Confiança e comunhão

J. M. W. Turner, ‘Three Seascapes’, ca. 1827

 

Como tantas vezes aqui tenho dito, a Fé não é um saber intelectual, fruto de um raciocínio frio, mecânico, matemático. A verdadeira Fé é de outra ordem. A confiança é uma sua componente importantíssima: confiança num Deus que se revela (História da Salvação) e promete (da “Terra” de Abraão à “Nova Terra” do Apocalipse): Deus da Revelação e da Promessa.

Claro que a nossa Fé não é irracional. Ela não parte o homem em dois, em duas capacidades antagónicas, uma reservada à Fé, outra ao conhecimento racional e científico. Isso foi no tempo do “impossível” diálogo entre a Fé e a Ciência. A nossa Fé é uma Fé racional, quer dizer, a razão dialoga com ela, é um seu suporte, se bem que nem de longe a compreenda na sua inteireza e totalidade.

Por isso, no domínio da Fé, há olhos que não veem e ouvidos que não ouvem: inteligências que não entendem. Porque o conhecimento da Fé é de outra ordem: nem só a razão mas também o coração (confiança); nem só eu, também nós.

Esta afirmação é importante e fundamental, ao tratar-se da educação da Fé. Porque não se trata de um cuidado ou preocupação intelectual: não se trata de ensinar coisas. Também se trata disso, que a fé, como dizia, tem uma componente “racional” (o que, a não acontecer, resultaria numa fé “acriançada”, que é o que mais se vê por aí!). Mas trata-se também, sobretudo, de testemunhar e viver a fraternidade dos que são Discípulos, de penetrar toda a riqueza da vida da Igreja E isto só se consegue contactando com ela, por dentro, isso não vem nos livros, isso é uma Vida, e uma Vida vive-se, testemunha-se, participa-se dela, uma vida faz-se e nós vivemo-la.

E ninguém pense que somos apenas nós, os mais velhos, que temos de a ensinar. Comentava-me uma vez o pai de uma criança que fazia a primeira comunhão, assim a jeito de interjeição: «como estas coisas são importantes para os miúdos!». Ele não disse mais nada. Mas de certeza que a frase dele tinha umas reticências que eu interpretei assim: «… e para nós!».

Tudo isto é muito importante para se perceber o que é a catequese de Infância, e até porque é que, hoje em dia, muitas vezes, são as crianças a exigi-la aos pais, como direito. Escolas (da Fé) há muitas, certamente que todas muito melhores que a da Serra do Pilar, como bons livros e melhores professores. Mas a fé não é uma questão intelectual.

Por isso, para a catequese, é importante e fundamental termos connosco as crianças.

Mas não se trata – repito – de ensinarmos coisas aos meninos. Trata-se de lhes abrir os olhos da fé. E para isso é precisa muita coisa: é preciso o pão e a mesa, a Água e a Fonte, a Luz e o Calor, o partir e o distribuir, o estar juntos e a experiência do perdão, a casa e os Irmãos. E sem isso não há Fé que floresça ou resista, porque é ela que nos revela o sabor da vida.

Arlindo de Magalhães, 27 de outubro de 2019