“E nós vimos a sua glória, que ele tem de seu Pai, cheio de Graça e de Verdade”. Mas Deus tem um filho? Deus não é único? Não dizemos no Credos “Creio em um só Deus” ? Quem é este Filho? Que filho é este? “E eles disseram-lhe: onde esta o teu pai?”. Jesus respondeu-lhes: “Não me conheceis a mim nem ao meu Pai; se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.” “Mas quem és tu?”é disseram -lhe eles. “Meu Pai e maior do que eu. Eu e o Pai somos um!” (João, 8).
«Pegaram então em pedras para o lapidar, dizendo-lhe: “Sendo um homem te fazes Deus?” Jesus respondeu-lhes assim: “Não está escrito na vossa Lei(Salmo 82): Eu disse: Vós sois deuses? Então se a Lei chamou deuses àqueles a quem a Palavra de Deus é dirigida — e o que diz a escritura não pode ser recusado — àquele a quem o Pai consagrou e enviou ao Mundo vós dizeis: “Tu blasfemas?” só porque eu disse: “Sou Filho de Deus».
O Mundo é uma fabrica de deuses. Os nossos pais viam deuses por todo o lado. Foi precisa toda a força da Lei e toda a insistência dos Profetas, para os arrancar aos “bosques sagrados” e para os retirar dos altos-lugares. Do Politeísmo passaram para um Monoteísmo chato-e-feroz, Monoteísmo-de-pedra, Monoteísmo passado de perseguido a perseguidor. Tornaram-se “integristas”, integristas do Monoteísmo! Deus revelou-lhes a sua UNIDADE (que é unicidade), e eles fizeram-no um deus-chato, intratável e incomunicável. Até o nome da sua verdade (EU SOU!) deixaram de o nomear, borrados de medo, um medo quase superstição (superstição monoteísta).
Mas o que aconteceu aos nossos pais devia ter-nos servido de lição e de experiência. Mas não. Quanta guerra fizeram por causa da Trindade! Tanta guerra fizeram por causa da Trindade, que se esqueceram da Evangelização e das “missões”. E de um deus-simplista passámos a um deus-complicado. Meu Deus, as tolices que fizeram e as asneiras que disseram, só por que te fizeram “matéria” de conhecimento, objecto duma teologia de ciências-sobrenaturais!.., Gregório de Nissa (no século IV) tentou analisar esta doença religiosa: “não sei se é frenesim, ou se é raiva!…”
Afinal, tanta polémica, para acabarmos por cair nas confusões da “Religião Popular” em que um triteísmo disfarçado se assenhoreou do Mistério da SS.ma Trindade. Até as “beatas” e “beatos” andam preocupados pelo esquecimento em que caiu o Espírito Santo!… Da mais alta abstracção tombámos no mais baixo antropomorfismo, fazendo do Pai um “velho” e do Espírito Santo um “pombo-correio”!…
Irmãos: “Nunca nenhum homem viu Deus!” (João l,l8). Quanto ao vocábulo “deus” é no uso do Mundo quase um adjectivo “comum-de- muitos”. Quando o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, revelou a Moisés o seu nome, disse: «EU-SOU-AQUELE-QUE-É», “Eu-sou” é o meu nome que dirás ao Faraó e diante dos deuses do Egipto, que são Nada. É a razão por que nós dizemos sempre: o SENHOR, Nosso-Deus. SENHOR =IAVÉ = DOMINUS = KYRIOS.
Contudo, o Mistério de Deus persiste. “Nunca nenhum homem viu Deus”. É a razão por que para falarmos de Deus, para dizermos Deus, não podemos partir dum conhecimento directo de Deus, duma ideia de Deus que não podemos ter. Seria preciso ser Deus para conhecer Deus. DEUS É CONHECIDO COMO DESCONHECIDO. Nunca nenhum homem viu Deus. “O Pilho Único, JESUS, este homem Jesus Cristo, o deu a conhecer. Desde então “DEUS Ê CONHECIDO EM JESUS CRISTO!”.
Razão por que digo: é urgente voltar à ordem do nosso conhecimento, e adoptar a linguagem rigorosa da Igreja tão maravilhosamente utilizada nos “símbolos” da Fé apesar de alguns termos “técnicos” como “consubstanciai”… Apesar disso, a linguagem é bíblica, afectiva e verdadeiramente “popular” no melhor dos sentidos. Com um pouco de música, o “símbolo” é cantabile!…
Homilia do Pe Leonel na Serra do Pilar, em 1986.05.25, Domingo da Santíssima Trindade