Justiça

Agnes Martin, ‘Summer’ (1964)

“Tinham um só coração e uma só alma” (At 4,32), “partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade” (2,26), “aumentava todos os dias o número dos que tinham entrado no caminho da salvação” (2,47), “ensinavam o povo” (4,2), “todos cheios do Espírito Santo” (4,31), enfim, era o céu na terra.

O ambiente de vida dos cristãos da Igreja primitiva era tal e a maldade do mundo tão grande que o que eles queriam era o regresso de Jesus, que voltasse depressa, como dizia a prece que logo criaram e repetiam: “Marana tha! Marana tha!, Vem, Senhor!” (1 Cor 16,22). Eles próprios impacientavam-se com o tardar da salvação do Mundo! Venha ele, o Senhor!, trate disto!

Por outro lado, com o andar dos tempos, continua a haver quem pense que o Mundo não tem solução; nos desastres e cataclismos, nas guerras e fragilidades de tudo, viam apenas o dedo de um deus castigador e por isso lhe pediam destruísse tudo com fogo, Mundo e Humanidade.

É este o contexto da parábola de Lucas. Evidentemente que a viúva não tinha hipóteses de conseguir justiça para o seu caso. E importunar o juiz, dia atrás de dia, não levava a sítio nenhum.

A parábola, no fundo como todas as parábolas, não é totalmente lógica. É verdade que o juiz podia, de qualquer maneira, ter mandado a viúva passear. Pode ele, um juiz que não faz justiça, cansado de ouvir a reclamante, ajudar a compreender a situação de Deus, que, dia a dia, escuta os gemidos dos pobres?

Não. O próprio Evangelho afirma que Deus fará justiça sobre toda a História dos homens, porque os seus julgamentos são perfeitos: todas as divisões e injustiças do tempo cairão, pois que o poder dos injustos que oprimem os pequenos da terra, está cimentado sobre o nada. Por isso, ele “derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc 1,52).

Nós acomodámo-nos à injustiça institucionalizada e passámos a dizer que é a Natureza ou até o Acaso que nos faz nascer desiguais: uns, filhos de ricos, e outros, de famílias pobres; uns, com imensas possibilidades, e outros, sem nenhumas; uns, com direito ao trabalho, e outros, sem emprego toda a vida, durante toda ela condenados e … desprotegidos da sorte.

Acomodámo-nos a isto como nos acomodámos à geografia da Fome. Olhamos o mapa da injustiça com a maior serenidade do mundo. Seremos nós até dos mais conformados e resignados, que não levantamos problemas? Somos honestos, trabalhadores, mas essas coisas passam-nos ao lado.

Acomodámo-nos a tudo, até dentro da Igreja. Já percebi há muito tempo e me convenci de que muitos quiseram dar cabo do Vaticano II — ou que estão ainda a fazê-lo —, apesar dos esforços do Papa Francisco, da audácia de um teólogo como Herbert Haag (que já morreu em 2001) ou agora da capacidade do poeta Cardeal Tolentino, … e todos os mais que oramos: Marana tha! Marana tha!, Vem, Senhor!, (1 Cor 16,22). Vale-nos a Liturgia que começa a espalhar o perfume do Advento, levemente ainda, mas recordando já a oração dos primeiros — Marana tha! Marana tha! — e “saibamos interpretar os sinais dos tempos” (Mt 6,2)!

Razão tinha o evangelista quando perguntava se “o Filho do Homem, quando voltar, ainda encontrará Fé sobre a terra”! (Lc 18,8).

Precisamos de “engenheiros de pontes, não de muros”, diz o jornalista! Graças a Deus!