[antes de ir à questão da oração]
De onde venho? : da Foz do Douro, que vemos daqui do adro, depois d’Arrábida, com o interesse de que lá, para o controlo da Barra, o ‘arquiteto’ Francesco da Cremona, no cinquecento italiano, projetou a torre-capela de São Miguel Arcanjo; o mesmo Francesco da Cremona que trabalhou no projeto desta igreja rotonda onde nos encontramos, no então Mosteiro do Salvador, ia o ano de 1542. Assim completava o programa de monumentalização da barra, com o domínio da paisagem do centro histórico.
Venho, portanto, aos domingos, da Foz do Douro para a Serra, subindo o rio, à nascente, com esta metáfora de que a celebração eucarística dominical é isto mesmo, renascimento, porque é preciso renascer de novo, como Jesus desafiava a Nicodemos «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus.» (Jo 3,3). Parece um caminho contrário à lei natural, pois as águas correm para a Foz, mas assim é o desafio ao cristão, remar contra corrente, rumo à nascente, renovando o nosso Batismo, pelo menos na dinâmica dominical.
Cresci na Foz do Douro, dizia, lá numa casa cor-de-rosa onde em criança tive a primeira intuição do que é a oração:
Do tempo em que a grande brincadeira era a espionagem, qual polícia detetive, por entre aquela [então] enorme casa, fica-me uma imagem muito especial.
No silêncio do seu quarto, a mãe recolhia-se num mistério do ‘por detrás da cortina’, numa transparência sedutora, sentando-se no chão, ao vão da janela, sob o conforto da parede grossa de meio metro, de casa antiga. E ficava…
Esta imagem, como outras, foi para mim rica de catequese. Marca pela interrogação d’o que é que a leva a fazer isso?
Agora, inspirado pelo nosso presbítero que diz que ponhamos o Pai-nosso na boca das nossas crianças, rezo-o com a Maria do Carmo de dois anos ao colo, antes de a pôr no berço. Já com o Henrique, de sete, e com a Maria, de dez, é mais difícil, já nos são mais fugidios…
O Pai-nosso dirá do essencial da nossa Fé, começando por evidenciar por um lado a relação filial que temos com Deus que é próximo e carinhoso e que por isso mesmo chamamos de Abbá = Pai e por outro lado que esta relação é para ser vivida e partilhada em comunidade, é nosso não meu; duas dimensões, a pessoal e a comunitária que na oração também existem, oração pessoal e oração comunitária. A comunitária acontece aqui na Missa onde nos reunimos todos para sermos devolvidos à missão, ou à semana por exemplo quando alguns de vós se reúnem com o Torne.
Mas e a oração pessoal, aquela que cada um de nós experimenta no seu quarto, para lá da cortina, na ombreira da janela, charneira entre o mundo interior e o mundo exterior?
«Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há de recompensar-te.» (Mt 6,6)
Como rezo? Quanto rezo? Sei rezar?
Partilho dois pontos: 1) que se aprende a rezar rezando, experimentando, treinando: exercitando. Técnicas, havê-las-á – mas ultimamente é a entrega de um tempo meu ao Senhor que vale, não importará o como, mas “este tempo que Te entrego Senhor, aqui e agora, que independentemente das consolações e desolações, sugestões e distrações, é para Ti, só isto vale” e isto já é rezar. 2) que se reza conversando com Jesus, como entre amigos, recomenda Santo Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais; e, curioso, recomenda terminar com o Pai-nosso!
«[a oração] faz-se, propriamente, falando, assim como um amigo fala a outro [amigo], (…) ora pedindo alguma graça, (…) ora comunicando as suas coisas e querendo conselho nelas. E dizer um Pai Nosso.» (EE54)
A oração vale a pena! É tempo útil?! Sim, mas nesta medida: a oração é lugar de reconciliação, comigo mesmo, com os outros, com o próprio Deus – que até com Ele me zango, neste quotidiano por vezes tonto; a oração é lugar de verdade, de humildade, de esperança, de avanço, de renascer de novo. A oração é pessoal, mas também pode ser partilhada: eu, com a minha mulher Marta, partilho, partilhamos, no pequeno grupo de dinâmica quinzenal que é a CVX – Comunidade de Vida Cristã. A oração vale a pena!
Pedro Castro Cruz, 28 de julho de 2019