Logo que o soube pelo telefone me lembrei do que tinha lido em 1964 numa grande revista que durou pouco – Boletim de Informação Pastoral: o nascimento “da paróquia do Senhor Jesus do Padrão da Légua … [é] uma das mais interessantes experiências pastorais ultimamente realizadas em Portugal: a da formação de uma comunidade paroquial numa zona pastoralmente quase abandonada””.
Estava longe de imaginar quanto as nossas vidas se encontrariam, do outro lado da cidade. Ele foi o maior mestre da minha vida. O seu nome reúne-se aos do Gaspar e dos Dr.s Narciso e Albino. Nesta hora, a maior homenagem que posso fazer ao Leonel é recordar-lhe a famosa “Carta à Paróquia” de 1974 que tanta gente apavorou.
Arlindo de Magalhães
Carta à paróquia o Senhor Jesus do Padrão da Légua
Setembro de 1974
«… a nossa mais grave opção, a que vai condicionar todas as outras, a ponta-de-lança de toda a nossa transformação é a Evangelização. O primado da Evangelização na vida e na acção da Comunidade é uma opção fundamental. Será a razão profunda de tudo o mais, fonte de inevitáveis conflitos. O Evangelho que nos uniu até agora poderá ser aquilo que nos desunirá no futuro!… Ou tornamo-nos uma Comunidade Evangelizadora ou deixaremos de existir como comunidade. Os mais conscientes da nossa comunidade não estão dispostos a ser uma comunidade-que-dá-sacramentos a quem os não quer ou a quem os quer e ninguém sabe para quê. Como é possível levar a sério o Baptismo para nós e levá-lo a brincar para os outros? Como é possível continuar a celebrar missas-pelos-mortos, e ter fé na Eucaristia? Como é possível fazer do Matrimónio um sinal de Graça, e continuar a abençoar casamentos sem graça? Esta divisão profunda na nossa consciência pode matar-nos, e nós não estamos dispostos a morrer desta maneira. Basta assistirmos cada dia à morte de padre e leigos que se deixaram matar por uma situação desgraçada…!
Fecharemos definitivamente os sacramentos e só os daremos aos membros da Comunidade, e àqueles que, pela Fé, entrem a fazer parte da Comunidade. Quem nos vier pedir sacramentos e não aceitar os compromissos essenciais da Vida em Cristo, ficará à porta até se converter e…pela Fé, for capaz de actos de Fé.
A porta da Comunidade a queremos cada vez mais acolhedora, mais séria e exigente. Abriremos os braços a todos os que na sinceridade procuram Jesus Cristo. A multiplicação de formas de acolhimento, pela informação, pelo diálogo, pela progressiva iniciação nos mistérios da Fé, procurará, na medida do possível, aparar todos os choques, ansiedades, e as aspirações confusas.
Mas nós não esperaremos pelas pessoas. Os níveis de encontro com a multidão que nos procura para pedir sacramentos são sempre confusos e equívocos. Estas plataformas de encontro não nos agradam de maneira nenhuma, pois as pessoas chegam até nós sem nada ou quase nada. Nós não esperaremos pelas pessoas. A nossa vocação é o Mundo. Espalhar-nos-emos pela Terra como semente.
É na Terra que reencontraremos a fecundidade. Não haverá mundos fechados para nós, pois aquilo que Jesus abriu ninguém o poderá fechar. O anúncio do Evangelho será a nossa obsessão diária: “Ai de mim se eu não evangelizar!.
O que nos une é a mesmo Fé do deus de N. S. Jesus Cristo, o Pai que habita em nós pela Força do seu Espírito; o que nos une é a Palavra, centro da Vida e da Fé. Reunidos, unidos e alimentados pela Eucaristia, sentimo-nos empenhados até aos cabelos, comunitariamente empenhados na missão (Mt 28, 19-20).
Seremos uma comunidade evangelizadora! Como? Como vamos fazer chegar aos outros homens, não convertidos, a Palavra de Deus em ordem a pô-los em contacto com o Evangelho do Senhor? Com que sinais vamos tornar presente no Mundo o senhorio de Deus? A única coisa com que contamos é a força do Espírito. É o Pentecostes que nos realiza. Como deixar que o Espírito nos alcance para sermos Sinal? Como seremos comunidade evangelizadora? Como vamos evangelizar?
Será, primeiramente, pelo testemunho quer individual (“donde lhe vem este poder”), quer comunitário (“ pelos frutos…”, “vede como eles se amam!”). Tocaremos o Mundo por aquilo que dizemos se isso for a expressão daquilo que fazemos. Acabou o tempo da faladura.»