«Moisés procurou aplacar o Senhor, seu Deus. E o Senhor desistiu do castigo com que tinha ameaçado o seu povo»: um pede e o outro atende. Assim diz o Livro do Êxodo, 1ª leitura de hoje.
Permito-me falar, nesta homilia e possivelmente em alguma mais, de uma questão interna à nossa Comunidade: a oração.
Para orar, Jesus retirava-se “para o deserto” (Lc 4,1-2) e “para o monte…, sozinho” (Mc 6,46-47); “sozinho, estava algures a orar. Quando acabou… [veio ter com os discípulos] ” (Lc 11,1). Na véspera da sua paixão, “(No Monte das Oliveiras) … afastou-se dos discípulos à distância de um tiro de pedra… (e) começou a orar” (Lc 22,41).
Sozinho, saliento. Por isso, quando fala da oração, recomenda: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora em silêncio a teu Pai” (Mt 6,6). Falou também aos discípulos de outro tipo de oração: “não useis muito palavreado como fazem os pagãos” (Mt 6,7), “dizei assim: Pai nosso que estás no céu…”.
No português corrente, não é o substantivo “oração” mas sim o “rezar” que designa a ação do verbo orar: na linguagem popular, não se diz “vou orar” mas “vou rezar” (e a reza é sempre um pedir). Vou rezar pela tua saúde!
Rezar, no entanto, etimologicamente, quer dizer “recitar [uma fórmula] “. Ou seja, “orar” é uma coisa e “rezar”, outra. Na Liturgia, por exemplo, utiliza-se, moderadamente!, a recitação: recitamos o Credo, o Pai nosso, e até muitas coisas que deviam ser sempre cantadas, por exemplo, Glória a Deus nas alturas…, Santo, Santo, Santo!
Orar, não, orar precisa de silêncio e disponibilidade: “entra no teu quarto e fecha a porta”, coloca-te diante de Deus.
É muito difícil estar em silêncio diante seja de quem for. O outro intimida sempre. Só diante de alguém que se ame muito ou de quem se seja muito amigo pode estar-se em silêncio.
Mas hoje em dia temos todos muita pressa e muito que fazer: por isso, o marido não fala com a mulher nem os pais com os filhos, e assim por diante. E, por maioria de razão, não falamos com Deus, que não somos capazes de nos colocar diante dele, nem para isso temos tempo.
A oração – diz a tradição cristã – é a elevação da mente e do coração para Deus. Em silêncio. Para se escutar. O quê? Será que Deus fala? Ele nem se vê! (1 Jo 4,12). Deus tem algo a dizer? E diz mesmo alguma coisa à gente?
Voltamos à linguagem do amor humano. O/A apaixonado/a não precisa de muitas palavras: o olhar basta para se perceber quase tudo. É como um filho. Um simples silêncio pode dizer muito.
Escutar o Espírito de Deus: o que me diz a mim, o que diz às Igrejas e o que diz à história dos homens, ao Mundo. O silêncio não é simples ausência de sons, é eloquente: mas, para o ser, é preciso que se calem todos os barulhos do coração.
Para a oração é preciso silêncio, para poder escutar; para rezar, não, basta recitar a fórmula.
No Antigo Testamento, para orar, Isac saía ao campo (Gn 24,63); Esdras, consciente do pecado do povo, chorava prostrado diante do Templo (Esd 10,1)… Moisés foi o maior orante de todo o Antigo Testamento: e é por atenção ao seu pedido que Iavé salva o povo (Ex 33,17); prostrou-se diante do Senhor durante 40 dias e 40 noites a pedir-lhe a salvação do seu povo (Dt 9,26); Ele dirigiu-se-lhe numa oração por vezes dramática (33,32), em tom de súplica (esta nação é o teu povo! – 33,13), de apelo à justiça e à fidelidade (tendo em conta o que fizeste por nós, no passado, que dirão eles se agora nos abandonas?! – 32,11-14); para isso, subia muitas vezes ao silêncio da montanha (34, 29).
No Novo, há muitas maneiras de orar: Pedro subia ao terraço para o fazer (At 10,9); Paulo e Silas “em oração, na prisão, cantavam hinos” (At 16,25); em Tiro, a caminho de Jerusalém, Paulo e os cristãos do lugar “oraram ajoelhados na praia” (At 21,5).
A oração não é uma lamechice, nem uma pieguice, é esforçar-se por perceber ou concretizar a vontade de Deus.
Uma vez, o próprio “Jesus foi para o monte e passou a noite a orar. Quando nasceu o dia, só então!, revelou aos discípulos os [nomes dos] Doze Apóstolos que tinha escolhido dentre eles” (Lc 6,12).
A Igreja – as comunidades da Igreja – tem o dever de ensinar os cristãos a orar, e os cristãos o direito de serem ensinados também neste campo.
É verdade que se reduziu o conceito de oração ao de celebração, confundindo as duas coisas (há gente que pede tempos largos de silêncio na celebração dominical!), e a Liturgia se reduziu à Missa tornada uma devoção pessoal. Fora disso, mais nada, a não ser eventualmente o terço em casa.
Que lugar tem Deus e o seu Espírito na minha vida? Ou a oração é só pedir coisas a Deus, a minha saúde, a tua, a dos outros…? Que quer dizer o salmista quando afirma que o nosso Deus, o Senhor, contrariamente aos deuses pagãos, “tem boca e fala” (115,5)?
Na Serra do Pilar, há fundamentalmente dois lugares de oração: o de 5ª feira à noite e o catecumenato, que tem uma pequena escola de oração. Ambos são lugares de oração mas também escola de oração. Nas comunidades, sempre em remodelação e renovação, é de facto necessário ensinar sempre e continuamente. Também a orar.
A oração de 5ª feira à noite tem de ser um lugar de oração e uma “oficina de oração”. Tempo de refletir e decidir.
Arlindo de Magalhães, 11 de Setembro de 2016