Começámos o Advento. Só que, com uma afirmação destas, podemos estar a laborar em falso. Isto não é “vira o disco e toca o mesmo”, chega-se ao fim volta-se ao princípio; não voltamos ao tempo pagão do eterno retorno. O tempo cristão é progressivo, para a Frente e para o Alto, se bem que o vivamos ciclicamente. Quando falamos de Ano Litúrgico trata-se apenas de pôr um pouco de ordem na casa, de distribuir pelo ciclo de um ano a celebração de todo o mistério de Cristo. Fazemo-lo, entretanto, sempre de modo diferente e progressivo – repito. O ano que começa não é necessariamente igual ao que termina, tudo é diferente, a vida está mais cara, o tempo mais alterado, os filhos mais crescidos e nós mais velhos, etc.
E ninguém celebra hoje o mistério de Cristo, como já o fez há 10, 20 anos atrás. Nem os indivíduos, nem as comunidades.
Entramos, portanto, em Advento, não como no ano passado, não como há 10 anos. Porventura alguns fá-lo-ão connosco pela primeira vez. E, nas comunidades, é sempre preciso, de vez em quando, voltar à catequese.
Esta palavra Advento, etimologicamente vem do latim ad+venire, vir para (lugar ou finalidade). Advento é o tempo de a Liturgia alertar a Igreja e os cristãos para o Dia em que o Senhor “de novo há de vir… para julgar os vivos e os mortos”.
No correr de um ciclo anual, a Liturgia celebra sucessivamente, na Páscoa e no Natal, os maiores mistérios e acontecimentos da História da Salvação (Mistério Pascal e da Incarnação), propõe a reflexão da Antropologia Cristã (Tempo Comum) e faz presente às Igrejas a Escatologia, os Fins, o Tempo que há de vir. Há em tudo isto uma preocupação verdadeiramente pedagógica: para que se perceba e não esqueça. E desde sempre, mas, por maioria de razão, nesta civilização em que o imediato e o material, a qualquer preço, são preocupação única e constante, a fazer esquecer outras dimensões importantes da vida dos homens.
Aos cristãos deste tempo é também preciso lembrar os Fins, o para onde se caminha, o que implica considerar como se caminha e por onde se caminha. Porque nem todos os Caminhos são para a Frente e para o Alto, para o “ponto Omega” que é Cristo. Alguns são caminhos em que podemos tornar-nos verdadeiros “extra-viados” (via > caminho) da Vida, isto é, postos fora do Caminho da Vida. A temática dos Fins é a deste tempo litúrgico: pomos diante dos olhos Aquele que há de vir que é Aquele-que-já-veio.
Os Fins, e o Caminho para eles. Isto não quer dizer, no entanto, que haja um só Caminho para se lá chegar. “Na Casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2). Claro que a direito é mais fácil: “Disse-lhes Jesus: ‘Eu sou o Caminho’” (Jo 14,6). Mas nós os cristãos não podemos sequer pretender a exclusividade do Caminho, como se só o nosso lá fosse dar. Pelo contrário. Temos hoje consciência – e nisto o Vaticano II, nunca é demais lembrá-lo, desempenhou um papel fundamental – que dar as mãos a todos os homens de boa vontade no percorrer destes caminhos é sinal de fé no Homem, em todo o Homem, cujas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias … são as dos discípulos de Cristo, e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS 1).
Por isso a gente vibra com os Sinais dos Tempos que nos falam não apenas nem necessariamente de Deus, mas também do Homem e das suas esperanças – que “a glória de Deus é o Homem vivo” (Stº Ireneu, séc. II) -, sinais positivos e negativos do Homem e da Humanidade, sinais da presença e da ausência de Deus.
O Advento é o Tempo que nos espicaça a Esperança, aguça a perspetiva e ajuda a saborear a Vida, que é tarefa e alegria rumo ao Reino de Deus. “Per visibilia ad invisibilia”, parafraseando Paulo aos Romanos, através das coisas visíveis chegamos às invisíveis (Rm 1,20), por visíveis aqui entendendo:
“Todos estes bens da dignidade, da comunhão fraterna e da liberdade, frutos da natureza e do nosso trabalho, (que) depois de os termos difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu mandamento, voltaremos de novo a encontrar, mas então purificados de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal, “reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”, Reino que está já misteriosamente presente, mas que atingirá a perfeição quando o Senhor vier” (GS, 39).
“Nada serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se a si mesmo se vem a perder. A expectativa da nova terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes ativar a solicitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do mundo futuro. Por conseguinte, embora o progresso terreno se deva cuidadosamente distinguir do crescimento do Reino de Cristo, todavia, na medida em que pode contribuir para a melhor organização da sociedade humana, interessa muito ao Reino de Deus” (GS 39).
Não é verdade que também o que vivemos nos espicaça a Esperança que neste Advento especialmente celebramos?
Arlindo de Magalhães, 9 de dezembro de 2018