Contemplação da Paixão
Eu te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos! (Mt 11,25). Porque é que a fé não é uma questão de inteligência?, perguntam muitos e temem tantos. Porque é que a fé não é uma simples questão de Lei ou de vontade? Como é difícil aos ricos, aos sábios e aos inteligentes! Um coração cheio já tem que chegue. Eu te bendigo, ó Pai!
Nós não saberemos, jamais entenderemos,
a dor que te causamos!
Aquele que eu beijar, é ele: prendei-o! (Mt 26,48). “Com uma prova de amor, fazes uma ferida! Com uma expressão do mesmo amor, derramas sangue! Com um gesto de paz, geras a morte!” (Sto Ambrósio). Com um beijo, entregas o Filho do Homem, Judas! (Lc 22,48). E um dos que come contigo e do mesmo prato, te entregará (Mt 26,23)!
Povo meu, que te fiz eu?,
Que mal te causei? Não me dirás?
Mete a espada na bainha, pois que quantos se servirem dela por ela morrerão trespassados! (Mt 26,52). A força da espada ou a paz da justiça? Diante dos milhões de vítimas de todos os conflitos e focos de guerra do nosso mundo, recordados das palavras que disseste: Dou-vos a Paz, deixo-vos a minha paz…, continuamos a pedir-te: Dá, Senhor, a paz aos nossos dias!
Nós não saberemos, jamais entenderemos,
a dor que te causamos!
A criada olhou-o e disse: Tu também és discípulo dele, Pedro! Mas ele disse: Não o conheço! (Lc 22,56-57). Mentira! Que amigos eles eram! Tinham-se encontrado havia muito tempo já, uma tarde, numa qualquer praia do mar da Galileia. Ele era um homem impulsivo, é verdade, mas débil. E um tinha ensinado ao outro aquelas artes do mar e da pesca. Depois, veio a profissão de fé em Cesareia: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo! (Lc 4,41). E mesmo assim…
Povo meu, que te fiz eu?,
Que mal te causei? Não me dirás?
Pilatos fez-lhe muitas perguntas, mas ele nada respondeu! (Lc 23,9). Diante de tantas certezas — quem és tu?, que disseste? que fizeste?—, tu, o Verbo enviado pelo Pai, poderoso em palavras e em obras (Lc 24,19), calaste-te, enquanto a multidão gritava: Crucifica-o! À morte!
Também nós te damos graças, ó Pai, pelos grandes silêncios da Natureza e da Música, da Poesia e da Arte, da austeridade monástica e da penumbra do românico, da luminosidade do gótico e mesmo da sensualidade do barroco e da pobreza do romântico. É pelo silêncio de todos os homens que, podendo responder, não o fazem, que o silêncio é de ouro!
Nós não saberemos, jamais entenderemos,
a dor que te causamos!
Pilatos mandou vir água, lavou as mãos e disse: Estou inocente! (Mt 27,24).
Claro que não estamos convencidos que Pilatos estivesse inocente. Mas não esquecemos, Senhor, os que, de facto, estão inocentes: todos os que não deixam ir os pobres de mãos vazias mas se esforçam por tirá-los da sua miséria; todos os que condenam as mãos cheias que se enchem sempre de mais bens e que todos os dias se banqueteiam diante de Lázaro; todos os que se aproximam dos caídos nos caminhos da vida e os conduzem às albergarias nas suas próprias montadas. E ainda pagam o azeite! O que fizerdes a um dos mais pequeninos…
Povo meu, que te fiz eu?,
Que mal te causei? Não me dirás?
Um dos guardas deu-lhe uma bofetada e Jesus replicou: “Se disse mal, mostra-me o quê! Mas se disse bem, porque me bates”? (Jo 18,22-23).
No meio e no seio das economias do Horror Económico que vivemos e cujas vaidades e maldades é preciso continuar a desmascarar, urge testemunhar o poder da Economia da Graça! Não acumuleis tesouros na terra, que a traça e a ferrugem corroem-nos e os ladrões rebentam muros [e cofres]: acumulai antes tesouros no céu. Porque, onde estiver o vosso tesouro, aí estará o vosso coração! (Mt 6,19.21).
Nós não saberemos, jamais entenderemos,
a dor que te causamos!
Os sumos-sacerdotes e os anciãos convenceram a multidão a pedir Barrabás e a exigir a morte de Jesus (Mt 27,20).
Perante tanta mentira e tanto suborno que fazem de nós o que não somos, por medo, por incoerência, por não querermos perder e desejarmos sempre ganhar e subir, todos continuamos a gritar: Esse Jesus, mata-o, antes queremos Barrabás!
Nós não saberemos, jamais entenderemos,
a dor que te causamos!
Como diz o Apóstolo, ele rebaixou-se até à morte, e morte de cruz (Fp 2,8), a mais ignominiosa, a mais violenta e cruenta de todas as mortes. Não havia nele crime algum. Então porque foste condenado à mais brutal e atroz de todas as mortes? Depois de ti, quantos não perguntaram já: Onde está Deus?, porque é que ele não aparece?, porque não ouvimos a sua voz? Mas ele, para espanto de todos, orou assim: Perdoa-lhes, ó Pai, que não sabem o que fazem!
Povo meu, que te fiz eu?,
Que mal te causei? Não me dirás?
Ao vê-lo expirar, o centurião disse: Verdadeiramente este homem era Filho de Deus! (Mc 15,39). E foi um pagão, um soldado romano, a constatá-lo! Calados os filhos de Abraão, gritaram as pedras! (Mt 3,9).
LITURGIA
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