Quando aqui cheguei em 1974, encontrei uns dinheiros muito esquisitos: vinham das muitas missas, das promessas, da venda de velas, etc. Já disse que tentei perceber quem guardava esses dinheiros e que destino tinham. Percebi depois que era a romaria do 15 de Agosto.
A comunidade refletiu: donde vem este dinheiro?, como se obteve? e para que serve?
E logo se decidiu: os sacramentos – missas, batismos e casamentos – nesta igreja e comigo deixarão de ser pagos. Teria de ser a Comunidade a pagar o necessário à sua vida, por oferta (dádiva livre) ou partilha (dádiva de parte de algo que cada um possui).
Foi então que descobrimos as cestinhas que ainda usamos, que não permitem se meta a mão para fazer trocos… e acabaram assim os peditórios. As cestas passam pela mão de todos. Na Comunidade, Oferta e Partilha, mas peditório não.
Começámos todos a aprender o que, um pouco mais tarde, o Chico disse assim: “Estaremos atentos às necessidades materiais que devemos prover e assim nos empenharemos por esta responsabilização, ou seja, uma disposição à Oferta e à Partilha, tradução da Fraternidade Cristã”. Eu próprio resumi doutra maneira: “Não é por falta de dinheiro que deixaremos de pregar o Evangelho”.
Era esse o tempo da Etiópia aqui ao lado, na escarpa da Serra, capital da fome e da pobreza, da violência e de uma enorme podridão humana; e passou-se o mesmo que em Betsaida aconteceu: “cinco pães e dois peixes saciaram 5.000 homens” (Lc 9, 10-17, Mt 14,13-21, Mc 6,34-44 e Jo 6,1-15: todos os evangelistas o noticiam). Começámos – na Etiópia aqui ao lado – por atender as crianças, depois passámos aos “Idosos, Reformados e Sós”, e todos os necessitados tiveram que comer até à chegada do Estado…, apenas com “cinco pães e dois peixes”! Coisas da riqueza dos pobres!
E a Comunidade? Aprendeu a partilhar o seu dinheiro ou outra ajuda, acorrendo às necessidades no seu próprio interior em que havia irmãos muito pobres. Ninguém pedia a ninguém e todos ofereciam o que podiam partilhar. E a mão direita não sabia o que fazia a esquerda! (Mt 6,1-18).
Portanto, vão-me deixar abrir a boca.
Agora aqui não há Peditório. Mas também não há Ofertório.
Há muito tempo que só pouquíssimas moedas…
Temos poucos gastos. Mas o negativo das contas, é cada vez pior: a assembleia esquece que algumas coisas — as folhas dominicais já começaram a dizer que quando tal — necessitam da sua dádiva
E só os que verdadeiramente são pobres não podem contribuir.
Quaresma, penitência, oferta e partilha,
… um cigarro a menos por dia, um café igualmente, menos um euro diário no supermercado, daqui para ali vou sempre no meu carro quando decididamente melhor me faria ir a pé…
Como é que é possível tão grande negativo de contas se até a eletricidade não somos nós que a pagamos?, se… os casamentos, os batizados, dão tanto dinheiro? Pois é: “dinheiro pagão” a pagar a vida de uma pequena comunidade cristã! Penso que o Chico se pudesse vinha por aí abaixo!
Mas nem eu nem a “Comunidade da Serra do Pilar” permitiremos que a igreja-edifício de que somos responsáveis se transforme num “Salão de Festas e Eventos”, alugado para pagar as nossas despesas. “A minha casa será de oração e vós fizestes dela um covil de ladrões” (Lc 19,46). Este aviso tem mais de 2.000 anos.
Depois do que disse já no domingo passado, recordo uma coisa que Jesus disse também: “Julgais que eu vim trazer paz à Terra? Não; não a paz mas a divisão! Sou eu que o digo, …” (Lc 12, 51).
* * *
É verdade que algumas vezes Jesus perdeu a cabeça: “Raça de víboras” (atirava-se ele aos fariseus, Mt 3,17)! Como podeis falar de coisas boas, se sois tão maus?” (Mt 12,34). Ou ainda, visando agora os judeus: “Serpentes! Raça de víboras! Como podereis fugir à condenação da Geena [inferno]” (Mt 23,33). E, para acabar, “Sai-te da minha frente, Satanás…” (Mt 4,10) e “Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno…, dirigindo-se a todos os da esquerda – pessoas e povos – no Juízo último (Mt 25,41).
Outra vez, entrou no templo de Jerusalém, fez um chicote de cordas e, gritando, expulsou todos os que ali vendiam e compravam ovelhas e bois, cambistas e moedas, bancas de vendedores de pombas (Mt 21,12 e Mc 11,15-17), gritando, conta João, “tirai-me isso daqui e não façais da casa de meu pai uma feira” (Jo 2,16) nem “um covil de ladrões” (Mc 11, 15-17).
Se ele, algum dia, entrava nesta igreja durante um desses muitos casamentos que aqui se fazem, não tenho dúvida, pegava novamente nas cordas. E, no fim de tudo, acrescentaria: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro…” (Mt 6,24).
Arlindo de Magalhães, 8 de março de 2020