Cafarnaum

Joan Miro

Quando Jesus chegou à Sinagoga de Nazaré, não se pôs logo a arengar às massas. Pelo contrário, seguiu o caminho da sua Humanidade. A Sinagoga era o lugar de culto da religião judaica, onde qualquer israelita podia falar e co­municar à assembleia um pensamento e uma palavra de edificação, estava aberta todos os dias, como as igrejas paroquiais e capelas cristãs do tempo antigo, embora nos Sábados se juntasse mais gente pois que o Sábado judaico era o que era para nós o “primeiro dia da semana”, o domingo. Qualquer judeu podia levantar-se e falar à assembleia. Jesus “percorreu então toda a Galileia, ensinando nas sinagogas e pregando as boas novas do reino.” (Mt 4, 23): “Sempre ensinei numa sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem.” (Jo 18,20).

Já no Jordão não foi ele que se apresentou a si mesmo: “Do céu veio uma voz: Tu és o meu Filho muito amado” (Mc 1,13); e que João, o batista, o apresentasse aos primeiros discípulos: “Esse é aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias” (Jo 1,27)

Depois, em Caná da Galileia, ninguém, a não ser os discípulos, perce­beu o que se passou com o vinho (já aqui falei disso).

Mas, em Cafarnaum, como os pobres não têm muros nem vivem isola­dos, a sogra de Pedro levantada da cama onde estivera retida com febre (Lc 4,38) chamou a atenção das primeiras multidões que, logo de seguida, não cabendo já nos luga­res do dia a dia, só encontraram como lugar possível de reunião a orla do mar (Lc 5,1): aí sim, podiam ouvir a Boa Nova e abrir os olhos à nova «luz que veio ao mundo para iluminar os que andavam nas trevas».

Antes disso, porém, já ele havia sido pro­curado pela família que achava que ele não andava bom da cabeça. Foi então que, quando lhe disseram que sua mãe e “irmãos” o procuravam, ele disse para quem quis ouvir que, mãe e irmãos, eram para ele os que faziam a vontade do Pai (Lc 3,31-35).

Regressado depois a Nazaré, Jesus, o filho do carpinteiro José, bem conhecido desde pequeno pelos vizinhos e por toda a gente da terrinha, de­pois da leitura do Livro de Isaías, espantou tudo e todos com a mensagem e “as palavras cheias de sabedoria” que lhe saíam da boca. Apesar disso, foi espanto de pouca dura: a realidade da sua baixa condição social veio logo ao de cima: “Não é ele o filho do carpinteiro?”.

No rio Jordão, em Cafarnaum como em Nazaré, Jesus seguiu sempre o caminho da sua humanidade, com todas as suas implicações pessoais, familiares e sociais: «Não tenho dúvidas que, qualquer dia, haveis de me lembrar o ditado “Médico, cura-te a ti mesmo!”» (Lc 4,23), ou ainda “Em verdade vo-lo digo: nenhum profeta é bem aceite na sua terra!” (Lc 4,24).

Jesus não era um milagreiro, e os milagres (traduzamos por alguma coisa inexplicável pelas leis conhecidas da Natureza), quando os fez, eram sinais inequívocos metidos no coração da própria fraqueza para levantar os pobres, os caídos e os desanimados, e nunca para provar coisa nenhuma. O único milagre que ele fez para provar foi quando as pessoas começaram a duvidar que um pecador pudesse, pela Graça, tornar-se santo, pudesse levantar-se e transformar-se. Então curou o paralítico (Lc 5,17/26). Fora este caso, Jesus nunca fez milagres para provar coisa nenhuma, e mesmo quando lhe pediram um sinal para poderem acreditar nele, ele apenas apontou o sinal de Jonas no ventre da baleia (Mt 12,40), sinal da sua própria morte e sepultura.

Jesus seguiu sempre o caminho da sua humanidade, como vemos neste domingo a partir do que aconteceu em Nazaré. “A estas palavras, todos na Sinagoga, ficaram furiosos. Ergueram-se então e expulsaram Jesus da cidade. Depois, levaram-no até ao cimo de um despenhadeiro que havia na colina em que a cidade estava construída, a fim de o precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho” (Evangelho hoje lido).

O evangelista Lucas não diz porque é que eles acabaram por não o atirar para o esterqueiro, diz apenas que Jesus, “passando pelo meio deles, seguiu o seu cami­nho”. Isto é que a sua humanidade escandalizou os Judeus. Eles es­peravam um super-homem e apareceu-lhes um “filho do carpinteiro”, às tantas, na altura, ainda só aprendiz…

É a partir do mais simples, dum lugar como os outros, dos dias que se confundem com todos os mais, das noites mais escuras entre as noites escuras de todos os que vivem à nossa volta, pessoas que em nada se distinguem de todos os mais, é a partir disto – disse – que a Novidade salta e desconcerta o Mundo: HOJE realizou-se a Palavra que ouvistes.

Mas…, parece que nada aconteceu, e tudo segue o seu curso, sem mais! Mas, na verdade, é aí que a Novidade acontece… ou não acontece?

Arlindo de Magalhães, 3 de fevereiro de 2019