O pastor que eu conheço, de que vou falar, é o meu pai. É pastor na Coriscada, concelho de Mêda, distrito da Guarda, no sopé da cadeia montanhosa Serra da Estrela / Marofa.
A localização é importante e pertinente porque o meu pai não é pastor nem no Alentejo ou no Gerês, nem numa qualquer ilha dos Açores… O meu pai é pastor neste lugar determinado geograficamente, há vinte anos. E, neste lugar, as estações, as quatro estações sucedem-se ciclicamente!
No correr do ano, o pastor é pastor 366 dias; 32 dias no mês; 25 horas no dia…
No outono, é pastor de outono; no inverno, pastor de inverno; na primavera, pastor de primavera e, no verão, pastor de verão!
No outono, é pastor de outono! Nos dias em que o calor ainda aperta, levanta-se por volta das 5h30; come qualquer coisa, segue para a corte, ordenha as poucas ovelhas que já pariram e as poucas que ainda dão leite. Junta e coa o leite da primeira ordenha do dia. Regressa a casa a fazer o bornal para comer durante o dia; só depois é que sai para a folha (pastagem), aí por volta das 7h! Se o calor ainda aperta e as ovelhas acarram (as ovelhas deitam-se para passar as horas de maior calor), o pastor também descansa um pouco. Quando desacarra, mais um pouco de pastagem. Regressa por volta das 20h30. Depois de os borregos terem mamado, ordenha e leva o leite para casa, pois o leiteiro ainda não passou (a empresa contratada a quem se vende o leite); o leite serve para se fazer o queijo que vai dar para compor os rendimentos do pastor ao longo do ano, mas é também o seu principal conduto (alimento que come com o pão). Os dias começam a ficar mais pequenos e…
No inverno, é pastor de inverno! Levanta-se por volta das 6h30, come qualquer coisa, ordenha a meia dúzia que já pariu e cujos borregos já não mamam; regressa a casa e, olhando o tempo em quanto caminha, decide se é dia de capote, capa ou guarda-chuva. Faz o bornal para o dia e, pelas 8h30 / 9h, sai com o rebanho para a pastagem: faça chuva, neve, frio ou mesmo o famoso sincelo das Beiras, que com o seu nevoeiro até corta a respiração… Quando regressa, por volta das 16h30 / 17h, já a cama do gado está feita com palha nova e seca, que as ovelhas não podem ficar doentes, nem a lã suja para no verão ser vendida, após a tosquia, no fim da primavera, início do verão. Os dias começam a crescer e há que ajustar o período de pasto ao período de luminosidade do dia. Mais tempo para pastar = mais erva ingerida = mais e melhor leite!
Na primavera, é pastor de primavera! A alvorada acontece cada vez mais cedo; aí pelas 4h30 / 5h, pois ordenhar à mão 30 a 40 ovelhas é duro. Só depois da ordenha é que se sai para a pastagem; aí por volta das 6h30 / 7h. A erva (num bom ano) abunda, é viçosa, tenra e, porque o tempo está um pouco mais quente e o dia é maior, as ovelhas parem com mais frequência e é normal haver 20 / 25 borreguitos (será que é também por este facto que os judeus comem borrego na Páscoa?). Na pastagem, o comportamento das ovelhas muda, já não correm procurando a erva tenra; como ela abunda, detêm-se mais num mesmo lugar e o pastor não corre tanto atrás delas…
De manhã e à noite, tem de se cuidar dos borregos e das mães… ensinar as jovens borregas a dar de mamar aos seus borreguinhos e começar a desmamar aqueles que já são grandes. Vender os que têm de ser vendidos e separá-los dos que vão ficar no rebanho para renovar o mesmo. Andar com eles às costas ou na mão quando nascem na pastagem e velar para que nenhuma ovelha “deite a barriga” (aborte) é trabalho do pastor.
No verão, é pastor de verão! É um período muito difícil. A erva que até então abundava começa a escassear, o calor é cada vez mais e aí por volta das 10h as ovelhas começam a acarrar… Tem de se aproveitar o orvalho da manhã, antes da erva começar a murchar, por isso, o pastor sai para a pastagem por volta das 5h, e às 10h já está em casa. Entre as 10h e as 16h30, tem de se aproveitar o tempo para ceifar canas sem espiga, semeadas bastas, para se espalhar no pasto antes do almoço, que depois é hora da sesta. À tarde, a erva está muito murcha, as ovelhas não a comem; não fossem as canas, alguma rama de freixo ou ervas das batatas a sustentar o rebanho, este perder-se-ia, definharia. Não esquecer que depois de acarrarem tem de se dar de beber às ovelhas e é preciso tosquiá-las. O leiteiro, que havia começado a passar aí por volta do fim de outubro, deixa de passar no fim de junho, quando a diminuição da produção de leite é significativa. O pastor regressa por volta das 21h30 / 22h e ordenha a meia dúzia que ainda tem leite e, por volta das 23h, pode descansar um pouco até às 4h… No dia seguinte, tudo recomeça.
Quando os dias começam novamente a diminuir, o pastor e o rebanho voltam a adaptar-se à luminosidade do dia.
É a natureza (com as suas estações do ano) e o rebanho que marcam o ritmo da vida do pastor, e não o pastor que marca o ritmo de vida do rebanho. E é assim o ano, os anos do pastor.
(Rogério Melão Alves)