Na sua mensagem para este Dia Mundial da Paz escreve o papa Francisco: “Enquanto o século passado foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, hoje, infelizmente, encontramo-nos a braços com uma terrível guerra mundial aos pedaços. (…) Esta violência que se exerce «aos pedaços», de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental”.
O ano de 2016 foi desastroso para os direitos humanos em todo o mundo. Os conflitos armados, as catástrofes naturais, a discriminação, o racismo, a intolerância, as enormes disparidades económicas que obrigam as famílias a abandonar as suas casas e os seus países e o desejo insaciável de ganhar ou manter o poder a qualquer custo, são das grandes causas das violações dos direitos humanos.
Por todo o mundo, a violência da exploração infantil continua a ser notícia nas suas mais diversas formas: trabalho forçado, exploração sexual, servidão doméstica, recrutamento de crianças-soldado, tráfico de órgãos.
Também a violência doméstica continua a ser um flagelo. As vítimas são mulheres, homens, crianças e idosos. No nosso país, de Janeiro a Novembro de 2016, foram assassinadas 22 mulheres e 23 foram vítimas de tentativa de homicídio. Nos últimos 12 anos, 450 mulheres foram mortas.
As desigualdades entre pobres e ricos acentuam-se por todo o mundo. Portugal não é exceção. E ter um salário pode não ser significado de ter o mínimo para viver com dignidade. Entre nós, 22% dos que vivem abaixo do limiar da pobreza, têm emprego.
Estima a ONU que mais de 65 milhões de pessoas estão deslocadas das suas terras, a grande maioria sobrevivendo amontoados em gigantescos campos de refugiados sobrelotados, na Jordânia, no Líbano, na Turquia, no Quénia, na Grécia, em Itália.
Na Síria, milhares de pessoas mortas, milhões de pessoas deslocadas, milhares de pessoas entre fogo cruzado em Aleppo onde se vive uma catástrofe humanitária. Não há água, não há comida, não há hospitais. Homens, mulheres, crianças. Muitas crianças. Uma guerra que começou há 6 anos, onde se jogam muitos interesses geo-estratégicos, económicos e políticos, onde não tem faltado armamento a nenhuma das partes e que não tem fim à vista.
Nos últimos anos, pelo Mediterrâneo, chegaram à Europa muitos milhares de migrantes fugidos de países arrasados pela guerra, como Síria, Afeganistão, Iémen, Sudão e Iraque ou fugidos da miséria extrema da Eritreia ou da África Subsaariana. Em 2016 morreram afogados cerca de 5 mil. Para travar a sua progressão em território europeu, invocando razões de segurança, diversos países europeus construíram muros e cercas e a União Europeia fez um acordo vergonhoso com a Turquia para impedir a passagem de refugiados pelo seu território.
A segurança tornou-se palavra-chave na Europa. Mas falar de segurança sem falar de justiça e de direitos humanos não faz sentido.
“A verdadeira segurança só pode existir na paz e a paz engloba ser capaz de viver e amar o próximo, independentemente da sua nacionalidade, cor, religião ou estrato económico” – conclui a Conferência das Comissões Justiça e Paz Europeias, que alerta “contra a ideia de que a Europa possa alcançar a segurança para si mesma através da construção de muros. Em vez disso, os muros excluem e discriminam, criam uma sensação de injustiça. A segurança para a Europa só será alcançada quando a ordem mundial for justa para toda a população mundial. A paz é mais do que a segurança. O objetivo tem de ser garantir que cada pessoa possa viver a sua vida com dignidade”.
E apela: “à União Europeia e aos Estados Europeus, para abraçarem uma verdadeira política de paz com base no desenvolvimento humano integral e um estilo de política não-violenta que respeite a dignidade de cada pessoa humana; à Igreja, para que realize a sua vocação como um sacramento de paz ao serviço do mundo, um sinal visível e exemplo de como o respeito pela justiça e pelos direitos humanos, proporcionam os fundamentos da verdadeira paz; a todos os cidadãos, para cumprirem a sua responsabilidade individual de construir uma comunidade mais segura e pacífica através do diálogo e dum espírito de fraternidade com o próximo”.
Escrevia o papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium (9):
“(…) enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz.”
Voltamos à sua mensagem para este dia: “Almejo paz a todo o homem, mulher, menino e menina, e rezo para que a imagem e semelhança de Deus em cada pessoa nos permitam reconhecer-nos mutuamente como dons sagrados com uma dignidade imensa. Sobretudo nas situações de conflito, respeitemos esta dignidade mais profunda e façamos da não-violência ativa o nosso estilo de vida. (…) Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não-violência tornar-se o estilo caraterístico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações, da política em todas as suas formas”.
Muitos homens e mulheres experimentam já este desafio de procurar a Paz e a Justiça pelos caminhos da não-violência.
São padeiros, alfaiates, engenheiros, pintores, médicos, farmacêuticos. Conhecidos como Capacetes Brancos. São voluntários, cerca de 3 mil, e percorrem milhares de quilómetros a remediar os danos humanos da guerra civil da Síria. Já prestaram auxílio médico e resgataram dos escombros mais de 70 mil pessoas, nas áreas mais afetadas pelo conflito. O lema dos Capacetes Brancos foi extraído do Alcorão: “Salvar uma vida é salvar toda a humanidade.”
A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras foi criada em 1971, em França, por jovens médicos e jornalistas. Desde então, leva cuidados de saúde a pessoas afetadas por conflitos armados, desastres naturais, epidemias, desnutrição ou sem qualquer acesso à assistência médica, em mais de 70 países. Tem tido um papel preponderante no resgate de refugiados no Mediterrâneo.
Criada há 26 anos, a Associação Portuguesa de Apoio à Vitima, apoia vítimas de todo o tipo de violência, sejam mulheres ou homens, crianças ou idosos. Presta apoio moral, social, psicológico, jurídico e económico. Em 2015 recebeu mais de 34 mil pedidos de ajuda e prestou apoio a mais de 9600 vítimas de violência.
Desde 1961 que a Amnistia Internacional se bate para denunciar e pôr termo ao abuso dos Direitos Humanos. Tem organização em 150 países e mobiliza a opinião pública no sentido de exercer pressão sobre governos, grupos políticos armados, empresas e órgãos intergovernamentais exigindo justiça para aqueles cujos direitos estão a ser violados.
E termina o Papa Francisco a sua mensagem: “Todos desejamos a paz; muitas pessoas a constroem todos os dias com pequenos gestos; muitos sofrem e suportam pacientemente a dificuldade de tantas tentativas para a construir. No ano de 2017, comprometamo-nos, através da oração e da ação, a tornarmo-nos pessoas que baniram dos seus corações, palavras e gestos a violência, e a construir comunidades não-violentas, que cuidem da casa comum. Nada é impossível, se nos dirigimos a Deus na oração. Todos podem ser artesãos de paz”.
De Jesus aprendemos que só o Amor é capaz de vencer o ódio e criar um alicerce forte para edificar a casa da Nova Humanidade. No Sermão da Montanha é traçado o perfil dos construtores da Paz: felizes os mansos, os misericordiosos, os pacificadores, os que têm fome e sede de justiça.
Grupo Justiça e Paz, 1 de Janeiro de 2017