Marcos, o evangelista

S MarcosFilho de uma Maria, em casa de quem se reunia a primitiva comunidade de Jerusalém (Act 12,12), e primo de Barnabé (Cl 4,10), João Marcos, conhecido depois só por Marcos, acompanharia Paulo e o primo Barnabé na viagem apostólica dos dois. No entanto, em Pafos, um porto marítimo na ilha de Chipre, não se sabe porquê — muita coisa correu mal entre os primeiros seguidores de Jesus e entre diversas comunidades, como noticiam os Atos dos Apóstolos! —, Marcos abandonou-os e foi para Jerusalém (Act 13,13). Possível entrado em discórdia com Paulo. Posteriormente, estavam Paulo e Barnabé em Antioquia, este último lembrou-se do primo que estava em Jerusalém, ali perto, que poderia acompanhá-los; e propôs a Paulo que Marcos fosse com eles numa nova investida evangelizadora. Como conta Lucas nos Atos (15,35-41), foi o fim do mundo: argumentando que não tinha sentido nenhum levar por companheiro quem deles se tinha já separado, Paulo e Barnabé entraram em discussão com tal violência que acabaram por se separar. Paulo seguiu o seu caminho com Silas (15,40), o que seria em Roma o escriba de Paulo e de Pedro, e Barnabé dirigiu-se à Cilícia e à Síria, levando consigo o primo, o nosso (João) Marcos (15,39).

Seja como for, não muito tempo depois, Marcos aparece em Roma ao lado de Paulo (2 Tm 4,11; Flm) e de Pedro que lhe chama “meu filho” (1 Pe 5,13). A tradição admite que tenha sido Pedro, mais velho que ele pela certa, que lhe tenha proporcionado grande parte da informação com a qual Marcos escreveria depois o seu Evangelho.

O seu escrito é o mais antigo dos quatro — Mateus, Marcos, Lucas e João -, o mais pequeno e, digamos, o mais vivo. Concentra-se mais nos factos e nas viagens de Jesus do que nas suas palavras.

Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos 2015

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A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos é um momento privilegiado para a oração, o encontro e o diálogo. É uma oportunidade para reconhecermos a riqueza e o valor que estão presentes no outro, no diferente, e para pedir a Deus o dom da unidade.

O texto preparado para o Oitavário 2015 afirma a importância de uma pessoa conhecer e compreender a sua própria identidade para que a do outro não seja vista como uma ameaça. Se não nos sentimos ameaçados, estaremos capacitados para experimentar o outro como algo complementar: sozinha, uma pessoa ou uma cultura não se basta! Por isso, a  imagem que emerge das palavras “dá-me de beber” (Jo 4,7) — tema do Oitavário do ano que corre — é algo que nos fala de complementaridade: beber água do poço de alguém é o primeiro passo para experimentar o modo de ser do outro. Isso leva a uma partilha de dons que nos enriquece. Quando os dons do outro são recusados, há prejuízo para a sociedade e para a Igreja.

Na próxima 5ª feira, dia 22 de Janeiro,
celebração ecuménica na igreja da Serra do Pilar, às 21,30 horas.

A Paz sem vencedor e sem vencidos

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Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in ‘Dual’)

OS REIS MAGOS

Magos

Gaspar, Melchior e Baltazar são diferentes dos outros. Não precisam de clientes nem de desgraças. Jamais se enganaram. Ao longo dos tempos – nunca lhe foi arremessada uma pedra.

São reis que abrem generosamente os cofres, que se prosternam num estábulo e o perfumam, que se conduzem pelos sinais celestes e pelas palavras dos sonhos.

Todos os anos colocam uma estrela que vai pela noite adiante iluminando o caminho,

E acertam sempre no seu horóscopo adorando o menino.

ANTÓNIO OSÓRIO (1933)
A Luz Fraterna

RECEITA DE ANO NOVO

carlos drumond

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

 Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987), poeta brasileiro

A família e o Natal

searchTodos ouvimos à saciedade nestes dias que, no Calendário Litúrgico, o Natal é a festa da família. Mas não é verdade. A festa da família é no domingo entre o Natal e o Ano Novo.

O comércio, porém, transferiu-a para o dia de Natal. E, portanto, há que juntar a família, as prendas e o bacalhau, etc, etc, o Natal é o sãmiguel do mercado, este ano vai vender mais 30% que o ano passado, etc. O mesmo que aconteceu ao Dia da Mãe: como não dava jeito ao balcão pois podia estragar o negócio do mesmo Natal, toca de o passar para Maio. E, canas agitadas pelo vento (Mt 11,7), quase ninguém protestou. E também por aí se foi o 8 de Dezembro.

Não era assim nem no costumeiro, nem no calendário cristão. Não há muito tempo ainda, em Santa Maria da Feira, a ceia de Natal era no dia Natal. O dia 24 era de jejum, ou seja, de privação em ajuda dos mais pobres, e a festa começava só depois da Missa do Galo, prolongando-se até à noite de 25.

Mas o comércio impôs sua autoridade e o Natal transformou-se em festa da família, talvez melhor, do comércio; e a autêntica festa da Família, celebrada no domingo da Oitava natalícia, desapareceu como tal.

Tenho para mim que, ano após ano, o Natal cristão se diluirá no nosso mundo e tempo, tal como já aconteceu ou acontece com o domingo — onde haverá presbíteros para a celebração dominical? — e o pouco que, nos meios urbanos, dele resta.

Tudo isto me saltou à mente durante a projecção de um filme em exibição comercial, Momentos de uma vida, de Richard Linklater, no original Boyhood, ou seja Adolescentes.

Não que o filme seja sobre o Natal; mas porque se debruça sobre a família. Dum lado, os pais, ora casados, já separados e unidos de facto, violência de género ainda por cima… Quem paga? senão os filhos e a mulher, quase sempre a parte mais fraca. E da outra banda, os boyhoods, os adolescentes, eles e elas, as bebedeiras, o despertar do amor, a instabilidade, as timidezes, as asneiras e sofrimentos de todo o tamanho e, no meio disto tudo, uma adolescência já perdida. E é melhor não falar na família.

Há uma imagem que resume todo o filme na perfeição: um pássaro esborrachado no chão e já em decomposição.

Nesta altura do ano, seria bom ver-se este filme. Até para se perceber que o Natal é a celebração de um mistério e a questão da família um problema político-social, cultural e religioso.

Mesmo assim, ou melhor, por ser assim, Boas Festas de Natal, que Deus fez-se Homem.

Arlindo de Magalhães

A NOVENA DO NATAL

Novena

Novena, dezena, quinzena, centena…, conjunto de dias.

A novena, conjunto de nove dias, apela na simbólica litúrgica aos 9 meses da gestação da mulher que vai dar à luz “aquele que é santo e será chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).

Assim nasceu a Novena natalícia. Desde 17 de Dezembro ao dia de Natal estende-se a Novena; 9 dias, contando a partida e a chegada.

Trata-se – como sabemos – da mais antiga de todas as Novenas. Tão copiada e multiplicada que, à porta do Vaticano II, tinha já desaparecido dos calendários litúrgicos. Dela restavam as 7 antífonas do Ó (que já não se cantava nem na vigília nem no dia de Natal):

Ó SABEDORIA

Ó ADONAI (Meu Senhor)

Ó REBENTO DE JESSÉ

Ó CHAVE DE DAVID e CEPTRO DA CASA DE ISRAEL

Ó ORIENTE (Sol Nascente)

Ó REI DAS NAÇÕES

Ó EMANUEL (Deus connosco)

Mas o Concílio acabou com todas as novenas. Ficou a primeira e única, embora os missais continuem a não a mencionar, ela que foi a mãe de todas as novenas. A revisitar os passos que marcaram a proximidade dos dias em que Deus se fez homem.

Perdidos nós no barulho de um Natal que já o não é, a Novena pode ser, na algazarra destes dias, um breve tempo de silêncio a preparar a contemplação do presépio.

Um Salmo para o Advento

imgresCavalo Dinheiro, filme de Pedro Costa

O cinema é imagem em movimento. E, no filme, a imagem é belíssima. E com ela se diz do 25 de Abril, de uma sociedade perturbada encontrada em Lisboa por quem chegava das ilhas atlânticas, do desenraizamento, da exploração laboral (Cuf, Lisnave e o célebre J. Pimenta), da saudade da terra, da separação das gerações, do desespero, etc. Só imagem. Palavra quase não há. E música, quase só me lembro do Alto Cutelo, do Ildo Lobo, versão cabo-verdiana do Eles comem tudo e não deixam nada!, de José Afonso: «Ali, el ta trabadja na tchuba na bento, Na Cuf, na Lisnave e na Jota Pimenta / Mon d’obra barato, …, baraca sem luz…».

Em pleno Advento — que não é tempo de preparar seja o que for mas sim de atender aos sinais do tempo, de vigilar — aí está Cavalo Dinheiro. Para que não mereçais a reprimenda: “Hipócritas! como é que não sabeis reconhecer o tempo presente?” (Lc 12,56).

http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/veja-aqui-o-trailer-de-cavalo-dinheiro-de-pedro-costa-1674870

Partilha Fraterna

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O Serviço da Partilha Fraterna da Comunidade não dispensa nem a atenção nem a ajuda fraterna efectiva de cada um dos membros da comunidade, onde for preciso, a quem for necessário. Porque a Ajuda Fraterna é uma obrigação da Comunidade, não apenas do citado Serviço. Em princípio, a Partilha apenas poderá responder melhor a algumas situações concretas e especiais. Mas não funciona como descarga de consciências individuais.

Em tempo de Advento, convém sempre recordar: Aquele que há-de vir é Aquele que já veio, e o mesmo que vem hoje. “Quando, Senhor? Quando te vimos com fome e com sede, e nu e preso, e te atendemos?” (cf Mt 25). Sabemos todos a resposta.

Os 40 anos da Comunidade da Serra do Pilar

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A Comunidade da Serra do Pilar celebra nestes dias os 40 anos do seu nascimento. Foi em 3 de Novembro de 1974 (…).

Ao longo do tempo, têm sido muitas as tarefas, tamanhas as incapacidades e impossibilidades, as infidelidades e distrações. Os pecados?: Kyrie, eleison!

Humanos que somos, sofremos as crises da adultez mas o Espírito de Deus falou e… continuamos a ser… pecadores e infiéis à Graça!

Somos um Povo a caminho e filhos de uma Igreja peregrina que, caminhando na terra, “longe do Senhor, se tem por exilada, buscando e [até] saboreando já as coisas do alto”  (LG 8), “no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus” (LG 9).

Mas vamos festejar e celebrar: os vivos e os nossos mortos, relembrar, dar a conhecer a história aos mais novos, receber os amigos e os irmãos na fé, de perto e de longo, vamos comer juntos, vamos passear e visitar, vamos orar e cantar com o Salmista: “Ensina-me os teus caminhos, Senhor” (Sl 27,11). Tudo isto ao longo de um ano.

Todo o artigo em Ler mais

A festa nos julgará: 40 anos que sejam!

Serra do Pilar, Fevereiro 1982A festa nos julgará, escreveu o Pe. Leonel na primeira “Quarta Página” da nossa Folha Dominical (nº 22, 1975.10.12): “A festa já começou e muitos a recusaram. Muitos entraram, mas indignamente. Serão expulsos por indecente e má figura. Os homens esperam um julgamento, mas será uma festa que os julgará, a Festa do Amor”.

De facto, o Senhor preparou no Monte Sião, e para todos os povos, um banquete de carnes com gordura e vinhos velhos e bem tratados” (Is 25,6); “Vinde, benditos de meu Pai! Recebei como herança o que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt 25,34).

“Que estás a dizer? Quem pode levar-te a sério?” (Jo 6,60).

“Cantai na noite sagrada da festa! Haverá alegria no vosso coração, à semelhança daquele que, subindo ao Monte Sião, à Rocha de Israel, caminha ao som da flauta” (Is 30,29).

Os 40 anos da Serra

“Ganha terreno a consciência de que as comunidades hão-de dar-se os seus ministros. Não serão comunidades esotéricas de “puros”, a viver só do entusiasmo, mas, sendo autênticas, hão-de surgir delas presidentes para a comunidade, que deverão também ser presidentes da Eucaristria: para não se criarem novos senhores feudais com domínio sobre padres vassalos. Também o recurso a padres casados só aumentaria o clericalismo: quando a Igreja pode subsistir com menor número de padres que sejam mais missionários. Talvez o padre do futuro deva ser como se diz da criança: “onde está, é demais; onde falta, faz falta”.

É aos educadores da fé que compete dar o sentido da Igreja, o sentido da vocação ministerial de todo o cristão”.

Estas palavras foram ditas pelo Bispo Ferreira Gomes, em Cortegaça, na Semana da Páscoa de 1973. A Voz Portucalense publicou-as em 5 de Maio do mesmo ano.

A Serra do Pilar nasceu a esta luz.

40 anos da Comunidade

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Completam-se no próximo dia 3 de Novembro 40 anos da Comunidade da Serra do Pilar: foi nesse dia de 1974, domingo, que pela primeira vez o Pe Arlindo celebrou a Eucaristia na Serra do Pilar.

De então para cá… passaram 40 anos cheios de história e de vida.

A celebrar a data, no próximo 3 de Novembro, uma 2ª feira, às 19H30 os que pudermos faremos uma breve e simples oração de ação de graças.

No sábado, 15 de Novembro, pelas 19H30, reunir-nos-emos todos numa ceia festiva comum; às 21H30, celebraremos a Eucaristia dominical, a que presidirá o Sr. D. António Taipa, que estará também connosco na Ceia.

Celebrada a Páscoa semanal no Sábado à noite (mas, pela contagem antiga do tempo, já do primeiro dia da semana, isto é, depois do pôr-do-sol do sábado), não haveria uma 2ª Eucaristia. Porém, atendendo a várias razões, celebrar-se-á às 11 horas uma Eucaristia seca, e simplesmente rezada.

Na Igreja primitiva, celebrava-se a Eucaristia entre o pôr-do-sol de sábado e o nascimento da manhã do domingo. Assim faremos desta vez, na Serra do Pilar, até para concretizar a palavra do Papa Francisco: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, … [até] os horários…” (EG 27).

Suceder-se-ão ao longo de todo o ano outras celebrações e iniciativas.

Catecumenato

Catecumenato 1987«… quase não é possível pensar o ser da Igreja no mundo moderno e o seu agir pastoral – e são estas duas coordenadas que configuram o seu rosto concreto – sem por aqui passar: Comunidade e Catecumenato, as duas realidades, as primeiras e mais importantes. E nunca se saberá qual delas a originante. Na Serra do Pilar, primeiro, foi a Comunidade, pelo menos como objectivo a atingir, depois, o caminho para lá chegar, o Catecumenato. Noutros lugares terá sido ao contrário. Primeiro o ovo ou a galinha?

Verdade é, no entanto, que Catecumenato e Comunidade estão intimamente orientados um para a outra. Sem Comunidade, não há Catecumenato: ela é o meio deste. Mas, sem Catecumenato, a Comunidade morrerá por incapacidade de renovação e crescimento, neste mundo moderno. Que a Comunidade não nasce como a generalidade dos organismos vivos, vida transmitida pela carne e pelo sangue. Os tempos da cristandade já lá vão.

Eis porquê, na Serra do Pilar, esta tarefa do Catecumenato dos adultos continuará a primeira. … é por aqui o caminho. Duro e difícil. Mas leva lá, este Caminho, ai isso é que leva!»

(Serra do Pilar, Pentecostes de 1994)

da cruz

cruz

abre os nossos olhos, Deus

aos sofrimentos dos que ao nosso lado sofrem,

tu que percorreste a distância que vai

do que se faz no tempo,

ao juízo último

e passaste dos sofrimentos visíveis

à glória da cruz

cordeiro inocente em quem todas as vítimas

do mundo se reconhecem

 

que percorrendo os caminhos obscuros

dos que connosco passam,

te reconheçamos, Deus, que conheces o dia

e a hora das nossas acções e dos nossos desejos

 

acolha-nos a água da tua misericórdia,

Deus do homem para todos os homens,

Deus no Espírito do estremecimento e da alegria

 

(José Augusto Mourão –  O nome e a forma)

Homilia 2014-09-07

A leitura do Evangelho de hoje faz parte de um discurso – de um ensinamento – de Jesus sobre a atitude da comunidade para com o pecado e o pecador (Mt 18, 6/35).

Não se trata de teoria, são casos práticos, da vida das comunidades: “Se o teu irmão pecar…” (18,15), “se escandalizar…” (18,6), “se me ofender…” (18,21), “que atitude tomar com ele?” (12/18): qual a atitude do ofendido para com o injuriador?, “quantas vezes lhe devo perdoar?” (18,21).

Estamos, portanto, diante da questão das relações no interior da comunidade, de qualquer comunidade, e concretamente do perdão, esse tão difícil e hoje menosprezado comportamento cristão.

Não há comunidade nenhuma, cristã ou outra, que não conheça as dificuldades do relacionamento. Causas de todo o género, problemas atuais ou passados, contos e ditos, diferenças de opinião, incompatibilidades, maus juízos de realidades ou pessoas, maledicência e intrigas, etc.

Talvez não seja inútil recordar o caminho ou evolução da legislação ou mesmo da moral de Israel neste capítulo.

A sociedade primitiva obstinava-se a tal ponto com a falta alheia que só admitia, perante ela, uma vingança exemplar: «por uma ferida, matei um homem; por uma contusão, um adolescente» (Gn 4,23). Por isso a vingança podia ser sete ou setenta vezes maior que a falta (Gn 4,24). Perante isto, a lei de talião – «olho por olho, dente por dente» (Lv 24,20) – foi um avanço enorme, pois que, digamos, exigia já uma paridade na vingança.

Mas o mesmo Levítico daria logo um passo em frente. Se bem que não apele ainda ao perdão, insiste na solidariedade que une os irmãos, o que lhes interditava o recurso aos processos judiciais para regular diferendos: «Não te vingarás nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Lv 19,18). Mesmo assim, o Antigo Testamento só apresenta um exemplo de perdão, David, duas vezes magnânimo para com Saúl (1 Sa 24 e 26).

Ainda assim, seria igualmente o Antigo Testamento a dar outro grande passo em frente: «Não faças aos outros o que não queres que eles te façam a ti» (Tb 4,15).

Mas novidade-novidade, só a doutrina de Jesus: «faz aos outros o que queres que te façam a ti» (Mt 7,12), a célebre “regra de ouro”. Por isso, «assim como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos vós também» (Cl 3,13 e 2 Cor 5,20).

O Novo Testamento multiplica os exemplos: o Cristo perdoa aos seus verdugos (Lc 23,34), Estêvão fez o mesmo aos que o apedrejavam (Act 7,60), Paulo idem aspas aos Coríntios (1ª, 4,12/13), etc.

Tudo isto se faz eco de uma descoberta progressiva, de um grande caminho, andado pouco a pouco, durante séculos em cima de séculos, do Levítico ao Evangelho, eco das dificuldades vividas concretamente pelas comunidades mosaicas e proto-cristãs. Mateus, como ouvimos ler, lembrando que o perdão é universal (18,22), tenta dar orientações para a vida comunitária, pois que não há vida que se não confronte com estas questões. As comunidades cristãs não vivem sem problemas: por isso, se bem que se não possa esquecer aquela parte da «oração que o Senhor nos ensinou» – «perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido» -, ele recomenda que, sendo inevitáveis em qualquer comunidade os rancores e os sectarismos, é mais importante manter aberta a via do diálogo que proferir uma condenação. Daí as normas de procedimento em casos como os de «se o teu irmão te ofender».

Muitos procuram erradamente numa Comunidade sabe-se lá bem o quê: pertencer a um grupo exemplar e perfeito em tudo, encontrar um ambiente de vida e de fé caloroso e apaixonante de relacionamento fraterno e diferente, encantador e celestial, poder dedicar-se a esta ou aquela atividade, filantrópica ou outra, participar de um ambiente de pura gratuidade humana…. Mas ficam-se por aqui. Depois vem a desilusão.

Porque estar numa comunidade cristã sem ter consciência de que ela é sobretudo um lugar de perdão é sujeitar-se a desilusões. São inevitáveis as palavras que ferem, atitudes em que a gente tem de pôr-se na frente de outro, situações em que as suscetibilidades se chocam. É por isso que viver em comunidade implica cruz: a primeira tentação será sempre a do isolamento, ou mesmo a do pôr-se fora. Quando digo cruz quero dizer um esforço constante de entendimento, de misericórdia (cor miser = coração compreensivo, não julgador) e de perdão. Por isso Paulo dizia aos Coríntios: «Vós, os eleitos de Deus, seus santos e imaculados, revesti-vos de sentimentos de terna compaixão, de benevolência (bem querer), de humildade, de doçura, de paciência: suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, mesmo que algum tenha motivo de queixa de outro. E, acima de tudo, a caridade, que é o vínculo da perfeição. Que a paz de Cristo reine em vossos corações: é este o objeto do apelo que vos reuniu num mesmo corpo. E, por fim, vivei em ação de graças» (Cl 3,12).

Nas comunidades, é preciso dizer isto e viver isto. No mundo, não é assim; resolve-se tudo com agressões e vinganças, tribunais e, por fim, guerras, sejam elas quais forem. Mas «entre vós não será assim» (Lc 22,26). Entre nós vigore o que o Senhor Jesus Cristo nos ensinou: «Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido».

A Igreja, as comunidades, as famílias, as sociedades são na prática lugares ou sacramentos do amor de Deus aos homens e dos homens entre si. Mas todos sabemos como os grandes amores se desfazem muitas vezes em ódios maiores.

(Pe. Arlindo Magalhães)

A Fábula e a Parábola

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As línguas antigas tinham muito poucas palavras. Por isso, as poucas que existiam referiam muitas coisas. Ainda hoje é assim: – Ó Coisa, chega-me essa coisa!, dizem assim ainda hoje os mundos dos analfabetismos, quando não pior. No hebraico, a língua em que foi escrito o Antigo Testamento, não havia a palavra parábola, havia sim uma outra – mashal – que significava muitas coisas: semelhança, comparação, provérbio, enigma…

No grego, a palavra que deu a nossa parábola – parabolê – significava quase só comparação; mas designava também género literário que transmitia um ensinamento contando uma pequena história baseada na vida real.

Há outros géneros literários semelhantes mas, de facto, diferentes. A fábula, por exemplo: toda a gente conhece a fábula da raposa e das uvas. A raposa olhou, viu as uvas, como não lhes chegava, disse: – Oh, não prestam! Estão verdes! E foi-se. Trata-se aqui de uma história não real. Uma fábula é uma história inverosímil: a raposa não inventa – Estão verdes! – quando não chega às uvas!

A parábola é diferente: é uma história verosímil. O que ela conta pode acontecer. Assim a do semeador e da semente.