Até João XXIII, a doutrina social da Igreja, que nascera com Leão XIII, ficou-se pelo conflito social gerado pelo infortúnio da “miséria imerecida”, isto é, pela questão operária, se bem que, com Pio XII, se tivesse também preocupado com a guerra. Mas o Papa Bom, com a encíclica A Paz na Terra, não se limitou a condenar a guerra, fez sobretudo propostas de paz.
Paulo VI referiu-se já ao problema ecológico, “consequência dramática da atividade descontrolada do Homem”. João Paulo II convidou a uma conversão ecológica global: é necessário – dizia – mudar “os estilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades”. Bento XVI gritou que o ambiente natural estava já carregado de chagas causadas pelo comportamento irresponsável da Humanidade, a nível planetário!
O Papa Francisco, desde o seu primeiro documento, pegou na questão com esta boca tão simples: “A Terra é a nossa casa comum, e todos somos irmãos… [e a] economia deveria ser a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum, que é o mundo inteiro” (EG 183 e 205).
Ficámos todos — católicos e não católicos, crentes e não crentes — à espera do que viria a seguir sobre esta questão. Publicou-o no Pentecostes de 2015, Laudato, Si, mi’Signore > Louvado sejas, meu Senhor. A abrir o documento, referiu S. Francisco de Assis, “o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade”, e o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, Igreja Ortodoxa. Entrevistado depois da publicação do Papa Francisco, disse assim o Patriarca: «A gentil referência que fez nosso irmão o Papa Francisco não me surpreendeu por muitos motivos. Principalmente porque quem busca discernir a beleza de Deus na sacralidade da Criação inevitavelmente reconhecerá “tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honrado, o que é virtuoso e merece louvor” (Fp 4, 8). Em segundo lugar, posto que não podemos falar de uma dupla ordem ou de uma dupla realidade na Criação, todas as Igrejas, todas as religiões e todas as disciplinas confessam a mesma verdade, isto é, que o mundo é um dom divino que todos nós estamos chamados a proteger e a preservar. Em terceiro lugar, a crise ecológica tem uma dimensão ecuménica: não se pode identificar uma instituição em particular e culpá-la pelo dano que temos provocado à Criação, e nenhuma instituição sozinha pode resolver a crise ecológica».
“A sacralidade da Criação”, dizia Bartolomeu. S. Paulo disse-o também, com outras palavras, claro: “O que em Deus é invisível – o seu eterno poder e a sua divindade – tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras” (Rm 1,20). Quem nunca, diante de uma bela paisagem, disse assim ou percebeu-o no seu coração: “Deus é grande!”? Quem nunca chorou ou se emocionou diante de uma paisagem destruída, ou por uma barragem, por uma fábrica, ou sei lá pelo quê? Como não posso emocionar-me quando vejo Santo Antão da Barca passado da Ribeira do Sabor lá para cima dum monte!? Já não é Santo Antão da Barca, talvez seja agora da estupidez ou da eletricidade…, num é, Senhor Rei?
Deus é grande diante da sua Criação, diz Paulo, diz Francisco, diz o crente, não o não crente, calado diante de tanta grandeza. E o amarantino Teixeira de Pascoaes diz assim:
Ó bendita paisagem!Ó sagrada montanha, que eu adoro!…Alta e santa montanha omnipotente!…Ó montanha num êxtase divinoSob o fantasma universal de Deus!…Santa montanha azul da minha infânciaAmo-te, desde a fonte piedosaQue dos teus flancos mana, duma castaE fresca transparência religiosa…Amo-te mais por tudo o que não seiDizer, quando te vejo! …E o homem, criatura e criador,Ouviu a voz de Deus que lhe falou:– Na tua consciência, em puro amor,Existirei por toda a eternidade!
Sobretudo pelo séc. XIX, a Natureza começou a ser tratada com olhos religiosos. Para o panteísmo (pan > tudo, Theos > Deus = tudo é Deus) e o Naturalismo Religioso, a Natureza e/ou o Universo são Deus, entendido em todo o cosmos como uma unidade abrangente. O Naturalismo religioso, diferente do Panteísmo, reconhecia o divino na Natureza, o divino encontrado pelo homem na Natureza.
O cristão, crente, como escreveu S. Paulo, afirma que “o que em Deus é invisível nas suas obras tornou-se desde a criação do mundo visível à inteligência do homem”.
O Papa Francisco diz que a Natureza — o sol e o monte, a chuva e o mar, as flores e os animais, os frutos e a erva, etc. e etc., perfazem a nossa casa, que é comum de todos, e todos somos irmãos… [e a] economia deveria ser a arte de alcançar uma adequada administração da casa comum que é o planeta”, e um dia se saberá se mais que o planeta.
Por isso ele afirma que “o urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona”; pois não, se a gente se portar bem!
Este ano, como pudermos, voltaremos muitas vezes a esta questão.
Arlindo de Magalhães, 22 de Janeiro de 2017