Meus irmãos: Sou pessimista? Somos pessimistas? Parece e apetece sê-lo, mas não sou, nem somos. É preciso saber esperar… Julgávamos — eu julgava — que, depois do Vaticano II e depois de tanta coisa, até do Papa Francisco, começaríamos a colher os frutos da nossa Esperança. Mas não. Por isso, voltamos a acender a fogueira para não morrermos enregelados no frio da noite.
O otimismo da Cruz quase nos leva a dizer, com todos os revolucionários, “quanto pior, melhor”! Mas não: é que entre o melhor e o pior há a mediocridade, “nem frio nem quente” (Ap 3,15), que não leva a sítio nenhum.
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, escreveu uma vez numa carta a um amigo: «Pergunto-me a mim mesmo porque é que não foram os senhores piedosos a descobrir a Psicanálise, mas sim um judeu, ainda por cima ateu! Séculos e séculos com os problemas da alma, em contacto permanente com o foro interno, confessores e pastores não viram que o rei vai nu!».
Jesus disse-nos que aos homens não serão perdoados os pecados contra o Espírito Santo (Mc 3,38; Mt 12,31; Lc 12,10). E nós sabemos que hoje, tal como na política e na sociedade, são a indiferença e/ou a superficialidade que mais tédio geram, que mais matam sem dor, verdadeiro cancro que devora os tecidos vivos do Corpo das Igrejas e não deixa ouvir o que o Espírito lhes diz (Ap 2 e 3).
Não é preciso ser muito inteligente para detetar o mal da Igreja que está em Portugal. Basta passar pela Liturgia de um qualquer lugar, tomar-lhe minimamente o pulso e auscultar-lhe a respiração ou o cardíaco, mesmo sem estetoscópio, para perceber que ali não está o Espírito de Jesus, embora metam nas nossas caixas de correio papéis coloridos a lembrar o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, mas peçam logo a seguir dinheiro a que chamam “generosidade e partilha”, e desejem no fim um Feliz Natal! (e se desejar recibo para apresentar no IRS assinale com uma cruz! Quem diria, com uma cruz!).
Não somos os primeiros a dizer que o Concílio não passou por aqui!, embora o Papa Francisco apele a que “as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não se podem deixar as coisas como estão” (EG 25). Vamos continuar assim?
Vamos continuar a ter de aceitar o que nos dão, só o que não presta? Vamos morrer de tristeza, embora estivéssemos já embalados na promessa de que “algo de novo está a aparecer, não vedes?” (Is 43,19)?
Ninguém diga que nós estamos livres desse perigo. Nós não somos a Igreja do Porto, muito menos a que está em Portugal: somos uma pequenina porção que não se basta a si própria. Temos feito o que sabemos e podemos, mas se a Igreja do Porto e a de Portugal não se renovam, não nos safamos. Como muitas outras que desapareceram do mapa, a Igreja que está em Portugal pode desaparecer, sem deixar rastros. Não disse o Espírito de Jesus que a Igreja que não é nem fria nem quente ele a vomitaria (Ap 3,16)!?
Nós não somos juízes da Igreja. Mas temos de ser críticos nesta Igreja. Porque acontecem nela coisas com que não concordamos. Isso de padrinhos e madrinhas, de mais dinheiro ou de menos euros, se assinam ou não assinam, de mais procissão ou de qualquer outro folclore religioso, isso é de somenos. Mas acontecem coisas nesta Igreja que não podem acontecer. Acontecem coisas que podem ser pensadas e decididas não dentro desta Igreja, mas nas secretarias.
Seja como for, a Igreja que está em Portugal não está morta. Se estivesse, estava o caso arrumado. Mas não está. E, por isso, esperamos…, que havemos de colher os frutos da nossa Esperança. Mas, entretanto, temos de voltar a acender a fogueira para não morrermos enregelados na noite. A este propósito recordo um texto que já aqui li há quase 20 anos:
«Eles sabem tudo, eles escolhem tudo, eles nomeiam tudo, eles impõem tudo, e depois dizem (aos Meios de Comunicação antes de o fazerem à Igreja) que é o Papa, que é a vontade do Papa. E nós aguentamos tudo, mas estamos convencidos de que não é a vontade do Papa. Que a Igreja lute, e o tenha feito dignamente, pela liberdade de escolher os seus bispos é muito importante. Mas que, hoje em dia, alguns, poucos, escolham desta maneira os bispos que impõem à Igreja, não. Sabemos que, um pouco por todo o mundo, nos últimos anos, a escolha dos bispos tem levantado montes de problemas. Em Portugal está a atingir o ridículo. Temos os bispos que merecemos ou os que nos dão? Eu penso que o Papa Celestino I (422-432) tinha muita razão quando escreveu numa Carta aos Bispos de Vienne: “Ninguém seja dado como bispo a quem o não quer (nullus invitis detur episcopus)”».
Arlindo de Magalhães, 24 de Janeiro de 2016