Alegria

'Giovanni Battista', Centro Aletti

‘Giovanni Battista’, Centro Aletti

No primeiro domingo deste Advento, fomos exortados a vigiar porque “à hora em que menos pensais é que vem o Filho do Homem”. No segundo domingo, fomos exortados ao arrependimento e à conversão “pois está perto o Reino de Deus”. Neste terceiro domingo, em qualquer dos três ciclos – A, B, C -, somos abundantemente exortados à Alegria, na melhor linguagem poética: “Alegrem-se o deserto e o descampado, rejubile e floresça a planície árida, cubra-se de flores como o narciso, exulte de alegria e com brados joviais”. (Ano A); “Exulto de alegria por causa do Senhor, minha alma rejubila por causa do meu Deus” (Ano B); “Vivei sempre na alegria, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias” (Ano B); “Clama jubilosamente filha de Sião, solta brados de alegria, Israel, exulta, rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém!” (Ano C); “Alegrai-vos sempre no Senhor, novamente vos digo: alegrai-vos!” (Ano C).

Não pude deixar de me lembrar da expressão de Almada Negreiros, em 1932, de que “a Alegria é para os vivos a coisa mais séria da vida” e vieram-me, também à memória expressões de Miguel Torga como “junquem de flores o chão do velho mundo, vem o futuro aí” ou o verso do cantor “canta como uma ave ou um rio, dá o teu braço aos que querem sonhar”!…

E o roxo dos paramentos do 1º e 2º domingos deu lugar ao branco, e em Espanha ao azul, na passada quinta-feira e, hoje, dá lugar ao côr de rosa! Na coroa de Advento Luterana uma das quatro velas é côr de rosa e é neste domingo que é acesa! O canto e as flores também nos falam neste dia!

Pela palavra e pelos símbolos, é a afirmação da Alegria, da Beleza e da Liberdade de viver, morar, nas virtudes teologais da Fé, da Esperança e da Caridade! A Fé como atitude, a Esperança como motivação e o Amor como conteúdo! Confiança total: o abandono confiante, alegre e agradecido ao Amor do Pai, “Rico em Misericórdia”, no Filho, “Redentor do Homem”, pelo Espírito, “Senhor que dá a vida”! Esperança total: “nada se espera quando não se espera tudo” (Simone Beauvoir)! Amor total: “como Eu vos amei” (Jo 13,34), é neste “como” que está a novidade, o modelo e a medida do novo amor cristão. Total! Quando alguns, ao longo da história, tentam ousar fechar a Razão e incompatibilizá-la com a Fé, não percebem que somos, por Dom Criador, constitutiva e incontornavelmente abertos à Transcendência e chamados a transcendermo-nos. Nem Fé decapitada, nem Razão aprisionada! Abertos à Transcendência e chamados a transcendermo-nos! “Firmes na Fé, alegres na Esperança, generosos na Caridade”! A Esperança, no seu caminho e na sua realização é a virtude da Alegria! “Esperai com paciência”!

Ontem como hoje há uma imensa tensão escatológica que atravessa a Criação (Rm 8,22), uma imensa tensão escatológica que pulula no coração de todos e cada um de nós: cada dia mais e melhor, mais alto e mais além… para a frente e para o alto… o céu como limite! “Na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura (Miguel Torga); “plenitude atingida/ quer dizer nova largada/ sempre e sem fim rediviva/ a chama que não se apaga” (Manuel da Fonseca); “criaste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós” (Sto. Agostinho).

Que todos e cada um dos nossos passos sejam “precedidos, suscitados, inspirados, dirigidos, acompanhados, santificados e sustentados até ao fim” pelo Espírito de Deus que é Amor. Divinizamos aqueles que amamos e somos divinizados amando! A existência é proexistência! Só é livre quem ama!

“Ide anunciar a João o que ouvis e vedes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem e os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”! João é o primeiro cego que recebe a vista, o primeiro pobre que é evangelizado! O Messias, segundo as Escrituras, (por dezasseis vezes Mateus remete, explicitamente, para o cumprimento das Escrituras) não é à imagem dos que usam a força para impor a sua vontade; o Messias, segundo as Escrituras, usa o seu poder para perdoar e perdoar é criar, é transformar o pecador em justo! Não reina desde fora mas sim no coração da gente! “O Rei é servo e o servo irmão…”!

Karl Rahner afirmou, no século passado, que “o cristão de amanhã ou será místico ou não será cristão” e Walter Kasper afirmou que “o futuro da Igreja será determinado pelos orantes e a Igreja do futuro será, sobretudo, uma Igreja orante”. A espiritualidade cristã é uma espiritualidade de comunhão, a relação Discípulo/Mestre é uma relação de comunhão pelo Espírito. A rutura entre a ética e a mística (1 Cor 13) faz de nós gente esforçada e ora orgulhosa, ora desanimada e, por vezes, mesmo frustrada! (Nietzche). Rezar mais e correr menos, rezar mais e falar menos, rezar mais para ver melhor e para amar mais!…

“O seu nome será connosco Deus” (Mt 1,23). “Eu convosco sou todos os dias até ao fim dos tempos” (Mt 28,20); “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome eu estou no meio deles (Mt 18,20); “Meu Pai o amará e nós viremos e faremos nele a nossa morada (Jo 14,23); “Tomai e comei, é o meu corpo, tomai e bebei, é o meu sangue” (Mt 26, 26-28); “Sempre que o fizeste ao mais pequeno, foi a Mim” (Mt 25, 39-40)… Deus é o eterno presente, é Mistério a contemplar e não a aprisionar em tempos verbais! O Senhor está connosco, a vida é-me dada a cada instante, o Senhor vem e é na sua eternidade que consuma a sua Revelação Gloriosa (Apocalipse)!… Vem Senhor!

E porque sou filho duma família cristã e duma aldeia cristã, como tantos de nós, onde fomos iniciados na Alegria, na Beleza e na Liberdade de nascer, crescer, viver e morrer nas virtudes teologais da Fé, da Esperança e da Caridade cristãs, porque hoje é o Dia do Senhor, Dia primeiro e Dia oitavo, Dia da Ressurreição e da Revelação…

“Volto a cantar e voltam-me à memória
As rústicas imagens
Que guardei na retina
De menino;
O repique do sino
Depois das negras horas da Paixão,
E a brejeira
Canção
Que num toco
Já oco
De cerdeira
– Flauta que um pica-pau lhe dera –
A seiva assobiava à primavera” (Miguel Torga).

Alegrai-vos! O Senhor vem! Vem Senhor!

J. Queirós Ribeiro, 11 de Dezembro de 2016

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