Depois de ter andado pela Galileia daqui pràcolá, era o mês de Nisan do ano 30 (Nisan era o primeiro mês do ano judaico e correspondia a parte dos nossos meses de Março e Abril) e Jesus decidiu-se a fazer uma peregrinação arriscada a Jerusalém: “dirigiu-se resolutamente para Jerusalém”, apontou Lucas (10,51). Todos os anos, imensa gente partia para lá, em peregrinação, para ali celebrar a Páscoa. Da Galileia à capital eram uns 3/4 dias a pé.
Ao chegar via-se, com deslumbramento, toda a cidade: o palácio de Herodes, também o de Antipas…, mas o que mais chamava a atenção era o Templo: aquela era a casa de Deus?! Nela entraria nos dias pascais seguintes uma enorme multidão de peregrinos a cantar hinos de ação de graças e dispostos a cumprir os sacrifícios rituais. Só os homens judeus. Pagãos, mulheres, leprosos, cegos e paralíticos, esses não entravam, ficavam em pátios exteriores, longínquos do “santo dos santos”, lugar onde só entrava o sumo-sacerdote, o único mediador entre Israel e o seu Deus.
Daqui vem a palavra sacerdote [usada no paganismo e no judaísmo] > sacerdos [em latim]: [sacer > sagrado] + dos > dádiva; portanto, o sacerdote dá o sagrado… ao homem.
Os primeiros cristãos não usavam a palavra, porque não havia sacerdotes. Havia, sim, presbíteros. A palavra grega presbiteros quer dizer idoso. O presbítero era, portanto, o escolhido entre os idosos para presidir sacerdote à comunidade)
Foi então que as coisas começaram a correr mal. À porta do templo, vendiam-se e compravam-se os animais necessários para os sacrifícios: era mais fácil que levá-los de casa!
Jesus perdeu a cabeça? O certo é que começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo: «entrou no templo e expulsou dali todos os que nele vendiam e compravam; derrubou as mesas dos cambistas e as bancas dos vendedores de pombas, dizendo-lhes: “A minha casa é cada de oração. Mas vós fazeis dela um covil de ladrões!” (Mt 21,12-14».
Ora, atacar o templo, aquele lugar santo, era atacar o coração do povo judeu! Só ali era possível oferecer a Deus um sacrifício agradável, obtendo assim o seu perdão. Ainda não havia missas nem outras coisas, e ainda não tinha surgido um homem chamado Lutero…, faz este ano 500 anos…, havemos de falar disso lá mais para diante, mas ainda este ano.
O gesto de Jesus foi radical. Anunciava o juízo de Deus não contra aquele edifício – o templo de Jerusalém — mas contra um sistema económico, político e religioso que não era do agrado de Deus! Jesus tinha ido longe de mais. O pessoal de segurança do templo e os soldados romanos perceberam que era necessário vigiá-lo de perto pois que atacar o templo punha tudo em perigo: o templo do judaísmo e a paz querida pelos romanos. Aquele homem chamado Jesus — talvez o nome deste galileu tivesse já chegado a Jerusalém — despertava desconfiança. Portanto, olho nele! Talvez não fosse aconselhável detê-lo de imediato, ainda para mais rodeado de tantos seguidores e simpatizantes. Mas se for o caso, então prende-se e até, elimina-se.
E Jesus, que tinha descido a Jerusalém, para celebrar a Páscoa com os seus discípulos, não conseguiu levar a cabo o seu desejo: antes de chegar essa noite pascal, foi preso e acabaria por ser executado. Apenas teve tempo para uma ceia de despedida, onde ainda apontou caminhos para o Reino e, dizendo aos discípulos que deveriam viver em atitude de serviço mútuo, começou a lavar-lhes os pés, dizendo-lhes: “dei-vos exemplo para que, assim como eu fiz, vós façais também” (Jo 13,15).O que perguntara “Quem dizem os homens que é o Filho do homem? … “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,13.15), digamos que a “calcar terreno”, e depois disse aos discípulos “queaproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida?” (Mt 17,26), morreria crucificado, castigo esse reservado sobretudo aos escravos.
Arlindo de Magalhães, 30 de agosto de 2020