Flores

Quem nunca viu uma rosa, por exemplo, muito bela a levantar-se num montinho de estrume? «Ai da flor, caduca já do seu atavio, que está no alto de um fértil vale!» (Is 28,1).

Natural e normalmente, uma flor nasce no esterco. É débil, no entanto. Dura pouco e logo esterco faz. O antigo viu na flor um filme sobre da vida do homem: nasceu, lindíssimo porventura, mas logo… Uns bons 15 anos depois fui, há dias, ao cinema, no Porto, ver um filme A metamorfose dos pássaros!

É curioso, no entanto, que só uma única vez a Bíblia fale de flores, no Salmo 104,15-17: «Os dias dos  seres humanos são como a erva que brota como a flor do campo; mas, quando sopra o vento sobre ela, deixa de existir e não se conhece mais o seu lugar!»; ao contrário, «o amor do Senhor é eterno para os  [Homens e Mulheres] que o levam a sério; para estes a sua justiça chega aos filhos dos seus filhos».

Mas todas as flores têm uma tradição, ou, dizendo doutro modo, todas as tradições têm flores: a normalidade de expressar pensamentos e sentimentos, chegou-nos do Oriente. Os gregos e os romanos tiveram depois já uma grande paixão pelas flores.

Na cultura medieval, a flor chega a ser sinal de beleza, de alegria e de amor, mas rapidamente de fragilidade e caducidade; na idade da Renascença e da Reforma, e no nosso tempo, aparecem flores, melhor, certas flores, a marcar alguns momentos da vida, digamos que poéticos, “a rosa para a pessoa amada!”, ou de dor, as que cobrem os cemitérios.

«Ó flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…»
(Florbela Espanca),

“a rosa para a pessoa amada!” ou “o ramo da flor da laranjeira” para a noiva, as coroas para os mortos… e, com o tempo, para o enfeite das igrejas e das grandes casas da riqueza!

 A igreja e a flor. A igreja cristã foi sempre pobre e simples, não poderia pôr-se ali uma flor?

Quando as igrejas romanas ou românicas dos primeiros tempos cristão começaram a ser concebidas por artistas engenheiros terão começado pelas paredes e telhado; mas a maior preocupação era, de certeza, o dentro, criar um interior que recebia quem entrava… e logo se lhe abria a alma! Não eram necessárias nem flores, nem bandeiras, nem panos, nem santos, nem altares laterais…: a quem entrava logo se lhe abria a alma, a tudo ver e tudo perceber. Via-se logo e, dentro, quase só um altar, e percebia-se logo o ambiente…, mesmo se esmagador, mas recolhido e belo!

Mas depois, com o tempo, começaram a entrar disparatadamente as flores (e não só): e todo o interior foi tomado pelo que é lindo, bonito, galante, etc., e censurável quase sempre. Agora, entra-se pela igreja dentro, olha-se logo para os lados, quando o que devia ver-se era o altar, a peça e o lugar mais importante de uma igreja, aquele em que a Comunidade celebra a Eucaristia, e não um  montão de flores e uma noiva carregada de flores…!

«Na ornamentação da igreja deve tender-se mais para a simplicidade do que para a ostentação sinónimo de exibição, luxo, aparato e riqueza. O importante não é a ornamentação da igreja, por si mesma, mas pela Liturgia que aí se celebra» (diz o Missal Romano), «A ornamentação das flores deve ser sempre sóbria» (idem).

Ultimamente visitei por aí algumas catedrais, igrejas e sobretudo capelas românicas e mesmo góticas do nosso país, em que não há flores (pode haver uma simples flor), em que se deitou tudo fora, e onde está agora, com saliência, apenas uma mesa e um ambão para colocar o Missal…

Quem chega percebe imediatamente que se trata de um altar sagrado e sublime onde haverá pão e vinho, e à volta do qual as pessoas se vão colocando e podem sentar-se…