É a história que o garante: o «dies Domini» ou «dies dominica», o Dia do Senhor, o Domingo, é o dia 1 da Ressurreição, o dia da Eucaristia e da Assembleia, o dia que diz e faz a Igreja.
A Lei fizera o Sábado, mas o Domingo criaram-no os cristãos, olhos postos na Ressurreição de Jesus. O Domingo é o fruto histórico e temporal da Páscoa.
Na Igreja, é assim que se faz Teologia, porque a Igreja é o lugar onde a Fé trabalha os «materiais» (as pessoas, as coisas, os casos e as questões, os símbolos e os sinais), onde a Esperança aponta o Futuro e a Caridade anima os Irmãos com os olhos na Cidade de Amanhã.
Por isso a Igreja é capaz de rupturas, de cortar com o Passado, reinventando o Presente na mira do Futuro e na fidelidade às coisas essenciais. A Igreja rompeu com o Sábado do passado judaico e criou um Tempo Novo, mais do que um «primeiro dia» um «oitavo dia», um «dia a seguir ao Sábado», sinal antecipado e imagem do tempo Futuro (S. Basílio, sec IV).
Por tudo isto, o «primeiro dia da semana» foi desde o início uma referência fundamental para a Comunidade primitiva. Porque foi no «primeiro dia da semana» que o Senhor ressuscitou.
Veio a ter nome próprio este dia. Ficou o 1º da semana. Os Judeus chamavam-lhe o Sabat (o dia do descanso ou de Iavé), povos havia que o diziam dia do Sol, mas desde o princípio que para os cristãos foi sempre o primeiro dia da semana, pois que a ressurreição do Senhor, acontecida exatamente no «primeiro dia da semana» e não no último, marca e consagra a rutura com o universo e a prática religiosa do Antigo Testamento.
Os escritos do Novo Testamento – as primeiras reflexões levadas a cabo nas comunidades do início – dão conta disto mesmo: não é por acaso, por exemplo, que o Ressuscitado «aparece» invariavelmente no «primeiro dia da semana».
Por isto é que o Domingo é tão importante para os cristãos. E vamos lá entender-nos: o domingo é assim não por causa da Eucaristia que neste dia se celebra; a Eucaristia é que se celebra preferentemente neste dia por causa da importância do Domingo.
Por isso, este dia, «ordena e persuade o Povo a ser fiel em reunir-se, a fim de que ninguém diminua a Igreja por deixar de frequentá-la e assim o Corpo de Cristo não fique privado de nenhum dos seus membros» (Didascália, escrito do séc. III).
«Nós não podemos privar-nos da assembleia dominical… não podemos passar sem o Domingo», argumentavam no séc. III os Mártires do Domingo que resistiram até à morte ao decreto do imperador Diocleciano que proibia a sua observância.
Os tempos eram outros. Sabemos quanto o Domingo moderno se carregou de atrativos e chamarizes: do espetáculo ao desporto, da vida ao ar livre às possibilidades trazidas pela mobilidade moderna.
Eu penso, no entanto, que o Domingo está a morrer. Está a morrer o seu lado celebrativo cristão e está a morrer porque a Igreja ainda não pegou no tema “Quem para presidir à celebração da Eucaristia no primeiro dia da semana?”.
Ma o domingo será a nossa marca distintiva. Queiramos ou não.
Há muitos anos já, de visita a um país não católico, quando me informei se e a que horas havia missa no dia seguinte, um domingo, disseram-me que às sete da manhã. Não me agradou muito a perspetiva de me levantar de madrugada, mas lá fui. Quando cheguei, encontrei um pequeno núcleo de cristãos: apenas 17. E só depois percebi tudo. País muçulmano que era, o dia sagrado defendido pela legislação civil era a nossa 6ª feira; no entanto, no «primeiro dia da semana», antes do trabalho, fábrica ou escritório, os 17 cristãos da cidade, na igrejinha católica que eu procurara, reuniam-se às sete da manhã para celebrar a Ressurreição do Senhor!
Arlindo de Magalhães, 1 de abril de 2018