Depois da cena bíblica do Jordão (Jo 1,31-34), Jesus retirou-se para a Galileia quando ouviu dizer que João Baptista tinha sido preso. Simples precaução, fugir para longe de Jerusalém, para Cafarnaúm, muito ao Norte, nas margens do Lago de Genesaré? Talvez. Foi aí que tudo começou, relata Mateus. A sua mensagem era simples: «Arrependei-vos, porque o Reino de Deus está próximo» (Mt 3,2). E «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz», tinha dito já Isaías (9, 2).
Com o Baptista preso, Jesus tomou a palavra e começou ele a falar.
Os primeiros perceberam logo que ele tinha que dizer. Ensinava «como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei», dirá Mateus, quase logo a seguir (7, 29), embora Marcos o refira muito mais cedo (1, 22), exactamente a propósito do que começou a acontecer em Cafarnaúm: «Maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como doutores da Lei» (Mc 1,22). Foi por isso mesmo que, no exórdio do seu evangelho, que substitui o relato da infância dos sinópticos (os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas), João começou por dizer ou disse tudo doutra maneira, logo no início: «no princípio, era o Verbo», a “Palavra” (Jo 1,1).
Este vocábulo “verbo” quer dizer “palavra” (é desta raiz – o verbo – que vem a expressão verbal, a verborreia e o verbalizar). Há muitas espécies de Palavra: de honra!, paleio ou conversa fiada, palavra mentirosa, etc. Por isso ela é sempre de alguém. Quem disse isso? E tu acreditas? De é uma preposição que indica posse ou origem. A palavra de Jesus é palavra de Deus. Por isso é que nós dizemos, quando professamos a fé, que Jesus «é Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro».
Antes dele, «Deus falou aos nossos pais muitas vezes e de muitas maneiras nos tempos antigos, mas nestes, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho» (Heb 1,1-2).
Jesus, portanto, o nascido que tomou um nome antigo do seu povo, foi desde logo percebido como Verbo ou Palavra de Deus. Não era uma palavra qualquer, não dizia uma palavra sua, a sua palavra era de Deus. Era a Palavra de Deus.
Ora vamos lá dar o salto. Quem pode dizer a palavra de Deus senão um filho seu? «Quem conhece o Pai senão o Filho?» (Mt 11, 27). De facto, «quem não honra o Filho não conhece o Pai» (Jo 5, 23), porque «eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30), e «quem me vê, vê o Pai» (Jo 14, 8).
Não há dúvida nenhuma – esta é a nossa fé – que Jesus é Filho de Deus. Mas não podemos esquecer que S. João nunca se preocupou com as questões da sua geração e do seu nascimento, afirmando logo à cabeça que «no princípio, era o Verbo» de Deus, e dizendo dele exactamente isto: «A Deus nunca ninguém o viu. O filho unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, é que o deu a conhecer» (Jo 1, 18).
Palavra de Deus, portanto, e, também portanto, Filho de Deus.
Precisamos saber o que acreditamos para não destruirmos a fé: «Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro! Gerado, não criado, consubstancial ao Pai».