão, que foi rei nos anos 970-930 aC, conhecemos o nome de um outro sábio, Jesus Ben Sirá, que deve ter escrito o livro que leva o seu nome por volta do ano 190 aC: “Toda a Sabedoria vem do Senhor e permanece junto dele para sempre” (1,1) Mas a sabedoria de Israel é, na sua maior parte, como aliás a de qualquer povo, uma sabedoria anónima, do povo, popular no melhor sentido da palavra. Os próprios Salomão e Ben Sirá, considerados sábios, não terão feito mais do que passar a escrito a sabedoria multi-secular do seu povo. Um provérbio – afirmação de uma verdade – é sempre fruto de um grande amadurecimento, conseguido a partir da observação. E é esta sabedoria experimentada e pessoalmente vivida que, a exemplo do que acontecia nas nações vizinhas – Mesopotâmia e Egipto, sobretudo – Israel organizou por escrito o que, de geração em geração, chegou até nós conservando assim uma tradição que, por fim, adquiriu um carácter religioso e como tal entrou na Bíblia como autêntica Palavra de Deus. “Deus ama quem vive com a sabedoria” (Sb 7,28).
Arlindo de Magalhães, 14 de outubro de 2018