Há muitos séculos que a Igreja exige muito pouco. Basta recordar a missa: vai-se à sacristia, marca-se, paga-se e já está. Não interessa quem, nem praquê, e a missinha já está celebrada.
No início não era assim. Aos próprios discípulos Jesus punha condições tramadas que os levavam a pensar no caso seriamente.
Hoje em dia, poucos seriam capazes de cumprir as três condições por ele exigidas. 1ª: “Se alguém vier ter comigo sem renunciar ao amor para com o pai, a mãe, a esposa, os filhos, os irmãos, as irmãs, e até a própria vida, não pode ser meu discípulo”. 2ª: “Quem não carrega a sua própria cruz para me seguir não pode ser meu discípulo”. 3ª: “Quem quer de vós que não renuncie ao que possui não pode ser meu discípulo».
Passei a minha vida a dizer que somos uma Igreja de não convertidos, de cristãos – assim ditos – não praticantes. De facto, as nossas igrejas estão cheias de gente que nunca se decidiu por nada, muito menos por Jesus e seu Evangelho, que é cristã e foi batizada do mesmo modo que recebeu dos pais e vizinhos a língua portuguesa e não a inglesa.
Os nossos bispos disseram isto já há mais de 20 anos (A formação cristã de base dos adultos, 1994): “As profundas mudanças socio-religiosas são uma razão a exigir uma fé adulta, esclarecida, assente em convicções pessoais. Esbate-se o ambiente cristão da sociedade portuguesa, formado por hábitos, gestos, imagens e exemplos que, anteriormente, criavam referências e transmitiam uma determinada cultura cristã. É notória a rutura entre a cultura e a fé (…): avançam o secularismo e a indiferença religiosa; crescem o pluralismo religioso e a confusão moral; atacam as seitas. Nesta situação, não basta o cristianismo exterior tradicional, apoiado no ambiente social e favorecido pela cultura envolvente. A fé tem, assim, de corresponder a uma tomada de posição pessoal, fruto de uma evangelização autêntica e de uma sólida formação”. Acrescentam depois: “A fragilidade do catolicismo português provém, em grande parte, do analfabetismo religioso. É uma fé sentimental e pouco esclarecida. Para superar esta insuficiência, é necessário cuidar do conhecimento dos conteúdos da fé, de modo a fundamentar convicções seguras que criem uma prática coerente”.
Aqui é que está o busílis da questão. Porque a fragilidade do catolicismo português provém, em grande parte, do analfabetismo religioso. Mas a fé tem de corresponder a uma tomada de posição pessoal, fruto de uma evangelização autêntica e de uma sólida formação, repito, citando os nossos bispos, que concluem assim, no mesmo documento:
“As atuais circunstâncias requerem uma formação cristã de base, preocupada especialmente com a consolidação da fé, em ordem à maturidade cristã e à participação ativa na vida e missão da Igreja; requerem uma formação que tenha em vista não só o conhecimento mais atualizado da fé mas também a iniciação cristã integral aberta a todas as componentes da vida cristã; requerem ainda uma formação que se oriente para o aprofundamento da mensagem cristã em relação com as experiências concretas das pessoas, de modo a fazer com que a fé, ilustrada pela doutrina, se torne viva, explícita e operante”.
Por isso, “a participação ativa na vida e missão da Igreja depende, em grande parte, da formação cristã de base que consolida a identidade cristã e eclesial. A Igreja, chamada a iluminar e transformar o mundo com a luz do Evangelho, tem de ser uma Igreja de cristãos adultos e idóneos para darem as razões da sua esperança perante o mundo. … Ao longo de todas as épocas, a Liturgia tem sido a principal escola de educação da fé do Povo de Deus”.
“Hoje, os antigos modos de formação não bastam. As atuais circunstâncias requerem uma formação cristã de base, preocupada especialmente com a consolidação da fé…” (A formação…).
Formação cristã de base: que é isso? Porque não há formação cristã de base é que as igrejas se confrontam sempre e só com niquices, não com questões. Reparem como os nossos bispos correram esta semana a Fátima, a protestar contra a cobrança de IMI que tem caído sobre paróquias e dioceses; mas nunca os vimos a protestar contra a pobreza-pobreza em que viveu e vive grande parte da população portuguesa, enquanto continua por aí essa ladroagem de bancos e bancas onde se sentam os ricos e os pobres têm de pagar!
Arlindo de Magalhães, 4 de Setembro de 2016