Ao nosso encontro

Ain Vares

Há duas semanas ouvíamos que Jesus tinha enviado 72 discípulos e que exultou de alegria quando regressaram. Há uma semana escutamos a parábola do bom samaritano. Hoje vemos a Jesus ser recebido por Marta em sua casa: esta servia-O e Maria escutava-O. Estes três episódios são um tríptico do capítulo 10 de Lucas que nos mostra imagens distintas de como o Senhor se encontra com o seu Povo. Hoje há um encontro com duas mulheres, irmãs de Lázaro, e até lhes sabemos os nomes! É um encontro inesperado, numa cena de vida quotidiana. É nosso tempo cronológico (chronos) que o Senhor vem ao nosso encontro abrindo-o ao tempo de Salvação (Kairós). Todas as leituras nos falam do Encontro Inesperado! É na nossa história, nesta vida, que o Senhor vem ao encontro e de uma forma inesperada.

Ao ler o Evangelho de hoje lembrei-me uma história dos Padres do deserto. Diz assim:

«Um irmão foi visitar o pai Silvano no monte Sinai e, vendo que os seus monges estavam a trabalhar, disse ao ancião:
Não trabalheis por um alimento que perece, Maria escolheu a melhor parte (Jo 6, 27; Lc 10,42).”
O pai Silvano disse ao seu discípulo Zacarias:
“Dá um livro a este irmão e fecha-o numa cela sem mais nada.”
Chegada a hora da refeição o dito monge esperou que alguém o viesse chamar para comer, mas vendo que tal não sucedia, perguntou a Silvano:
“Pai, os teus irmãos não comem?”
Perante a resposta afirmativa de Silvano, perguntou então porque não o tinham chamado, e o ancião respondeu:
“Porque tu és um homem espiritual e não necessitas deste alimento, mas nós que somos carnais queremos comer e por isso trabalhamos. Em contrapartida, tu escolheste a melhor parte, lês todo o dia e não queres comer o alimento material”.
Perante tais palavras o monge prostrou-se por terra pedindo perdão. Silvano disse-lhe então:
“Também Maria necessita absolutamente de Marta; e é por mérito de Marta que também Maria é louvada”».

(In Padres do Deserto, org. Isidro Lamelas, Lisboa 2018)

«Maria necessita absolutamente de Marta; e é por mérito de Marta que também Maria é louvada». Lembra-me São Paulo quando diz na primeira carta aos Coríntios «Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. Não pode o olho dizer à mão: “Não tenho necessidade de ti”, nem tão pouco a cabeça dizer aos pés: “Não tenho necessidade de vós”».

José Augusto Mourão, frade dominicano, diz que «o encontro reconhece-se pelos seus efeitos no corpo. O que de facto somos, nunca o encontraremos na projeção dos nossos pensamentos». Mourão, quando aqui fala de corpo, refere-se ao nosso corpo biológico e não “ao corpo que é a Igreja” de que nos fala Paulo nas suas cartas. Quem nos trazem hoje as Escrituras? Abraão, Sara, Paulo, Marta e Maria. Cada um deles encontrou-se com Aquele que não anuncia a hora, que irrompe sem avisar. Como reagiu Abraão? Diz-nos o livro dos Génesis que Abraão, cabisbaixo, ergueu os olhos, correu ao Seu encontro, prostrou-se por terra e fez festa. Abraão e Sara, como lhes prometera o Senhor, tornaram-se fecundos como as estrelas do céu. E Paulo? Paulo, segundo as suas próprias palavras, tornou-se ministro do corpo de Deus, anunciando que Deus é fiel à sua Promessa. E Marta e Maria, as irmãs de Lázaro? Marta recebe-O em sua casa e serve-O. Maria senta-se aos seus pés e, como judia que reza o Shemá, escuta-O. Com Abraão, Sara, Paulo, Marta e Maria fazemos parte do Corpo que continuamente ressuscita.

É na nossa história, no dia-a-dia, na nossa rotina, nas nossas feridas, nos nossos desejos, nas nossas derrotas, quando nos rimos de nós próprios, nos olhares cabisbaixos, a tratar dos filhos – quero acreditar também que a mudar as fraldas – a fazer o almoço e depois juntos à mesa – e não «na projeção dos nossos pensamentos» que Deus vem ao nosso encontro, ao encontro da sua obra que era muito boa. Carlos Maria Antunes, monge cisterciense, diz-nos a respeito:

«Precisamos da ternura e da compaixão infinita de Deus para aprender a olharmos com essa mesma ternura e compaixão. Esta é a grande dádiva daquele que irrompe na nossa vida sempre e como nunca esperávamos. Ele é o Inesperado! Oxalá se gravasse em nós, de uma vez por todas, que a perfeição de Deus e, portanto, a nossa perfeição, não é a impecabilidade senão a misericórdia».

A primeira pergunta que o autor bíblico põe na boca de Deus continua a atravessar o jardim da criação e a ecoar pela nossa história: «Onde estás?».

Adelaide Miranda, 21 de julho de 2019