Paulo estava em Éfeso quando escreveu a sua primeira carta aos Coríntios. Tinha sido informado pelos da “Casa de Cloé” (1Cor 1,11), do que por lá, por Corinto, se passava.
Corinto era uma enorme cidade ao tempo, a meio caminho entre a Anatólia, hoje chamada Turquia, e a Grande Grécia (Itália). E não existia ainda o canal marítimo que permitiria mais tarde uma viagem mais rápida entre o mar Mediterrâneo oriental e o ocidental. Os Atos dos Apóstolos dão já notícia de duas comunidades (eclesías), em Corinto, uma do lado ocidental e outra do oriental, esta em Cêncreas, presidida por uma mulher, Febes, (Rm 16,1), diaconisa certamente. No meio daquele grande e poliglota mundo… havia de tudo, e nem os inícios cristãos se salvavam!
Da Casa de Cloé escreveram a Paulo, que estava em Éfeso, já na Anatólia, a uma distância pequena…
Escrevem-lhe “os de Cloé”, a contar-lhe o que se passava e a pedir ajuda. E Paulo responde-lhes numa carta. Havia escândalos na Igreja de Corinto, moral sexual, moral social, o casamento, as idolatrias, as carnes imoladas aos ídolos, as perguntas (por exemplo, se os cristãos podem recorrer a tribunais pagãos?, etc, etc, etc).
No texto que chegou até nós, Paulo responde apenas a duas questões: o véu das mulheres (11,4-16) — a questão é ainda hoje um problema no mundo muçulmano — e a celebração da Eucaristia.
Todos conhecemos esta segunda questão: “Quando vos reunis, não é a ceia do Senhor que comeis” (11,20).
E Paulo explica:
- que não haja divisões (schismata > grego e latim, cisma > português, divisões > Lourenço[1]) entre vós (1,10).
- Fui informado pelos da Casa de Cloé que há discussões (érides > grego, contentiones > latim, discórdias > Lourenço) entre vós. “Permanecei unidos num mesmo espírito e num mesmo pensamento” (1,11).
- “Quando vos reunis em assembleia, há opiniões (airéseis > grego, haereses > latim, divisões > Lourenço) variadas entre vós e nisso, em parte, eu acredito” (11,18). É até necessário que haja isso ( — isto é, opiniões [tradução em grego e latim] —) para que se tornem conhecidos aqueles que de entre vós resistem a esta provação (11,19). Nesta alínea 3, opto — e quem sou eu para o fazer!? — pela palavra opinião, uma vez que tanto o grego airésis como o latino haereses significam isso mesmo, opinião.
Resumindo: as divisões são mais graves que as discussões, e as opiniões mais fecundas que as discussões e as divisões.
Claro que quase todas as versões modernas traduzem os três conceitos — divisões, discussões (debates) e opiniões diversas — com o mesmo vocábulo > divisões (1,10; 11,18 e 19). Acho que menos mal para uma leitura simples; mas pobre para uma leitura que haveria de ser exata.
Mas vamos tentar perceber o que Paulo disse ser necessário para sabermos e percebermos do comportamento que era exigido a todos.
A eclesía (reunião) juntava-se naquele tempo numa casa particular: era aí que ela (a comunidade cristã) se reunia.
Mas as casas desse tempo, romanas, tinham umas divisões muito pequeninas. Em nenhuma cabiam, sei lá!, 10-15 pessoas (ver At 20,7-9): e as melhores salas ou mesmo quartos eram destinados aos seguidores de Jesus mais altos na escala social e por aí abaixo, até aos mais pobres, que eram colocados nas divisões mais pequenas e incómodas. Não se pode estranhar que as casas romanas e judaicas ainda não tivessem ultrapassado esse problema: umas divisões muito pequeninas! Os cristãos entravam todos, mas os de posição social melhor iam para os lugares mais cómodos, onde a melhor comida era primeiro servida a eles, e depois, talvez muitas vezes, a comida não chegava para os pobres.
“Não tendes casa para comer?”, irrita-se Paulo (12,22).
E é no contexto deste proceder que disparou : “Não tendes casa para comer? Desprezais a Igreja de Deus envergonhando os que não têm nada?”.
Repare-se, no entanto, nas palavras que Paulo utiliza:
Divisão (schismata, em grego e latim; esta palavra, hoje, em português, é sinónimo de cisma, cisão, dissidência, quebra da unidade)
Discussão: Fui informado pelos da Casa de Cloé que há discussões (érides grego, contentiones latim) entre vós. Andai lá: Permanecei unidos num mesmo espírito e num mesmo pensamento, mesmo se vos meteis em disputa, polémica ou questão… (1,11). A discussão é perigosa.
Não é assim a opinião > (airéseis gr, haereses lat), o debate, o alvitre, a convicção diversa, com todo o respeito, eu penso assim e tu assado, mas podemos ir os dois à bola a Guimarães que não há problema!
Uma divergência de opinião é muito diferente de uma discussão: esta pode até gerar violência e esta a divisão ou o cisma (muitas vezes, perante uma discussão, o silêncio é a melhor opção).
Edgar Morin, antropólogo e filósofo francês, nascido em 1921, disse assim: «a crise pode ser fonte de progresso — solução nova, para além das contradições ou impasses, aumentando a complexidade do sistema — ou fonte de regressão — solução aquém das contradições, levando o sistema a um estado de menor complexidade!».
Continuaremos.
[1] Este LOURENÇO é Frederico Lourenço, tradutor português da Bíblia, 2017, Vol II, pp. 10-11 e 250.
Arlindo de Magalhães, 11 de fevereiro de 2018