Citei aqui há 15 dias Carlo Petrini, um jornalista italiano que fundou um movimento contra a fast-food e o McDonald’s: “Não são poucos os homens de ciência que pressagiaram um futuro da Terra em que, mais cedo ou mais tarde, a raça humana se extinguirá, se continuar a consumir mais recursos do que aqueles de que a natureza dispõe”.
De facto, e volto ao Papa Francisco, “A Terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo”. É a cultura do “use e bote fora”, seja o que for: o que era limpo e belo está agora cheio de lixo. Lijó, Vilar de Andorinho, no que resta de um caminho que pode ter sido romano mas que a memória popular continua a chamar a “estrada de Viseu” ou “caminho de Santiago” é agora um esgoto de água choca!
Mas o clima!, o clima, que é um bem comum, preocupa muito mais, indicando que estamos perante um inquietante aquecimento do sistema climático que, por sua vez é causa de uma elevação constante do nível do mar. Ao mesmo tempo, a falta de água potável, a baixa produção agrícola, o derreter das calotas polares e dos glaciares, o desmatar das florestas, as migrações de animais e vegetais que nem sempre se adaptam noutros lugares, etc., levantam problemas sérios ao equilíbrio do Planeta.
A água limpa e potável é uma questão de primeira importância. O nosso corpo é e exige muita água, e nós não podemos viver sem ela. Por isso, “o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício de outros direitos humanos”. Escassez de água quer também dizer alimentos mais caros. E são sempre os mais pobres os mais apanhados por estes problemas.
Desaparecem anualmente milhares de espécies vegetais e animais: milhares já não as podemos ver, e a outros mais milhares a geração que nos segue não lhes porá os olhos em cima.
Com o seu derrube, as florestas, pulmões do Planeta, estavam até há pouco tempo repletas de biodiversidade. Agora, porém, derrubadas para desenvolver cultivos, intensivos e super-intensivos, perdem, em poucos anos, inúmeras espécies, e vastas áreas se transformam em áridos desertos.
O homem, “que tem direito a viver e ser feliz e, além disso, possui uma dignidade especial, não pode deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas”.
Por exemplo: “Nota-se hoje…, o crescimento desmedido e descontrolado de muitas cidades que se tornaram pouco saudáveis para viver, devido não só à poluição proveniente de emissões tóxicas mas também ao caos urbano, aos problemas de transporte e à poluição visível e acústica. Muitas cidades são grandes estruturas que não funcionam, gastando energia e água em excesso”. E daqui nascem “a exclusão social, a desigualdade no fornecimento e consumo da energia e doutros serviços, a fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas formas de agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais jovens, a perda de identidade”, uma ”verdadeira degradação social, uma silenciosa rutura dos vínculos de integração e comunhão social”. “O ambiente humano e o ambiente natural degredam-se em conjunto”. Quem se não lembra da Escarpa da Serra, “a Etiópia aqui ao lado”? “Hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica se torna sempre uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.
Tudo isto, e muito mais, “provoca os gemidos da irmã Terra”, como dizia S. Francisco. No entanto, “nunca maltratámos e ferimos a nossa casa comum como nos últimos dois séculos. Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e plenitude”. Para isso, “torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-económico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça”.
A Igreja não tem proposta nenhuma definitiva para resolver esta premente questão mas tem consciência de que deve escutar e promover o debate honesto entre os cientistas, e não só, respeitando a diversidade de opiniões. Basta olhar a realidade com sinceridade, para ver que há uma grande deterioração da nossa casa comum.
A esperança convida-nos a reconhecer que há sempre uma saída, sempre podemos mudar de rumo, sempre podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas. «Olhando as regiões do nosso planeta, depressa nos apercebemos de que a humanidade frustrou a expectativa divina”.
(Todos os textos entre aspas são do 1º capítulo da encíclica Laudato Si)
Arlindo de Magalhães, 19 de fevereiro de 2017