O Tempo

A Cronologia (o estudo do tempo) é uma das invenções fundamentais da espécie humana! Para compreendermos esta necessidade tão quotidiano é preciso recuar à aurora da humanidade.

Os caçadores do Período Paleolítico, à volta de 3 milhões de anos — era a Idade da Pedra —, olhavam a posição dos astros, do Sol e da Lua sobretudo…

Mas o homem primitivo percebeu que estes fenómenos, porque eram periódicos, ajudavam a contar o tempo. Por isso, estes fenómenos naturais tornaram-se a ferramenta mais favorável naquele momento onde despontava a aurora da nossa civilização. E estes fenómenos periódicos passaram a determinar ao homem primitivo as estações do ano, os meses e os anos.

Descobertas arqueológicas mais ou menos recentes indicam que em todas as civilizações antigas, desde os primeiros hominídeos se preocuparam com a medição do tempo, tenha sido por motivos religiosos, agrícolas, pastoris ou de estudo dos fenômenos celestes (uma primeira astronomia).

Por aqui fico que disto sei nada! Mas sei ainda que, depois dos Sumérios, os Egípcios também tinham um calendário que utilizava os ciclos das fases da Lua, e repararam que cada 365 dias aparecia a estrela Sirius e o seu rio Nilo gerava uma inundação, fenômenos celestes que determinavam o período de fertilidade da terra e o comportamento dos animais, grande preocupação de todos os povos.

Com o passar dos anos, muitos instrumentos para contar o tempo surgiram: relógios de areia, de sol, de água, … Até chegar aos modernos relógios atômicos. Mas isto é outra história!

Apenas e só uma palavrinha pelo tempo cronológico. Outra pelo Tempo Histórico.

Os Judeus contavam o Tempo a partir da criação do Mundo ocorrida 6.000 anos antes. Assim julgavam (ver o Livro do Génesis, cap. 1). Os Muçulmanos tinham como referência o ano em que Maomé fugiu de Meca para Medina, isso ocorreu 622 anos depois do nascimento de Cristo. Em países como a Arábia Saudita este é o calendário observado. Os Cristãos registam o que aconteceu antes de Cristo (aC) e depois do nascimento de Cristo (dC).

A cultura europeia divide o tempo em Pré-História, Idade Antiga, Média ou Moderna.

Foi sempre muito difícil medir o tempo.

Mas afinal o que é o tempo, coisa assim tão difícil de contar? Sempre que chego aqui vou a Sto. Agostinho que, sobre ele, escreveu uma daquelas páginas que se leem vezes atrás de vezes, é assim como uma Sonata de piano de Mozart ou uma Sinfonia de Beethoven, a gente ouve 1, 2, 3, 20, 30 e mais vezes, e nunca cansa, tem sempre para ouvir o que nunca ouviu, e sempre que ouve dá graças a Deus e ao Homem.

Santo Agostinho dizia assim do tempo:

Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir, por palavras, o seu conceito? … Se ninguém mo perguntar, eu sei; mas se o quiser explicar a quem me faz a pergunta, já não sei. Mesmo assim, atrevo-me a dizer, sem receio de ser contestado, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro; e se agora nada houvesse, não existia tempo presente. De que modo podemos dizer que existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro –, se o passado já não existe e o futuro ainda não chegou? Quanto ao presente, se ele fosse sempre presente e não passasse a passado, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar a pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual ele deixa de existir?

A reflexão de Santo Agostinho alonga-se ainda por mais páginas e páginas das suas Confissões, mas esse não é hoje o nosso assunto.

Estamos a entrar no Solstício do Verão – o dia do solstício é o dia maior do ano, antigamente pensava-se que a 24 de Junho, hoje em dia sabemos que a 21 ou 22 -, dia que se contrapõe ao Solstício do Inverno, o dia mais pequeno do ano, antigamente a 25 de Dezembro.

Hoje, civilização urbana e técnica, não ligamos nada a estas coisas, mas antigamente eram muito importantes. Estes dias carregavam-se de um profundíssimo sentido religioso – quem está por detrás disto tudo, desta regularidade temporal?

Por isso, em todas as religiões estes dias deram festas religiosas. O cristianismo nascente já as encontrou. E – inteligente! – em vez de as combater, cristianizou-as: ao Solstício de Inverno entregou o nascimento de Jesus, e ao de Verão o de S. João, o precursor.

Porquê? Boa pergunta: não se sabe bem, mas tudo terá a ver com a dupla afirmação de Jesus (At 1,5) e de Pedro (11,16), segundo a qual João batizou com água, mas vós sereis batizados no [fogo do] Espírito Santo. E, de facto, em noite de S. João, o calor do Verão e da fogueira, e a frescura da orvalhada ou da água. Ainda amanhã, em muitos casos, a noitada termina com um banho em qualquer fonte ou na praia da Foz. E não é só no Porto; estes rituais cumprem-se religiosamente em muitos lugares europeus.

Com toda esta simbólica, a festa de S. João carregou-se de um forte sentido utópico, como aliás a do Natal, que ambas vinham do paganismo. As festas dos Solstícios eram, nas primitivas culturas europeias, as grandes festas de uma fraternidade desejada, mas não possível. Em Roma, por exemplo, no Solstício de Inverno, os escravos passavam momentaneamente a senhores e vice-versa, os senhores a servos dos escravos a quem serviam à mesa. O que é ainda hoje, no Porto, a noite de S. João? Presidente da República que se preste, nacional ou estrangeiro, leva e dá com o alho-porro como todos os mais cidadãos, e não é precisa segurança. Noite de uma fraternidade utópica, apesar de tudo. Isaías dizia tudo na primeira leitura: o lobo será hóspede do cordeiro e a pantera deitar-se-á junto do cabrito…

Em noite de S. João, a Utopia, anterior ao tempo cristão, como que antecipava a Boa Nova de Jesus: todos os homens se entendam e confraternizem, víboras e touros, leões e ursos, com martelinho ou alho-porro, à volta de uma fogueira ou mergulhando num apreciado banho, todos, porque todos somos irmãos.

Antigamente, isto foi só utopia. Mas nós, os cristãos, sabemos que tem também de ser prática. E por isso seremos perguntados, como diz Mateus 25 (“quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede de beber? Quando te vimos peregrino e te acolhemos?”).

Arlindo de Magalhães, 23 de junho de 2019