Recitou-se aqui, domingo passado, o célebre Cântico do Sol, de S. Francisco de Assis (1182-1226), afinal uma oração saída da sua alma de poeta. A posteriori, a gente entende; de princípio, não. Quando se ouviu da varanda do Vaticano Habemus papam!, que escolhera o nome de Francisco, perguntei-me de imediato porque tinha um jesuíta escolhido o nome do pobre e franciscano São Francisco de Assis.
Não foi necesário muito tempo para percebermos aonde queria chegar o Papa Francisco. Logo na 1ª encíclica — A alegria do Evangelho —, ele escreveu claro: “A Terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos … (e) a Igreja não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça”. Por isso, “cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade” (EG 183.187). Logo começou Francisco a falar de uma ecologia (oikos > casa + logos > palavra) integral.
Que casa é esta? A antiquíssima palavra grega — oikos — foi escolhida por E. Haeckel, um biólogo alermão do séc. XIX/XX (1834-1919), para referir a ciência que estuda as relações dos seres vivos (homens, animais e plantas) entre si e com o meio ambiente, a tal casa comum (a biosfera, o planeta terra e o nosso habitat [o nosso espaço físico, geográfico e cultural]).
Mas, primeiro, esta casa não é só minha: é de todos, e “todos somos irmãos” (Mt 23,8). E, por isso, na casa que é de todos, não podemos separar o Homem da Natureza, nem de Deus, nem das demais Pessoas. É o que se quer dizer com o adjetivo integral. Porque a oikos não é só minha.
Estas quatro realidades — o Homem, a Natureza, Deus e as mais Pessoas — têm que estar estreitamente ligadas entre si: recebemos ou temos um mundo [que não é meu], vivemos com outras pessoas e somos solidários com elas, tanto as deste tempo como as do tempo futuro, e não podemos — pelo menos nós, os crentes, os que que acreditamos — esquecer nem um Deus Criador nem que “todos somos irmãos”.
Esta é a questão do Papa Francisco. Não só dele. Este seu documento tem um fundo espiritual, mas também científico (percebe-se perfeitamente que, a partir do capítulo 3º, há uma 2ª mão por detrás), filosófico e teológico. Como que se reuniram um filósofo, um teólogo, um cientista e um economista, que, em conjunto, prepararam o documento. Não tenho dúvida de que foi um bocadinho assim.
De todo este trabalho saiu um texto que, a si próprio, se define assim:
“Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem, leva-nos inexoravelmente a outras questões muito diretas: Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto interpela o significado da nossa passagem por esta terra.” (LS 160).
Arlindo de Magalhães, 12 de Fevereiro de 2017