Sempre tivemos tendência para as “reservas” até à saturação, até ao esgotamento. Reservas de pesca, reservas pastorícias, reservas de cultura. Ficou-nos a “mania” de Israel, e do “fermento dos Fariseus”, nunca nos livramos completamente. Então hoje!… Uns apostam nisto, outros apostam naquilo. De aposta em aposta, nos vamos pondo uns contra os outros. Outros, chamados “prudentes” e “obedientes”, não apostam em nada: esperam de Roma as orientações. E, como os Papas são todos diferentes, como homens que são, ora se tira o “guarda-vento” ora se repõe “guarda-vento”. E por aqui nos ficamos, por aqui nos temos ficado, até ao dia em que “das margens” nos vem Palavra de Ordem: “Rapazes não há peixe?” … “Lançai as redes para o outro lado, e achareis!”. Para o Outro Lado! Mas do Outro Lado não estão os Ateus, o Inimigo, os Agnósticos, os Anticlericais, a Aventura?!…
“De Nazaré pode lá vir coisa boa?!”. “Como é que um Homem, sendo velho, pode voltar a nascer?!”… As Vocações? Nas crianças é que é seguro! Baptizá-las enquanto são pequenas! Fazer “padres” desde pequenos! Crismá-los é em pequenos, senão nunca mais se “confirmam”!… A Família, sim a Família, aí é seguro! As aldeias sim, as aldeias é que é preciso segurar, porque as cidades, nas cidades não há nada a fazer!
Escusado será dizer que toda esta Pratica Pastoral não tem nada de tradicional, mais, é contra a Tradição, contra a Teologia, contra a Doutrina, e circula fora da Vida, à margem da Sociologia, é contra a Psicologia e não “entra” na História, escusado será dizer. Porque essa Pastoral de desgaste (“toda a noite”) estoira com os “agentes da Pastoral”, rarefaz as Energias Espirituais e está provocando o Último-dos-Escândalos: depois de ter perdido a Classe Operária, depois de ter perdido as Mulheres, depois de o Confessionário [se] ter esvaziado de Penitentes (verdadeiros penitentes!), a Igreja perde, nestes dias os próprios Padres! MAS TUDO CONTINUA NA MESMA! Sempre se insiste em pescar em águas que já nada dão.
“O Outro Lado? Isso mete medo!”. É desconhecido! Valha-nos o Bom Papa João cuja voz, depois que “adormeceu no Senhor”, ainda não ouvimos da “margem” a mesma Palavra de Ordem: “Lançai as redes para o Outro Lado, e achareis!” No Mar Alto, as águas são agitadas, e, depois da “instabilidade” do Vaticano II, mandaram-nos à pressa regressar aos locais habituais das águas lentas e preguiçosas do Tibre…
Desde o “primeiro choque da Ressurreição” ainda não assimilamos a Coisa, aquilo que Tomás de Aquino chamava a “Res” que os Sacramentos contêm, dão e significam. O Doutor da Igreja ensinou-nos (ainda é um autor autorizado!) – que no Cristão (e, portanto, na Igreja) pode haver e funcionar o Sacramento sem a Res (sem a Coisa), isto é, pode tudo visivelmente processar-se e funcionar, desde administração dos Sacramentos, desde a correcção de Ensino, sem a Graça! Os Papas indignos, que os houve, e muitos!, não foram Papas? Os Bispos indignos, que os houve, e muitos!, não foram Bispos? Os Presbíteros indignos, que os houve, e foram muitos!, não foram Padres? Os Cristãos Leigos indignos, que os houve, e foram muitos!, não foram verdadeiramente Baptizados, Confirmados e Comungados? Então?! Houve os Sacramentos mas não houve a Coisa: a Graça! Porquê? Porque nesses dias, estagnados em paradas!…
É verdade que a Indignidade não é da mesma natureza que a Ineficácia. Aquela é da ordem Caridade, e esta é da ordem da Fé, Mas qual é mais grave? Nós conhecemos um homem, que era um padre indigno chamado Bartolomeu de Las Casas, que se converteu ao celebrar a Missa. Mas com tantas Missas celebradas nesta Cidade, não temos verificado que a Fé tenha despertado tanto da parte dos Padres como dos Leigos, pois a Ordem é pescar sempre nos mesmos sítios e a proibição é pescar nos lugares interditos. A proibição agora não é formal, mas são tantas as “recomendações” que ninguém se atreve…
Lá isso também é verdade. Se às portas foram tirados os ferrolhos no Novo Código do Direito Canónico, por força do Vaticano II, o facto é que todas as “portas” continuam fechadas, as portas da Fortaleza Latina (apesar de ser Católica). É claro que as abrirão os que tiverem a coragem e inteligência (estão sem ferrolhos!) para dar os “passos” e ousarem as mãos que as abrirão!… Portas fechadas agora sem ferrolhos, ao Trabalho, ao Casamento, às Mulheres, à Liberdade de pensar, de dizer, de publicar, de investigar, portas fechadas à Secularização e à Modernidade, e à diversificação dos Ministérios, como à criatividade em Liturgia, e à intervenção no Político!…
Irmãos: toda a porta se abrirá! Aquele em quem pomos a nossa Fé e a nossa Esperança, e que rebentou as próprias cadeias da Morte, pelo Amor que meteu em nós, e Aquele que fecha-e-ninguém-abre, que abre-e-ninguém-fecha!… Sim, há uma porta que ele fechou para sempre! A porta da Reserva. Muitos o têm tentado, mas nunca conseguiram abri-la verdadeiramente. E ao Espírito de Cristo, Espírito de Deus, naquele dia de Pentecostes nenhuma janela ou porta resistiu, à força do Tento de Deus! A Graça processa-se em sistema aberto. Uma única coisa a pode impedir: a falta de Fé.
“A quem acredita tudo é possível!”. O que é que vence o Mundo? A nossa Fé! O que é que se imporá à Igreja e na Igreja: a razão da nossa Fé! A Igreja nunca resistiu à Fé; resistiu à Arrogância, à Vaidade, à Precipitação, à Mistura, mas nunca resistiu à Fé. Que o digam tantos, como Paulo, como Atanásio, como Francisco de Assis, como Teresa de Ávila, Catarina de Sena, e, nos nossos dias, digam-no os corajosos Bispos do Brasil, ou os afoitos Bispos dos Estados Unidos, que, ainda mal abriram a boca para falar de Bomba, para investigar sem “influências” o que se passa na América Central, e que se preparam para pensar os “malefícios”‘ do Capitalismo, e já o Patrão do Mundo se inquieta e a Diplomacia “religiosa” se perturba… A Diplomacia “religiosa” não se perturba nestes dias com o “escândalo” que possa haver face ao Mundo (já há tantos “escândalos” sobretudo financeiros!), mas preocupa-se com a influência que as Conferências Episcopais brasileira e americana possam ter nas outras Conferências Episcopais, sobretudo europeias.
Muitas coisas “interessantes” estão a acontecer na Igreja, muitas coisas “interessantes” vão acontecer. É preciso estar e ficar atento, porque à-nossa-porta onde parece que nada de “interessante” acontece, de um momento para outro… Só Deus sabe, só Deus sabe! O importante, o “interessante” é que tudo seja obra e fruto da Fé, “sob o choque da Ressurreição”. Porque o que não for obra ou fruto da Fé, a Igreja nunca o aceitará, e ficará como destroço, mais um, a juntar-se aos destroços da História.
Leonel Oliveira, 1983,04.17 (Domingo III do Tempo Pascal)