O caminho mais direto da Galileia para Jerusalém passava pela Samaria. Apesar disso, nunca, durante séculos, samaritanos e judeus se entenderam. Por isso mesmo, a estrada mais direta era também a mais arriscada. Haja em conta o samaritano que de Jerusalém se dirigia para Jericó, na Samaria (10,29 ss), e foi assaltado, certamente que por judeus ou estrangeiros. Para Jesus, que era judeu e estendia a mão a toda a gente, fosse quem fosse, que atravessava a Samaria, esta foi a ocasião para anunciar a Boa Nova aos samaritanos.
Estes, os samaritanos, descendentes das tribos do norte, não tinham conservado a pureza de sangue, isto é, ao longo dos séculos, tinham-se misturado com gente de todas as ascendências e povos. O seu templo, por exemplo, não tinha nada a ver com o de Jerusalém, era no monte Garizim (destruído no ano 128 aC), onde Jesus se encontraria com a samaritana do poço (Jo 4,1-41). Os samaritanos — sem templo ao tempo de Jesus, e que conservavam a sua memória no cimo do monte com aquele nome — sustentavam que Moisés ali adorara IAVÉ e que, ali mesmo, Iavé lhe entregara o Pentateuco, único Livro que os samaritanos aceitavam como sagrado.
A fim de se preparar para esta parte da viagem, Jesus enviou, à frente, os seguidores que caminhavam com ele a tratar do alojamento, aldeia aqui, cidade acolá. Os samaritanos tê-los-ão mandado às favas: se tem jeito, judeus a pedir cama e comida a samaritanos! Estão malucos ou fazem-se?
Claro que os pobres samaritanos, como os judeus afinal, não imaginavam que iam para Jerusalém, ou melhor, para a Cruz em Jerusalém. Assim é que é. Ele, que não era tolo, já sabia ou bem sabia que ”estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo” (Lc 9,51).
Vendo isto, os irmãos Tiago e João, filhos do Trovão, levantaram-se logo… Senhor, se quiseres, espinçalhamos já isto tudo…! Os discípulos queriam violência, Jesus vai pela tolerância. Não destrói mas redime! Andor! Prà frente!
Nós, os cristãos, podemos defender-nos, não atacar. Há muito tempo que o homem verdadeiramente religioso superou a vingança do “sete vezes sete” da ofensa (Gn 4,23-24), do “olho por olho e dente por dente” (Ex 21,24), mesmo até a regra de ouro negativa (ou de ferro): “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Só o cristianismo se soltaria definitivamente das amarras da Lei. Só ele formularia o “fazei aos homens o que quiserdes que eles vos façam” (Mt 7,12), a lei de ouro positiva. Isto é, só o cristianismo englobaria o amor dos inimigos no superlativo amor do próximo: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: ‘Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem e maltratam’” (Mt 5,43-44).
Os cristãos hão de ser pacientemente tolerantes e magnânimos; têm que estar preparados para enfrentar a hostilidade sem revanchismos nem desejo de vingança. Mas têm direito a defender-se a si mesmos e não estão obrigados a deixar-se matar.
Lucas dedica praticamente metade do seu Evangelho a esta viagem ou peregrinação de Jesus a Jerusalém. Não se trata, porém, de uma narração de estilo moderno: foram ali, pararam acolá, pousaram em casa de Marta e Maria… sei lá que mais. Trata-se do resumo do ensinamento global de Jesus encaixado numa viagem, imaginada por Lucas. Platão, séc. V aC, escreveu O Banquete, durante o qual oito convidados discutiram o que é o amor. Lucas imaginou uma longa viagem, durante a qual Jesus sobretudo ensinou: ele sabia o que o esperava ao chegar a Jerusalém.
A começar, … como disse, a viagem para Jerusalém. Começou pelo princípio: nada de violências. Ao longo destes capítulos, muita coisa que só em Lucas aparece: as parábolas do filho pródigo, do bom samaritano, o encontro com Zaqueu, etc… Mas começou pelo princípio, como ouvimos.