Se olharmos com atenção para os Evangelhos, uma coisa nos aparece com clareza: Jesus falou pouco de si próprio. Ele falou muito mas foi do Reino de Deus.
Jesus anuncia o Reino que está eminente: “Convertei-vos porque o Reino de Deus está próximo” (Mc.1,15). E Jesus proclamou-o não com muitas teorias, mas através de comparações simples, as parábolas. Através delas e das suas atitudes, Jesus foi dizendo que tipo de Reino vinha a anunciar: um Reino em que os Homens virão a ter a plenitude de tudo; em que qualquer dívida será perdoada e todo o mal será vencido; um reino em que os pobres, os famintos, os aflitos, os oprimidos, poderão enfim, levantar a cabeça; acabarão a dor, o sofrimento, a morte; um Reino difícil de descrever: falam melhor dele as parábolas da Nova Aliança, da semente que germina, da seara madura, do grande banquete, da festa real; um Reino de justiça completa, liberdade total, de amor a toda a prova, de reconciliação universal, de paz eterna. O Reino de Deus que será um tempo de salvação, tempo de plenitude, tempo de total presença de Deus: este será o Futuro! É para aí, para ele, que tudo caminha!
Aceitar que Deus está no nosso Futuro, no Futuro do Mundo, implica que se estabeleça uma tensão entre o presente e o Futuro, pois que o presente é uma preparação para o Futuro. É aqui que se enquadra a conversão.
Este mundo de hoje é imperfeito, está cheio de contradições e de injustiças, de males de toda a ordem. Está repleto de desumanidade, para poder ser aquilo que nós esperamos: a realização do Homem todo e de todo o Homem. Isto é: nós vivemos em tensão para o Futuro, acreditando que aquilo que Jesus começou, também ele o levará a seu termo, acabando a obra iniciada. Nele tudo será consumado, quando todas as coisas atingirem a unidade em Cristo.
Mas é muito importante que o Futuro não nos aliene. Não vivemos apenas para o Futuro como se o presente não existisse. O Futuro remete-nos para o presente a fim de o transformarmos e irmos, dessa forma, preparando e apressando o seu acontecer. O mundo presente deve ser, não só interpretado em função do Futuro, mas deve ser transformado em função do Futuro, já que Jesus não veio ensinar uma teoria sobre como interpretar o Mundo e o Homem, mas ensinar a transformar o Mundo e o Homem: criar o Homem Novo que todos ansiamos.
Por isso a construção do Reinado de Deus exige a crítica do tempo presente. Que Reino anunciamos? Situados na Europa dos ricos, acenam-nos com o bem-estar da sociedade de consumo como meta a atingir. Não nos dizem à custa de quem é ele conseguido, de quantos pobres e sem-abrigo, de quantos desempregados, de quantas dívidas externas, de quanta poluição, de quantas mortes. É o reino dos mais fortes, dos mais ricos, dos senhores do mundo. Mas não é este o Reino de Deus. No Reino de Deus os pobres e os marginalizados são preferidos, a justiça está acima da produção e a fraternidade acima do sucesso económico. A terra é um bem de Deus para todos e os poderes não poderão ser mais que serviços ao povo.
Na Cidade Nova haverá possibilidades para todos, em igualdade: menos a possibilidade de uns homens se porem acima dos outros homens, a possibilidade dos mais fortes explorarem os mais fracos, dos mais inteligentes os menos inteligentes, pois todos estarão convertidos e os dons de cada um serão um bem comum ao serviço de todos. É esta a nossa Esperança!
A paixão do Reino é a paixão pelos valores evangélicos do Perdão, da Fraternidade, da Partilha, da Vida, dos Novos Céus e da Nova Terra. Quando nós percebermos que isto é o mais importante da vida e que vale a pena perder tudo o resto por causa do Reinado destes valores, então estaremos a caminho da conversão. E estaremos convertidos quando, para além de percebermos que isto é o mais importante, nos apaixonarmos pela tarefa de o concretizarmos na nossa vida e o colocarmos no centro das nossas preocupações e dos nossos gostos (e desgostos).
Homília de 15.VI.2015 (extratos retirados do livro Padre Gaspar – A via do trabalho e da pobreza de Arlindo Cunha, presbítero)
Imagem: Gustave Moreau