Emaús

Rowan LeCompte (American, 1925–2014) and Irene Matz LeCompte (American, 1926-1970), “Third Station of the Resurrection: The Walk to Emmaus” (detail), 1970. Mosaic, Resurrection Chapel, National Cathedral, Washington, DC. Photo: Victoria Emily Jones.

Dois discípulos fugiam de Jerusalém, de tudo quanto ali se vivera, isto é, da recordação de Jesus. Não acreditaram nem sequer no testemunho das mulheres que tinham afirmado havê-lo visto ressuscitado. Pareceu-lhes definitivo que a aventura de Jesus fora um belo sonho, mas também um penoso engano. Portanto, esquecer, e quanto mais depressa melhor: a vida não se pode edificar sobre palavras loucas, como as das mulheres do sepulcro.

Fugiam, pois, pelos caminhos da Judeia, como certamente outros, que, como eles, se deixaram fascinar por Jesus, mas que, pouco a pouco, e mesmo antes da sua morte, concluíram que se haviam enganado. Não era aquilo nem aquele que eles esperavam. Eles mesmos o confessaram: esperávamos que fosse ele quem havia de libertar Israel!

Abandonaram, portanto, o grupo. Parecia o princípio do fim: a desagregação dos discípulos de Jesus.

Um deles chamava-se Cléofas. Do outro, nem o nome ficou. Fugiam de Jesus, mas não esquecidos dele. É assim que se foge de alguém que já se não ama… mas se não esquece.

Paradoxalmente, no entanto, a sua fuga foi o princípio de um novo encontro e agora definitivo. Diria talvez melhor que quem nunca duvidou não é capaz de acreditar. A intenção de refazer tudo tranquilamente e sem cruz é muito forte na vida de um homem. Mas só os mais audazes são disso capazes. Foi então que apareceu o terceiro.

Começou por se interessar pela dor dos dois, deixando-os falar e explicar-se. Disseram da sua desilusão, que não entendiam o sentido da morte de Jesus, que esperavam que ele viesse como messias triunfador, com a força da sua glória, talvez a restauração nacional e política de Israel, e, afinal, acabaram foi a assistir à morte de um pretendente messiânico.

Notável a maneira como o terceiro se posicionou perante eles. Entrou com jeito: Que palavras são essas que trocais? Será que, por baixo da deceção dos que fugiam, havia ainda qualquer coisa?

E, ao longo da estrada – andar a pé, mesmo que não seja numa peregrinação, faz muito bem! -, a conversa animou. Eles reconheceriam mais tarde que o nosso coração ardia quando ele nos falava pelo caminho.

Emaús não era muito longe de Jerusalém, mas dava tempo. Por isso foi possível, começando por Moisés e passando por todos os profetas, explicar-lhes em todas as Escrituras onde estava previsto que a história do Povo de Deus e, afinal, toda a Revelação culminassem na morte do Messias. Dar a vida para a ganhar, era a questão.

A caminhar, muita coisa se prepara! E depois as coisas acontecem. Quando chegaram, não vás, fica aqui!, já é noite!, então ele pegou no pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lho…, onde é que eu já ouvi isto, ou, onde é que eu costumo ouvir isto?

Por isso é que só a Um Povo a caminho, a um povo pascal em marcha, se abrem os olhos.

Partir o pão é essencial. E era fundamental entre os primeiros: eram assíduos à fração do pão (At 2, 42).

É fundamental, mas é contrário ao que hoje se vê e faz. Perdeu-se o sentido do bem comum e o primado do destino universal dos bens: poucos com quase tudo e a maior parte com quase nada. Já passaram 2.000 anos, mas a política é sempre a mesma.

É preciso começar a voltar a Emaús. Um dia destes. Para vermos com os olhos.

Arlindo de Magalhães, 15 de abril de 2018

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