Saudação ao Bispo D. Manuel Linda

Visita Pastoral do Bispo D. Manuel Linda 
no 50º aniversário da Comunidade cristã da Serra do Pilar

Senhor D. Manuel , irmão connosco e bispo para nós!

1 – Em Janeiro de 1973 D. António Ferreira Gomes, numa homilia na paróquia de Nossa Senhora da Ajuda, referiu-se à paróquia como comunidade de comunidades, ao padre como missionário e à eucaristia revalorizada como facto solene. “É tempo de pastoralmente mudar e, agora, ou mudamos ou seremos os novos pagãos” – dizia. A Igreja era, então, afirmada como “cristãos em comunidade” ministerialmente organizada.

2 – Em 31 de Outubro de 1974 o Pe Arlindo foi por ele nomeado capelão desta Igreja da Serra do Pilar, sem nenhuma outra tarefa pastoral, tendo tomado posse logo no domingo seguinte, dia 3 de Novembro. O Pe Arlindo ao aceitar, abraçou a missão para a qual se tinha preparado e na qual se sabia e sentia apoiado. Este apoio foi-lhe sendo reiterado por todos os bispos residenciais que, sucessivamente, aqui se deslocaram.

3 – Em 1975, Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi (58) alude às “pequenas comunidades” ou “comunidades de base (…) florescentes mais ou menos por toda a parte na Igreja” que “nascem da necessidade de viver mais intensamente ainda a vida da Igreja; ou então do desejo e da busca de uma dimensão mais humana do que aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir”. 

4 – Do contexto do pós-Concilio Ecuménico Vaticano II, nasceram as opções pastorais aqui vividas: o ecumenismo, o diálogo inter-cultural e inter-religioso, a opção preferencial pelos pobres, o lugar dos leigos na Igreja e no mundo, a iniciação cristã de crianças e de adultos – catecumenato -, a autonomia das realidades terrenas, a Igreja como comunidade de Fé, Esperança e Amor Fraterno, uma Liturgia viva e participada, centrada na Eucaristia dominical, e a organização ministerial da comunidade. 

5 – Senhor D. Manuel, é com gratidão e muita alegria que recebemos a sua visita pastoral para, em comunhão, celebrarmos a Eucaristia, darmos graças por estes 50 anos de vida comunitária e pedir ao Espírito de Deus que nos dê lucidez para ver, sabedoria para julgar e força interior para agir. Hoje somos uma pequena comunidade e, perante o nosso bispo, afirmamos a nossa determinação em manter a “porta aberta e a mesa posta” numa atitude de acolhimento e participação na mesa da Palavra e da Eucaristia e também a nossa determinação de não ficarmos encerrados no templo, mas em “descer o monte”, numa atitude de comunhão com as “alegrias, esperanças, tristezas e angústias” do mundo de hoje.

Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 03 de novembro de 2024

O Espaço Litúrgico na Serra do Pilar

Testemunho do arquiteto José Nobre, sobre o espaço litúrgico e algum do mobiliário criado expressamente para a Comunidade. 

Pela gentileza e condescendência do Padre Arlindo de Magalhães, foi-me dado o privilégio de, há cerca de 40 anos, deixar aqui uma marca pessoal, ao conceber 4 peças, do mobiliário deste espaço litúrgico. Enquanto aqui estiverem, farão parte da história desta singular comunidade (de que me sinto um filho espiritual) e serão participantes desse “memorial” que, a cada Domingo, a cada Páscoa se renova, fazendo da Igreja um legado que se projeta no futuro. Citando o primeiro versículo do Salmo 90, “Senhor, Tu tens sido o nosso refúgio, de geração em geração!” 

Cumpre-me, então, falar-vos destes móveis – “da partilha fraterna”, da “mesa da eucaristia”, do “ambão” (ou “mesa da palavra”) e do “crucifixo” – em função deste espaço onde, um a um, foram criteriosamente dispostos. A estas quatro peças haveria de acrescentar-se, um pouco mais tarde, o suporte do “círio pascal” desenhado pelo meu colega de profissão e bom amigo José Carvalho, filho do mestre carpinteiro que as executou; e os estrados sobre os quais se elevam as mesas e o lugar da presidência. Relativamente a estes últimos, porém, nada saberei dizer-vos pois são posteriores à minha passagem por aqui (entre 1979 e 1983). 

Para falar deste conjunto, convido-vos a sair das paredes do Templo, para observarmos, do Alto, a Cidade! A Serra do Pilar ergue-se no cruzamento do Douro com a longa avenida que parte de Santo Ovídio, atravessa o rio sobre a belíssima Ponte de D. Luís e prossegue, já sem a mesma determinação, até à Igreja dos Congregados. Enquanto cruzamento de artérias – uma fluvial e outra viária – esta localização geográfica é, em si mesma, a representação da Cidade, de uma cidade qualquer: porque toda e qualquer Cidade é um lugar de encontro, um lugar de trocas, de experiências e de interações sociais… Mas, porque aqui chegamos depois de uma subida, depois de um esforço, este lugar concreto tem uma vocação natural para nos fazer parar, descansar, contemplar e restabelecer. Ora, antes que estes móveis fossem desenhados e construídos já a Comunidade era, essencialmente, isto: uma Casa, de “porta aberta e mesa posta!”, como ainda hoje, a si mesma, se define. 

Como a Cidade, a Comunidade da Serra do Pilar é, por natureza, um lugar de Acolhimento e de Encontro; é um ponto de chegada e um ponto de partida! 

Quando aqui entrei, pela primeira vez, creio que no ano de 1979, em busca de refrigério e de esclarecimento, já o espaço litúrgico estava assim ordenado, se bem que com um mobiliário bem mais precário. Não me foi difícil, então, perceber que era no cruzamento das linhas de força, do espaço circular, que estaria a estrutura dos dois primeiros móveis que concebi: o da “partilha fraterna”, que datará de 1981 e o da Eucaristia, do ano seguinte. O primeiro tem quatro faces iguais, é pesado como um túmulo que cala as nossas renúncias e foi ali pousado, no cruzamento das entradas e das saídas. É discreto mas apelativo. Por sua vez, a mesa da Eucaristia, em forma de “masseira”, pretende invocar aquele tão belo versículo (9) do Salmo 34: “Saboreai e vede, como o Senhor é bom!…”. Seguiu-se o “crucifixo”, em 1983: uma estrutura de madeira, um tanto leve, de que a figura de Cristo procura erguer-se, convidando-nos a fixar, no Seu, o nosso olhar! Por fim, o Ambão, de 1984: um “face a face” com o lugar da presidência (são, ambos, lugares de proclamação), cujo desenho segue as linhas da “masseira” eucarística, por se tratar, afinal, de uma “mesma” mesa, ainda que, neste caso, a Mesa da Palavra! 

Como homem de cultura, o Padre Arlindo instituiu, na Serra do Pilar, uma comunidade catecumenal, isto é, uma comunidade que “aprende”, uma comunidade que lê, uma comunidade que estuda! Por isso, a organização do espaço litúrgico, como aliás de toda a liturgia, sempre constituiu, para ele, uma oportunidade de ensino, uma catequese. E é por causa desse legado (deste legado) que hoje, aqui sentados, ao contemplarmos a sobriedade deste granito secular, sentimos que as pedras, os móveis, os objetos litúrgicos, tudo e todos nos falam, nos interpelam e, discretamente, connosco celebram a centralidade do Mistério pascal: “Felizes os que O reconhecem ao partir do pão!”. 

A primeira leitura e o Salmo, deste XXX Domingo, do Tempo Comum (Ano B) falam-nos de um “regresso” jubiloso, do povo de Deus, a Casa. Assim me sinto eu de cada vez que aqui volto! Mas também aqui aprendi que não nos devemos acomodar! Antes somos convidados a “descer o Monte” para vivermos, qual fermento, o Tempo Comum, dos dias comuns! Então, o meu desejo, a minha oração, vai no sentido de vos propor que não nos fiquemos pela nostalgia dos tempos passados! Pelo contrário: que aquilo que aqui vivemos e, como hoje, continuamente experimentamos, sejam o alimento que nos projeta para o futuro, para a Missão, na Cidade e no Mundo. 

Que assim seja! 

José Nobre
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 27 de Outubro 2024

A Música na Serra do Pilar

Testemunho do maestro e compositor Fernando Lapa, acerca do lugar da música litúrgica e da sua participação na Comunidade.

Em tempo de celebrações, fui convidado a dar o meu testemunho relativamente à música litúrgica nesta comunidade. Devo dizer desde já por indisponibilidades e impossibilidade de dedicação exclusiva, nunca fui o responsável musical do coro da Serra do Pilar, embora me tenha considerado ao seu serviço prioritariamente como compositor. Nessa qualidade fui escrevendo diversos cânticos para a liturgia, quase sempre sobre textos de grande qualidade litúrgica e poética, da autoria de uma dupla que deixou marcas em tudo o que escreveu: o P. Leonel de Oliveira e o Manuel Neto. É de alguns destes assuntos que quero deixar notas breves, sublinhando alguns pontos que me parecem distintivos da prática musical da comunidade e que de alguma forma marcaram grande parte do que se fez nesses domínios.

O P.e Arlindo Magalhães desempenhou desde o início um papel primordial na construção e sedimentação da comunidade, surgindo como verdadeiro catalizador de tudo o que nela se foi criando, construindo e desenvolvendo, lançando ideias e iniciativas, suscitando colaborações, participações, empenhamentos. 

A Eucaristia sempre foi entendida e sentida como o centro da vida cristã da comunidade. Decorrente deste princípio, prestou-se a máxima atenção à palavra, aos gestos, aos sinais, ao espaço da celebração, aos diferentes elementos simbólicos, ao canto e aos seus níveis de participação (o celebrante, a assembleia, o coro, os solistas, os instrumentistas).

A música sempre foi sentida e entendida pela comunidade como elemento de grande importância na sua dimensão celebrativa. Essa relevância está implícita na forma como tudo se foi organizando a partir da acção mobilizadora do seu presidente, P.e Arlindo Magalhães, mais tarde secundado pelo P.e Leonel de Oliveira e desde sempre apoiado por um grupo de jovens (alguns menos jovens) que foram formando o coro ao longo dos tempos e que à parte musical dedicaram a sua generosidade e entusiasmo. Todos foram crescendo na sua aprendizagem e na experiência de comunidade e de igreja, abrindo-se também a novas práticas e experiências musicais. Isso se tornaria suporte e estímulo para um canto que cada vez mais se fez de todos, à medida que a assembleia foi aprendendo a apropriar-se dos textos e músicas que se foram criando e ensaiando. As várias funções e ministérios foram sendo suscitados pelas necessidades da comunidade, nos vários níveis de participação que foram exigindo: coro, solistas, instrumentistas, director do coro, directores do canto da assembleia e outros. 

No que respeita à criação da música para a liturgia, faz sentido referir aqui a equipa que tomou a seu cargo essa missão, por proposta e estímulo constante do P.e Arlindo: o P.e Leonel de Oliveira, o Manuel Neto e eu próprio.  Nesta demanda, ao longo dos anos, diversos enquadramentos e preocupações foram norteando a nossa actividade. Sublinho resumidamente alguns deles.

Numa procura de renovação, alguns exemplos de música litúrgica de outros países, nomeadamente da comunidade de Taizé, constituíram uma referência e estímulo, pela riqueza das suas formas, pela simplicidade e beleza de alguns processos retirados da música do passado e por técnicas de grande resultado expressivo e de ambientes mais próximos das músicas do mundo. Também a rica tradição musical da Igreja nos forneceu inspiração e estímulo, tanto na prática e exemplo do canto gregoriano como da polifonia antiga. 

Mas tornava-se imperioso encontrar novos cânticos e repertórios, que respondessem às necessidades particulares da comunidade e pudessem ser assumidos como cânticos de todos. Alinho resumidamente alguns pontos desta procura:

  • a necessidade de encontrar formas de expressão mais adequadas e acessíveis a todos, mas ao mesmo tempo com abertura para outros registos, sensibilidades e exigências, nomeadamente no que respeita ao coro;
  • a perspectiva de desenvolver formas mais completas e expressivas para o canto da assembleia, estimulando a participação e mobilizando para a mudança; 
  • a criação de escritas corais que, partindo de bases mais acessíveis a todos, pudessem ir fazendo evoluir as vozes e os conjuntos, na procura de uma maior riqueza da expressão; 
  • a potenciação dos instrumentos (órgão, as guitarras, o baixo elétrico, as flautas) que foram existindo dentro do núcleo do coro, e a que pontualmente foram sendo acrescentados outros (trompete e piano, por exemplo) em nome da excepcionalidade ou particularidade de alguns momentos celebrativos;
  • a perspectiva de trabalhar num campo musical um pouco mais aberto que o da tradição da música da Igreja, que pudesse ajudar a renovar práticas e expressões e a construir linguagens com alguma sintonia relativamente à música do nosso tempo; (Apesar disso nunca se abriu a porta a qualquer importação primária de música ligeira, seja da música rock ou pop e muito menos dos géneros mais “rasteiros” da música popularucha).
  • a procura de correspondência do trabalho musical com a excepcionalidade dos textos que o P.e Leonel e o Manuel Neto foram produzindo ao longo do tempo, tendo constituído um estímulo e um extraordinário desafio para a escrita musical. 

Faço referência ainda ao longo trabalho realizado sobre os salmos, em grande parte repensados e revistos para a Liturgia das Horas, em textos destinados a serem cantados, onde a proximidade com a escrita poética, o ritmo das palavras, a sonoridade, a qualidade da escrita, são determinantes. (Foi um trabalho de anos, inesquecível, às quartas-feiras, em casa do P.e Leonel – a casa de todos, na Viela do Anjo, no Porto).

Refiro de passagem alguns cânticos maiores: O Salmo 50, o Grande Hallel, os Introitos para as grandes festas do Natal, da Páscoa, do Pentecostes, os Introitos do Advento e da Quaresma, os salmos da Vigília pascal, os cantos eucarísticos; os cantos para a celebração do Matrimónio. E junto ainda os vários cantos para o ordinário da missa, as aclamações e cantos para as Preces, os salmos responsoriais ou para a Liturgia das Horas, a música para celebrações com as crianças, cantos para a catequese ou o Catecumenato.

Quero também lembrar as vozes inesquecíveis do P.e Arlindo e do P.e Leonel, na presidência das celebrações, cantando o Prefácio ou as Aclamações do Final da Anáfora, que sempre recordarei emocionado.

Gostaria de referir e sublinhar finalmente dois momentos particulares da presença música para a liturgia criada na comunidade da Serra do Pilar: o trabalho realizado para o Precónio – um dos momentos mais altos da extraordinária celebração da Vigília Pascal; e um concerto invulgar, com 3 coros e vários instrumentistas, em que a propósito da celebração do Vaticano II se fez uma resenha da música criada para esta comunidade. 

O Precónio Pascal é uma parte significativa da mais importante celebração da liturgia cristã: a Vigília Pascal. Momento excepcional, pela sua amplitude, pela riqueza dos textos e pelo sugestivo e profundo significado dos gestos e dos sinais, este é um hino maior. Com ele se encerra a primeira parte da vigília pascal: a liturgia da luz.   

Tendo em conta as características únicas desta celebração e a importância que a Comunidade da Serra do Pilar sempre atribuiu à liturgia, propusemo-nos repensar esse importante momento celebrativo.  Neste trabalho de equipa – o P.e Leonel de Oliveira, o Manuel Neto e eu próprio – se refizeram e reequilibraram os textos, criando-se a música que os suporta e amplifica. Corria o ano de 1998.

Como momento litúrgico privilegiado que é, o excepcional texto do Precónio requereu tratamentos musicais mais amplos e mais abertos, sugerindo meios e processos que não serão de todos os dias em qualquer uma das nossas comunidades, não apenas no tipo de escrita musical apresentado, mas também nos meios que mobilizou (coro, assembleia, solistas, duas flautas, trompete, guitarra, baixo eléctrico, piano e órgão). 

Apesar de tudo, a linguagem musical utilizada e as ferramentas musicais que a suportam pretendem equilibrar dois vectores distintos: o carácter funcional de uma música que cumpre um papel na celebração de toda a comunidade (música em que todos participam, portanto, sem prejuízo de outras formas qualificadas de participação, tais como o coro, os solistas, os instrumentos); e uma perspectiva de abertura e de algum alargamento relativamente aos meios e às ferramentas musicais da arte do nosso tempo (procurando criar portas para uma expressão mais aberta e mais projectada). E, também nisso, pascal.

A propósito dos 50 anos do Vaticano II, a comunidade da Serra do Pilar organizou um ciclo de eventos vários – entre conferências, debates ou outros formatos – tendo previsto também um “concerto” dedicado à música litúrgica (já que a liturgia e a sua música tiveram e têm particular relevância na comunidade). 

A sequência dos vários tempos litúrgicos foi o fio condutor com que pretendemos articular as peças desse concerto. No centro de tudo colocámos a música do tempo pascal, sobretudo três distintos momentos do Precónio, o canto maior da celebração da Páscoa nesta comunidade. Como separadores e comentadores das peças musicais, decidimos convocar também alguns poemas de José Augusto Mourão. São textos quase litúrgicos que prolongam, a seu modo, a força, a expressividade, a verdade e a beleza de todos os textos que o P.e Leonel e o Manuel Neto escreveram e que eu tive o privilégio de musicar. 

Foi uma espécie de celebração-concerto, à volta da música que nasceu nesta e para esta comunidade, como consequência das promessas do Vaticano II (que como sabemos, estão bem longe de se terem cumprido, também na música e na liturgia…). Participaram 3 coros e diversos instrumentistas convidados que nos ajudaram nessa festa da nossa música.

Fernando Lapa
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 20 de Outubro de 2024

 

A Presidência Leiga na Serra do Pilar

Testemunho de Margarida Ferreira e José Campos, sobre a presidência leiga que assumiu a liderança quando o presbítero Arlindo Magalhães, responsável da comunidade, se ausentou para fazer o doutoramento.

Vai, Serra do Pilar!

Foi com esta frase que dom Júlio Rebimbas, o bispo do Porto, terminou a sua homilia, quando veio “impor as mãos” à presidência leiga desta comunidade… Corria o ano de 1992.

Dos quatro que assumimos, então, esse ministério, estamos dois, aqui hoje, a dar o nosso testemunho.

E de cada vez que falamos entre nós sobre esta vivência, ficamos de novo os quatro: o Vasco, a Dona Manuela, o Campos e a Margarida.

A presidência da Comunidade marcou-nos e uniu-nos, muito para lá da ganga da vida ou da fragilidade de todas as realidades humanas. Tão forte foi a experiência, tão profundamente assumida por todos, que nem mesmo a morte foi capaz de dividir ou separar o que o Espírito de Deus, um dia, uniu!

Julgo que nunca nenhum de nós percebeu bem porque é que tinha sido escolhido de entre tantos, com iguais ou mais capacidades; mas a verdade é que o ministério nos foi entregue a nós e nós, em conjunto, o aceitamos.

Escrevia, então, o nosso presbítero Arlindo:

“No Sábado, dia 03 de Outubro, à noite, pelas 21.30H, virá até nós o Bispo da Diocese – o Senhor Dom Júlio – presidir à nossa Eucaristia dominical (num Sábado, por sobrecarga da sua agenda) e investir em ministério aqueles que, de entre nós, vão assumir a tarefa da presidência. Estarão certamente connosco amigos de vários lados, todos conscientes de que o passo que inauguramos é importante, é novo e é de monta: o próprio facto de vir até nós o Bispo, só por causa disso, diz da importância do desafio que assumimos.”

E que desafio!

Uma novidade, então e ainda hoje, infelizmente, numa Igreja onde todos são chamados a ser Santos, mas onde tantos continuam sem pôr a render os seus muitos talentos por comodidade pessoal ou por causa das leis dos homens que teimamos em considerar desígnios de Deus.

Durante quatro anos, houve uma presidência leiga numa comunidade cristã em Portugal! Aqui, na Serra do Pilar!

Durante esses quatro anos, toda uma comunidade se esforçou por assegurar a nossa vida em comum. Muitos foram os desafios, num caminho nem sempre claro, nem sempre fácil, mas sempre partilhado. A Assembleia cresceu, os serviços/ministérios funcionaram, os carismas foram postos a render como sempre o tínhamos feito até então.

As acesas discussões no Conselho da Comunidade nunca beliscaram a nossa união, e foram sempre transformadas em diferentes formas de avançar e desbravar o caminho desta pequena parcela do Povo de Deus. Sempre com a porta aberta, sempre com a mesa posta para todos quantos connosco quisessem partilhar a vida e viver a fé. Sempre com um profundo respeito pela liberdade dos filhos de Deus.

A presidência leiga da Comunidade Cristã da Serra do Pilar foi, para nós – julgo poder dizer, para cada um de nós quatro – uma escola de vida.

Tudo era decidido em conjunto e sempre por consenso, distribuindo pelos quatro as diferentes funções, atendendo às capacidades e carismas de cada um: lembro, a título de exemplo, o cuidado e a dedicação do Vasco na preparação da cada celebração dominical; ou o trabalho incansável da Dona Manuela junto das várias instituições públicas e sociais, ajudando a criar pontes e a incentivando a Comunidade a “descer o monte”.

Muitas foram as reuniões que duraram tardes inteiras, na casa pastoral… e descobrimos em conjunto que nada do que é verdadeiramente importante se faz sem esforço e sem um enorme compromisso pessoal.

E isso implica capacidade de ouvir, de sofrer, de se superar e uma grande dose de paciência – porque nos recusamos a avançar sozinhos!: os “tempos” e “as velocidades” de cada um são para ser respeitados, e isso é uma aprendizagem das mais difíceis de fazer em comunidade. Diríamos que cumprimos bem o que nos pede São Paulo: que nos “aturemos” uns aos outros!

E, no final dessa longa experiência, conhecíamo-nos e amávamo-nos uns aos outros, muito mais do que quando começámos! E mantivemo-nos sempre juntos, e muito, muito próximos, ainda que a vida (e a morte!) nos tenha enviado por caminhos tão diferentes!

Valeu a pena? Claro que sim!

Se temos saudades de um futuro onde fosse possível uma evolução na continuidade que nunca chegou a acontecer – por vontade do presbítero então regressado, por vicissitudes da vida ou porque assim tinha de ser? – e que poderia ter levado a outras realidades e desafios também vividos em comum unidade?

Muitas!

Mas ainda assim, tudo somado, voltaríamos a fazer tudo de novo e a darmo-nos da mesma forma à tarefa que nos foi confiada.

Na certeza de que, mesmo quando damos tudo o que temos e somos, e o fazemos da melhor forma que somos capazes, nada é eterno ou tem garantia de continuidade. E quando o sabemos e ainda assim o decidimos fazer e assumir, então é porque o fazemos de Graça.

E por isso, a experiência em si, é suficiente para que nos sintamos gratos e para que possamos continuar a dar Graças – a Deus e aos irmãos e companheiros de caminho – e seguir na vida, tentando encontrar outras formas de ser sal na terra e luz no mundo!

(Um aparte pessoal: há muito que não faço parte da Comunidade Cristã da Serra do Pilar, mas a Comunidade Cristã da Serra do Pilar será sempre parte em mim.)

Aqui nos fizemos, aqui nos desfizemos, aqui nos refizemos, vezes e vezes sem fim!

Por isso também, estaremos sempre muito, muito Gratos!

Obrigada, Serra do Pilar!


Margarida Ferreira
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 13 de outubro de 2024

O Ecumenismo na Serra do Pilar

Testemunho de José Sequeira, elemento da Igreja Lusitana do Torne (Comunhão Anglicana), sobre a experiência da relação ecuménica com a Comunidade.

Permitam-me que comece por citar o salmista: 

“Que alegria quando me disseram: 
‘Vamos à casa do Senhor!’. 
Os nossos passos se detêm às tuas portas, ó Jerusalém. 
Jerusalém, cidade bem construída, harmoniosamente edificada, 
Onde sobem as tribos, as tribos do Senhor, como testemunho para Israel, para louvarem o Senhor”
(Sl 122,1-4). 

É, de facto, com muita alegria que, tal como as tribos que sobem a Jerusalém, hoje, como muitas vezes o faço, subi o monte que nos dá acesso a este Mosteiro onde esta comunidade, que desde já felicito, há cinquenta anos, se reúne para louvar o Senhor. E, juntamente comigo, trago a saudação muito carinhosa e calorosa de toda a comunidade da Paróquia de São João Evangelista – Igreja do Torne e do Pároco, Presbítero Jaime Dias. Trago também uma palavra amiga de D. Jorge Pina Cabral, Bispo Diocesano e companheiro de muitos anos da nossa caminhada conjunta. 

Comunidade que, num contexto difícil de um conturbado período político-social com as inerentes rupturas e respectivas dores de crescimento, se instalou neste belo e histórico Mosteiro, oferecendo, desta forma, um espaço de acolhimento que apostava numa actividade pastoral inovadora, pretendendo redescobrir “o rosto verdadeiro da Igreja, enegrecido, talvez escondido, por poeira de séculos”, conforme afirmou o Presbítero Arlindo quando, no dia 3 de Novembro de 1974 tomou posse e onde a Bíblia e a vida das primeiras comunidades cristãs se tornariam referências fundamentais. Sim, basta lermos o Livro de Actos dos Apóstolos para tirarmos ilacções da Igreja do I século e ver como ela nos fornece instrumentos necessários para o nosso tempo. Esta Comunidade, fugindo dos esquemas pastorais predominantes, ousou mergulhar no contexto da Igreja primitiva, mudando, assim, o paradigma da percepção de compromissos dominantes na realidade eclesial, o que a levou a enfrentar novos e nem sempre fáceis desafios. O singular trabalho pastoral, mas de grande alcance, não deixou de ser um risco, conforme o próprio P. Arlindo reconheceu. Mas, as incertezas em que então se vivia na sociedade portuguesa apontavam para mudanças de paradigmas. 

E, nesse contexto, não podia faltar a formação laical através de, entre outros, o curso de catecumenato, que se tornou o centro de experiência pastoral. No final do Evangelho de hoje (Mc 10,2-16), Jesus troca as voltas aos Seus discípulos ao acolher com amor e ternura as crianças que lhe trouxeram. Com isto, Jesus está-lhes a dizer que no centro da Sua comunidade devem estar sempre os mais pequenos, os mais frágeis, os mais débeis. Sim, devemos ter a ternura, a inocência e a pureza das crianças. Mas, ser como criança não é ser infantilizado. Não é ser imaturo, e muito menos ter fé de criança, mas, antes, ter fé de adulto e ter consciência que tudo, absolutamente tudo, nos é dado pela graça de Deus. 

Foi esse o objectivo dos cursos de Catecumenato, onde o ensino da fé destinado a adultos e a formar cristãos adultos na fé, fornece instrumentos para aprofundar o mistério pascal de Cristo descrito nas Escrituras e percebê-lo dentro da História da Salvação, bem como a capacidade crítica da sua leitura e a consequente tomada de consciência da definição da Economia da Salvação, construindo, assim, a dimensão comunitária da fé. É o alimento sólido da realidade de que nos fala Santo Agostinho num dos seus sermões (cf. Sermão 21.3). 

Mas, a Comunidade não estava voltada exclusivamente para si, pois o empenhamento social é uma das suas características marcantes. “O fundamento”, conforme há cerca de duas semanas, em representação desta Comunidade, o nosso irmão em Cristo e meu bom amigo José Campos afirmou ao programa Sociedade Civil da RTP, “é descer o monte, pois o nosso lugar é no mundo, na construção de um mundo melhor que é o projecto divino”. Isto é nem mais nem menos do que amar o Senhor, servindo os homens. É pôr a capacidade pastoral ao serviço dos mais necessitados, dos que sofrem, dos que são marginalizados, ligando, assim, a Palavra de Deus à Vida. É o que os nossos irmãos ortodoxos chamam a liturgia após liturgia. É aquilo que, nós anglicanos, dizemos em oração no final da Eucaristia: “Pai todo-poderoso (…) envia-nos ao mundo, no poder do Teu Espírito, a fim de vivermos e trabalharmos para Tua honra e glória” – LIL p. 121). 

E foi neste contexto de descer o monte que o P. Arlindo fez, ainda nos anos setenta do século passado, uma visita à Igreja do Torne para dar a conhecer a então recém-formada comunidade da Serra. Foi recebido pelo Cónego Guedes Coelho, também já falecido, que lhe abriu as portas de par em par, criando, desde logo, oportunidades de actuação conjunta, desenvolvendo alguns projectos de acção solidária. Permitam-me que, tendo sido o P. Arlindo um grande cinéfilo, cite a frase que Humphrey Bogart no papel de Rick Blaine dirige ao capitão da Polícia Louis Renault no final do filme Casablanca: “Isto é o começo de uma bela amizade”. 

Não sei se disserem um ao outro esta frase, mas foi, de facto, o ponto de partida de uma bela, leal e fraterna amizade na caminhada conjunta das nossas duas comunidades. Para além de eucaristias celebradas em conjunto (algumas delas bem documentadas na exposição fotográfica patente nesta Igreja) em dias mais ou menos significativos quer para uma, quer para outra comunidade, reuniões de preparação (com o nosso irmão em Cristo e meu querido amigo Adelino Rosa sempre presente em representação da Serra), reuniões de Oração mensais ora na Serra, ora no Torne, caso único no país, que duraram ininterruptamente desde o Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos em Janeiro de 1980 até à crise da pandemia em Março de 2020 e ainda não retomadas por circunstâncias várias. 

Podemos, a Comunidade do Torne e a Comunidade da Serra, estar meses sem nos encontrarmos, mas nada muda na nossa amizade. Quando nos encontramos é como se o tempo não tivesse passado. Contudo, devemos continuar a caminhar juntos, nos mesmos ou em outros moldes pois, “a unidade da Igreja é um facto perpétuo; a nossa tarefa não é criá-la, mas dar testemunho dela” (William Temple, Arcebispo de Cantuária de 1942 a 1944). Por outro lado, a concepção de “caminhar juntos é um processo no qual a Igreja, dócil à acção do Espírito Santo e sensível em acolher os sinais dos tempos, se renova continuamente e aperfeiçoa a sua sacramentalidade para ser testemunho credível da missão a que foi chamada” (Papa Francisco – XVI Assembleia Sinodal). 

Faço votos de que aprofundemos o desejo de cooperação de tal forma que abramos mais e mais as portas àqueles que nos procuram, conforme o testemunho que recebemos e que passaremos aos vindouros e, desta forma, alcancemos cada vez mais pessoas, levando-lhes a esperança outorgada por Nosso Senhor Jesus Cristo. 

“O Senhor abençoa os que n’Ele confiam”. Assim reza o v. 4 do salmo 128 (127) indicado para hoje. Que o Senhor abençoe as nossas comunidades. 

José Sequeira
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 06 de outubro de 2024 

O Catecumenato na Serra do Pilar

Testemunho de Paulo Melo, professor de História aposentado e membro do Metanoia, sobre a sua experiência do Catecumenato, que durante largos anos marcou a vida da comunidade.

Aqui na Comunidade Cristão da Serra do Pilar vivi, aprofundei e celebrei a Fé durante cerca de 26 anos, entre 1976 e 2002. Nesta comunidade cresci como pessoa e como cristão.

Por isso, agradeço o convite que me fizeram para agora partilhar convosco quão importante foi para mim essa vivência comunitária, nomeadamente a dinâmica catecumenal.

Permitam-me que antes de nela me deter, recorde umas quantas dimensões da vida desta comunidade que foram para mim especialmente relevantes e que, aquando da morte do Presbítero Arlindo Magalhães tive a intenção de publicar, o que por preguiça nunca cheguei a fazer.

Escrevia então: 

“…na Comunidade Cristã da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, adotamos como lema “Ter Rosto e Nome”, tendo como presbíteros Arlindo Magalhães e Leonel Oliveira e posteriormente José Maria Cabral Ferreira, já falecidos. Aí participei numa dinâmica de intensa vida comunitária no Catecumenato, enquanto catecúmeno e posteriormente como responsável pelo módulo de História da Igreja, na atenção aos sinais dos tempos, com um efetivo envolvimento e responsabilização dos seus membros nos desafios da evangelização. O cuidado posto na liturgia e no estudo e meditação da Bíblia contribuíram para iluminar a partir dos valores evangélicos os acontecimentos na nossa vida pessoal e coletiva, no respeito pela capacidade de discernimento de cada um. 

Quando o Padre Arlindo se ausentou para o concluir o seu doutoramento em Salamanca, a presidência da comunidade foi assumida por três leigos, sem prejuízo para a vida comunitária. Com alguma frequência eu e outros membros da comunidade fomos desafiados a fazer a homilia”

A permanente atenção à vida, aos acontecimentos locais, nacionais, universais, aos sinais dos tempos, a sua leitura à luz dos valores evangélicos, contribuíam para uma vivência comunitária da fé que não se limitava a uma devoção individual tendo em vista a “salvação da alma”, antes se traduzia numa presença evangelizadora Igreja, Povo de Deus a caminho, procurando pôr em prática as palavras do Senhor “ … eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10, 10)

A ação no bairro degradado da escarpa da Serra, o compromisso no Bairro da Sé, a campanha contra a abertura do comércio aos domingos, um encontro na garagem, num sábado à tarde, de contextualização histórica do conflito israelo-palestiniano que preparei com a minha amiga Céu Tostão são momentos que recordo deste cuidado em ter presentes as questões da Justiça e da Paz na vida da comunidade, era na formulação de então “destruir o templo e descer o monte”.

A preocupação com o acolhimento daqueles que, vindos de muitos lados, procuravam a Serra para celebrar a eucaristia é outra das características que relevo. Não eramos anónimos, tínhamos rosto e nome, partilhávamos alegrias e tristezas. Como companheiro de caminho mais velho, o presbítero Arlindo partilhava regularmente a refeição com membros da comunidade. O partir do pão eucarístico, gesto que Jesus escolheu para se tornar para sempre presente, era o culminar duma verdadeira vida partilhada, pelo menos assim o desejávamos.

Um núcleo significativo da comunidade vivia no território contíguo em Vila Nova de Gaia. Muitos outros, esse era e meu caso e o da minha família, vinham de territórios vizinhos por reconhecerem nesta comunidade uma outra maneira mais livre, mais comprometida, mais fraterna de viver a Fé. Pessoas de todas as condições sociais conviviam, contribuindo cada um com os seus dons para a vida em comum, sem discriminações. 

O cuidado posto na música litúrgica, os concertos, as exposições, nomeadamente a dos 25 anos da Serra e de ordenação do Padre Arlindo, em cuja montagem colaborei, os passeios, as conferências e mesas redondas muito contribuíram para alargar os horizontes culturais dos membros da comunidade. Homem culto e inquieto, em diálogo com a pensamento e as artes contemporâneas, especialmente o cinema, Arlindo Magalhães sempre cuidou, com o envolvimento de muitos membros da comunidade, de promover um ambiente cultural variado e enriquecedor.

No que me diz respeito, não posso deixar de evocar a bênção do meu casamento com a Graça. Ambos divorciados, vimos o nosso casamento abençoado pelo presbítero e pelo padre José Maria Cabral Ferreira numa celebração já antes ocorrida em circunstâncias idênticas, o que comprova a sua ousadia pastoral, sem ficar refém de códigos incompatíveis com as vicissitudes das vidas: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Assim, pois, o Filho do homem é Senhor até mesmo do sábado” (Mc 2, 27-28).

Muito do que relembro procede diretamente do Catecumenato, isto é, duma formação consistente na Fé cristã na sua vertente católica, proposta a adultos a que muitos acorreram enquanto fundamento da vivência comunitária. 

A dignificação dos sacramentos, não pagos,  a começar pela eucaristia não banalizada em celebrações diárias, a consciência da Igreja como Povo de Deus a Caminho com a consequente igualdade entre todos os crentes, sem distinções hierárquicas, a atenção aos sinais dos tempos, com reconhecimento da autonomia das realidades terrenas, a vivência ecuménica regular, em especial com a Igreja do Torne, a prioridade aos mais pobres, tudo isto tem como fundamento o Catecumenato, uma vivência adulta da Fé.

Era um caminho exigente, de quatro anos, com encontros semanais e pequenos grupos de oração. Não se tratava de doutrinação ou “pastilhas de informação”, mas de um consistente percurso de formação com guiões elaborados pelo presbítero em que se estudava a História da Salvação, os Sacramentos, a construção do Ano Litúrgico e a História da Igreja. Divididos em pequenos grupos tínhamos um tempo regular de oração que nos aproximava e ajudava a ser comunidade.

Fui catecúmeno. Faltou-me um ano em que trabalhei fora. Fui também formador no módulo de História da Igreja, seguindo sempre o guião estabelecido pelo presbítero. 

O meu jeito, sempre imperfeito e à procura, de ser cristão, os meus conhecimentos sobre a Bíblia, a organização da Igreja Católica e a sua História procedem, em grande parte do percurso que fiz enquanto catecúmeno e animador do Catecumenato na Serra do Pilar, bem como da participação em toda sua vida durante 26 anos. 

Nem tudo é perfeito, as comunidades cristãs são constituídas por pessoas com virtudes e defeitos, onde, por vezes, sobrevêm conflitos e mal-entendidos que perturbam o sentido de pertença. Não cabe neste momento de celebração dos 50 anos da comunidade analisar as circunstâncias que me levaram a mim e a muitos outros membros a procurar outros caminhos. Espero que este meu testemunho possa contribuir para renovar a vida desta comunidade na fidelidade aos princípios que a fundamentam.

Celebro na Paróquia da Antas de que faço parte, sou associado do Metanoia – Movimento Católico de Profissionais e são experiências em que me empenho e dão sentido à minha vida, mas para mim, o que vivi na Serra foi o que mais se aproxima do que intuo serem as primeiras comunidades cristãs, animadas pela esperança do Reino anunciado e vivido por Jesus Cristo, mas também elas passaram por tensões e confrontos.

Paulo Melo
Vila Nova de Gaia, Mosteiro da Serra do Pilar, 29 de setembro de 2024