Os três evangelhos sinópticos escreveram-nos os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas.
E todos os três, cada um à sua maneira — Mt em 26,17, Marcos em 14,12 e Lucas em 22,7 — explicam que a Ceia Pascal judaica se preparava durante a semana anterior, sobretudo na véspera da Ceia Pascal que se chamava o “dia dos Ázimos” (Dt 16,3). Nessa anterior semana se aprontava o pão ázimo pão sem fermento — ázimo — e se imolava o cordeiro.
Assim ordenava o Êxodo. “Durante sete dias comereis pão sem fermento. No primeiro dia fá-lo-eis desaparecer [o fermento] das vossas casas. Todos aqueles que, nessa semana, comerem pão fermentado, será eliminado de Israel“ (Ex 12,15). Nesse mesmo dia “escolhereis do vosso rebanho um cordeiro ou um cabrito, sem defeito, macho, com menos de um ano”. Isto se fazia no dia 10 (Ex 12,5) do primeiro mês do ano, mês de Abib (donde Tel Aviv). O animal escolhido, que haveria de chegar para todos, “tê-lo-eis depois debaixo do olho até ao dia 14” (Ex 12,5).
No dia seguinte ao “dos Ázimos, era o da festa da Páscoa…, todas as famílias ou assembleias da comunidade de Israel comerão o pão e o cabrito” (Ex 12).
Ao tempo de Jesus, toda esta simbólica se respeita(va) rigorosamente. Segundo Mateus, Marcos e Lucas, Jesus e os discípulos celebravam a Páscoa, respeitando todas as regras. João, evangelista diz simplesmente que tudo se passou “antes da festa da Páscoa” (Jo 13,1).
Seja como for, Jesus percebia já o que se passava e ia acontecer.
No fim da celebração pascal, Judas saiu do cenáculo (Jo 13,31), e então Jesus disse:
— “Agora vai manifestar-se a glória do Filho do Homem, e Deus será nele glorificado.
Mas se Deus vai ser glorificado pelo Filho do Homem, vai o Filho do Homem glorificar a Deus.
O que acontecerá de imediato“ (Jo 13,31).
“Os discípulos não compreenderam isto. Mas, quando se manifestou a glória de Jesus, lembraram-se que estas coisas estavam escritas acerca dele: foi, de facto, precisamente o que lhe fizeram” (Jo 12,16).
Este pequeno texto exige meditação, não explicação nem ensino: Deus manifesta-se em Jesus e Jesus manifesta-nos Deus:
“Pai, chegou a hora!
Manifesta a glória do teu Filho,
de modo que ele manifeste a tua glória
conforme ao poder que lhe deste sobre toda a Humanidade,
a fim de que ele dê a vida eterna a todos os que lhe entregaste.
A vida eterna é que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro,
e a Jesus Cristo, a quem tu enviaste.
Eu manifestei a tua glória na terra,
Levando a cabo a obra que me entregaste para eu realizar.
E, agora, tu, ó Pai, mostra a minha glória junto de ti!
— aquela glória que eu tinha junto de ti,
antes de o mundo existir” (Jo 17, 1-3).
Por mais que Jesus seja “imagem de Deus”, ele mesmo diz que não é igual a Deus: “O Pai é mais do que eu” (Jo 14,28). Jesus sabe e afirma a sua condição de “criatura”, o “primogénito da criação” (Col 1,15). Que enormidade a do que Jesus está a pedir aos discípulos e a todos os seus seguidores: serem capazes de ver Deus num ser humano!
É pedir, não digo, de mais!, porque é forte de mais!
Por mais que o tentemos ou nos esforcemos, o reflitamos ou o meditemos, a verdade é que Deus, um humano não é capaz de o ver. Pela simples razão de que o humano é humano, isto é, é débil, insignificante, feio, impossível, precário, numa palavra um humano é humano,
enquanto que Deus é quem pode dizer “eu sou o que sou” (Ex 3,14), misericordioso (Dt 4,31) e Deus dos deuses (Dt 10,17), “Só tu és Deus”, disse o Salmista (Sl 86,10), …
… e por aqui me fico.
Arlindo de Magalhães, 19 de maio de 2019