Meus irmãos:
No nosso tempo, lavar os pés a alguém é gesto anacrónico, necessário apenas se se trata de pessoas muito idosas… e que não cheguem já aos pés! Era, no entanto, um gesto de respeito e muita atenção no mundo antigo, em que os caminhos estavam cheios de pó que entrava por todos os poros.
Chegado à Liturgia por via da cena evangélica de João, na Idade Média, era o primeiro gesto de uma celebração batismal (era o bispo que lavava os pés ao batizado, como que fazendo o que o Senhor deixara dito: “como eu fiz, fazei vós também” (Jo 13,15): o batizado tinha de frutificar em obras de caridade. Depois, o monge, na celebração da sua profissão religiosa, lavava os pés aos que passavam a ser seus irmãos). Finalmente, o gesto entrou na Liturgia de 5ª feira Maior: lavavam-se os pés aos penitentes que neste dia eram reintegrados na comunhão eclesial; o que quer dizer que tinham sido colocados fora da Comunidade; para serem reintegrados na comunhão da Igreja tinham de cumprir uma espécie de catecumenato penitencial, dando provas de que estavam arrependidos do pecado gravíssimo que tinham feito: homicídio, adultério ou apostasia.
Aqui estais, portanto, Irmãos, no fim do vosso catecumenado, a lavar os pés a um batizado. “Reconhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). A provar que estais maduros para a lei da caridade.
Em princípio, regressais à geral. Se é que na Comunidade há especial. E a geral é que, “na Igreja, nem todos seguem pelo mesmo caminho, mas todos são chamados à santidade. Reina igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, ambas comuns a todos os fiéis” (LG 32), sabendo embora que “o estado de vida laical tem na índole secular a sua especificidade” (CL 55,4).
De facto, “Do mesmo modo que num corpo vivo nenhum membro tem um papel meramente passivo, mas antes, juntamente com a vida do corpo, também participa na sua atividade, assim também no Corpo de Cristo, que é a Igreja, todo o corpo ‘segundo a função de cada parte, opera o próprio crescimento’ (Ef 4,16)” (AA 2,1). Nesta perspetiva, sendo “própria e peculiar dos leigos a característica secular (…), compete-lhes, por vocação própria, procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus … concorrendo para a salvação do mundo a partir de dentro como o fermento” (LG 31,2).
Trocando isto em miúdos: “O campo próprio da atividade evangelizadora dos leigos é o mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos mass media e, ainda, de outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento” (EN 70), isto é, “Os leigos não podem absolutamente abdicar da participação na política, ou seja, da múltipla e variada ação económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum” (CL 42,2).
No entanto, “Porque participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, têm os leigos parte ativa na vida e ação da Igreja. A sua ação dentro das comunidades eclesiais é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, a maior parte das vezes, todo o seu efeito” (AA 10). Mesmo assim, “A primeira e imediata tarefa dos leigos não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial – esse é o papel específico dos pastores – mas sim o pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do mundo” (EN 70,2).
O futuro nos dirá se estais agora maduros para, no Mundo e na Igreja, serdes neófitos, isto é, novos iluminados (pela Luz que é Cristo) nesta viagem para o Reino que é a vida intra-histórica.
O Senhor esteja convosco!
Arlindo de Magalhães, 29 de Março de 2018
LITURGIA
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