Partilha

1.

Refiro-me ao célebre sumário da vida dos primeiros cristãos; “eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, ao partir do pão, à oração…  e distribuíam por todos o dinheiro, conforme as necessidades de cada um”” (At 2,42-45). “Julgais que se pode comprar o dom de Deus com dinheiro?” (At 8,29).

Eu sei que este “partir do pão” se refere hoje, unicamente, à Eucaristia. Mas o “partir do pão” não é a única riqueza da Comunidade: “distribuíam por todos o dinheiro” (At 2,45). O pôr em comum (algum) dinheiro era também sinal visível da fraternidade: “.

Mas, rapidamente na Igreja primitiva deixou de ser assim: o dinheiro entrou pela Igreja dentro e estragou-a logo. 

Quando eu cheguei aqui, à Serra do Pilar, botavam-se muitas missas, ao domingo eram cinco!, e à semana incontáveis, o que dava muito dinheiro para a grande festa do 15 de Agosto! Tinham sido os monges que, na Idade Média, haviam colocado muitos altares laterais que nas Igrejas primitivas não existiam, muitos altares, à direita e à esquerda das naves das igrejas porque isso dava muito dinheiro: permitia que, para isso, houvesse muitas missas.

Na Igreja, o dinheiro foi e é sempre um problema: quando a mais e quando a menos.

Na Igreja só deverá haver dinheiro que seja fruto de uma partilha efetiva daqueles que a integram.

Na Igreja só é necessário o dinheiro de que necessitam as tarefas da evangelização, dos serviços pastorais e dos mais pobres.

Estes três princípios têm servido, desde que aqui me encontro, na Serra do Pilar.

Em 1987, o Chico — um dos nossos primeiros maiores [morreu em 1990] — escreveu e leu assim para a Comunidade, numa assembleia:

«como nunca o dinheiro foi [nossa] preocupação…, isto parece um verdadeiro paradoxo, mas é verdade. Porque a Igreja precisa apenas do indispensável para dispor de alguns bens materiais e pagar o serviço da ação pastoral [a Irmandade de Na. Sra. do Pilar nunca entregou o seu saldo positivo que, na altura, atingia algumas dezenas de contos). É verdade que, por várias vezes, o saldo tem sido negativo, mas é nesta pobreza que se tem salientado a riqueza das nossas relações, que ultrapassam estas dificuldades materiais e em nada afetam a nossa Alegria Comunitária

Mesmo conscientes das atuais necessidades materiais, nós continuamos a dizer NÃO a toda a qualquer espécie de apelos ou pedidos de dinheiro à Comunidade. Sabemos bem que há comunidades ricas que vivem lado a lado, que comungam a mesma fé e que por isso mesmo não compreendemos como estas comunidades não têm solidariedade para com as comunidades pobres, auxiliando-as materialmente. Se as próprias comunidades não partilham entre sio, se os cristãos não veem e exemplo nas estruturas da Igreja, se dentro do próprio Clero, nós vemos no dia a dia padres a viver abastadamente ao lado de Padres a viver pobremente, sem Espírito cristão comunitário, forçosamente concluímos como é difícil e confuso para nós, leigos, aprender a partilhar, aprender a ser verdadeiros cristãos. 

Uma Comissão Administrativa, na Igreja, não pode mais ser um ”serviço de contabilidade”. Muito mais do que isso, ela deve ter uma “ação evangélica”.»

Foi nesta linha que, com o crescer da comunidade, nasceu a preocupação de refletir: donde veio o dinheiro?, como se obteve?, para que serve? Nesta preocupação da purificação da vida material comunitária, publicou-se na Páscoa de 77 o documento “Dinheiro e Partilha”.

Neste domínio, alguns passos foram dados. Os sacramentos deixaram de ser remunerados e assim a receita passou a ser exclusivamente obtida das ofertas espontâneas dos membros da comunidade…

“O dinheiro da Igreja não pode ser filho da injustiça, muito mais se é viciado logo na sua proveniência”. 

Somos cristãos e como tal assumimos conscientemente o Caminho que nos está a conduzir a um Reino de Verdade, de Justiça e de Paz. Neste crescimento e neste empenhamento, fruto do Espírito de Deus que nos ilumina e conduz, nós acreditamos que cada vez mais esta Comunidade se tornará uma autêntica Família Cristã, unidos pelo mesmo Amor no Senhor Jesus. Seremos verdadeiros irmãos na Fé. Sentiremos a Alegria e a Graça de viver em Comunidade. Então, como membros de uma Comunidade de Discípulos de Cristo, teremos de assumir as responsabilidades que nos couberem individualmente e em grupo. Estaremos atentos às necessidades materiais a que devemos prover e assim nos empenharemos por esta responsabilização, ou seja, uma disposição à Oferta e à Partilha, tradução desta Fraternidade Cristã.» 

2.

Resumindo:

1. Na Igreja, o dinheiro só vale o que exprime e possibilita.

2. No entanto, com dinheiro ou sem dinheiro, jamais o Evangelho deixará de ser pregado e de haver “pão partido”

3. Os proventos necessários à sustentação económica da Comunidade devem provir única e exclusivamente da partilha espontânea da mesma Comunidade.

Desde logo, no princípio, estas 3 alíneas foram tratados como pontos de honra da Comunidade. E têm de continuar a sê-lo!

Desde logo, a Comunidade nunca mais quis dinheiro pagão (de velas e velinhas, missas e missinhas, promessas e promessinhas), apesar de, por vezes, ter chegado quase a cair em pecado. E a comunidade percebeu que tem de viver com o dinheiro partilhado pelos irmãos. Ponto final parágrafo. 

Eu ainda sou do tempo do “se não há que comer, não se come ou come-se menos!” Nunca deix[ar]ei fazer peditórios; viveremos apenas e só de ofertórios. Para isso se arranjaram aquelas cestinhas que passam ainda hoje de mão em mão, e se construiu aquele móvel, não!, aquele fixo (uma pedra por cima) a recolher e guardar ofertas. Para tal começámos já a gastar menos papel. Para já… 

No tempo que corre, ano 2020, o dinheiro da Comunidade não sobeja, nem chega sequer para pagar as despesas da Comunidade com o dinheiro pagão que nos chega de casamentos e batizados, …E é para isso que eu tenha de chamar a atenção a isto. O que continuarei a fazer durante esta Quaresma.

Arlindo de Magalhães, 1 de março de 2020