Celebrado o Advento-Natal e a Páscoa, o restante tempo litúrgico organiza-se como Tempo Comum (ou per annum).
Foi o Papa Pio X (1903/1914) que introduziu esta noção; trata-se de um tempo em que não se celebra nenhum aspecto particular do Mistério de Cristo, mas sim se celebra o próprio mistério de Cristo na sua plenitude e totalidade, afirmando-se deste modo o carácter cristocêntrico (Cristo é o centro) do ano litúrgico.
Ao contrário do que levianamente poderia pensar-se, Tempo Comum não quer dizer sem importância ou de importância menor. Quase se dirá: exactamente ao contrário.
Coincidindo em muito grande parte com o tempo dos trabalhos mais duros e intensos da civilização agrária em que a Liturgia se foi criando, nele propõe a reflexão dos grandes temas da Antropologia e Vida Cristã. A proposta da liturgia do Tempo Comum, como facilmente se percebe nos formulários do Missal, é um esquema catequético de altíssimo valor e importância, a ter em conta mesmo se considerarmos que os ritmos da vida moderna (nomeadamente em quanto a Verão e férias dizem respeito) estão em parte desfasados do tempo antigo.
Efectivamente, os tempos especialmente festivos da Páscoa e do Natal não são de grandes reflexões, antes de maiores celebrações. É-o sim o Tempo Comum. Um pouco ao jeito do que sucede com o Domingo e a Semana: se aquele é o dia do Louvor e da Liberdade, é na Semana que a vida se processa e constrói.
O Tempo Comum é assim a imagem do nosso dia a dia, o segredo da Novidade enxertada neste Mundo velho, a crescer e a salvar, a abordagem completa aos problemas reais e concretos da nossa vida. O Tempo é movimento para a Frente, tornado em Jesus Cristo um Tempo de Graça, construção do Futuro.
A atitude cristã diante deste Tempo Comum que não é especialmente festivo exige que se meta Novidade no dia a dia, no comum dos dias, que se encha de Graça a mais minúscula das nossas actividades pois que tudo quanto fazemos, sofremos e amamos tem uma projecção escatológica enquanto constrói ou não o Reino de Deus.
O tempo não comum, feito de memória, de Presente e de Futuro, não retira sentido a este Tempo Comum, o tempo da construção. Na Festa, afirma-se o sentido da Vida, explicita-se o sentido do quotidiano de uma maneira não quotidiana; no Tempo Comum, de modo diferente, afirma-se o quotidiano da Vida de uma maneira persistente e constante. É a afirmação do sentido do Mundo e da Vida em oposição ao absurdo e à morte, verdadeiro túnel sem saída; e esta afirmação encontra em Jesus Cristo todo o seu sentido.
É no Tempo Comum que, com especial atenção, olhamos para a causa das nossas misérias e alimentamos a Esperança que nos faz prosseguir. Analisando assim os Sinais dos Tempos, o coração vai percebendo a proximidade do Reino de Deus que acontece já Hoje, Reino de Verdade e de Vida, de Santidade e de Graça, de Justiça, de Amor e de Paz, verdadeiramente uma Vida arrancada à Morte.
(Texto do Catecumenato da Serra do Pilar)