Nos fins de Janeiro estive em Espanha: volto todos os anos à minha Universidade. Já no regresso, parei em Salamanca, peguei no jornal, e vi pela primeira vez uma coisa assim: O novo bispo de Astorga, uma cidade a norte de Salamanca, um mês depois de ter sido nomeado para a diocese, “mostrou-se preocupado com haver na diocese apenas 140 presbíteros para atender às 970 paróquias da diocese; e nos Seminários diocesanos, apenas 13 rapazes no Menor e 7 no Maior”! Foi a primeira vez que soube de um bispo preocupado com esta questão, embora seja um problema que é de todas as igrejas cristãs do Primeiro Mundo.
Num estudo feito há 7 anos na diocese do Porto, os números eram estes: havia 413 presbíteros (mas 60 e tal por cento tinham já, na altura, – 15 – mais de 60 anos!). Destes 413, só 273 eram diocesanos; os restantes 140 eram religiosos, digamos — nem todos entenderão —, presbíteros emprestados! Nestes 7 anos, os que morreram contam-se muitos mais que os que entretanto foram ordenados.
Diante deste quadro, muitas facetas seria necessário ponderar. Não é questão para aqui. Quero no entanto salientar que, nos próximos anos em que morrerão muitos mais que os que se ordenarão, baixará muito mais o número de presbíteros na diocese e…, duas coisas:
1. dentro de pouco tempo, haverá muito mais paróquias, são 477 no total, sem pároco (neste momento já há um pároco com 9 paróquias!)
2. e dentro de pouco tempo, haverá muitas comunidades, paroquiais ou não, sem Eucaristia dominical, que, disse o Vaticano II, é o centro e o cume, o ponto de chegada e o ponto de partida da vida Igreja. “Não podemos viver sem o Domingo” – diziam os célebres Mártires do Domingo, do séc. III, isto é, não podemos viver sem a Eucaristia dominical, sem a Páscoa semanal.
E a Comunidade da Serra do Pilar, como vai ser? Eu viverei pouco mais, Deus o sabe!, e dentro em pouco começarei — é que já comecei! — a perder capacidades. Não é que eu faça falta: o que fará falta será um presbítero que não haverá. Fecha-se a porta e morre a Comunidade com o presbítero? Eu creio que não. Mas vai ser preciso fazer por isso!
Nosso Senhor Jesus Cristo disse uma vez que “sempre que dois ou três se reunirem em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). Que queria ele dizer com isto? Se tivesse de dizer-nos hoje a mesma coisa que disse então dirigindo-se à Comunidade da Serra do Pilar, como se expressaria?
Depois de um tempo em que os presbíteros eram tudo e havia muitos, começámos a perceber que eles são cada vez menos. Porquê? Eu ouso perguntar: uma Igreja que não faz cristãos pode suscitar vocações presbiterais? Pode a Igreja do meu tempo insistir unicamente em soluções passadas, de um tempo também passado?
Que quererão dizer as expressões escassez de sacerdotes (c. 517 §2) e penúria de vocações presbiterais? Estará o Espírito de Deus a faltar-nos com vocações – bem lhas temos pedido, embora ele nos não ouça! – ou estará antes a querer dizer coisas às Igrejas?, por exemplo, que é necessário tirar da menoridade a grande massa dos batizados, que urge renovar o tecido eclesial de cabo a rabo, reconhecendo e dando corpo à igual dignidade e capacidade de atuação de todos em quanto à edificação do corpo de Cristo diz respeito, ainda que, por sua vontade, alguns sejam constituídos doutores (esta palavra bíblica quer dizer formador da fé), dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais (LG 32, 3)? Meteu-se-nos na cabeça que, sem muitos presbíteros, não há Igreja. Mas não são os presbíteros que a fazem. A Lumen Gentium já dizia que “[os leigos] têm a capacidade de serem chamados pela Hierarquia a exercerem certos cargos eclesiásticos” (33.4). E nós já o sabemos. Experimentámo-lo.
Pode o Espírito de Deus faltar à Igreja com o que ela necessita? “Qual o pai que, se o filho lhe pede pão, lhe vai dar uma pedra? Ou, se lhe pede um peixe, lhe vai dar uma serpente? Ou ainda, se lhe pedir um ovo, lhe vai dar um escorpião? Se vós sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito àqueles que lho pedem!” (Lc 11,11-13).
Eu penso que, no momento que corre, fazem mais falta à Igreja batizados adultos na fé que muitos presbíteros. Se quiserem, digo isto doutra maneira: é mais necessário deixar, permitir ou ajudar a que, na Igreja, os leigos sejam leigos que desejar ou pedir para ela muitos presbíteros. Há muito que penso, e mais uma vez aqui o digo agora, que só quando os leigos assumirem todas as dimensões da sua vocação cristã, os presbíteros encontrarão o seu devido lugar na Igreja. Comecemos então pelo princípio!
Diante desta crise que vivemos, estamos, em minha opinião, a recorrer indevidamente a verdadeiras soluções de desespero: a paroquialização das Ordens religiosas (veja-se o que tem acontecido aqui ao lado, em Canelas) e a hipoteca dos carismas da vida religiosa. Não é preciso andar muito para ver, na diocese, párocos beneditinos, franciscanos, dominicanos, capuchinhos, carmelitas, combonianos, claretianos, espiritanos, maristas, redentoristas, vicentinos, dehonianos, jesuitas, salesianos, e um etc. muito grande…
“É tempo de pastoralmente mudar”, disse o Bispo Ferreira Gomes, em 1973: nem ele sabia o que dizia nem ninguém o levou a sério, que, sem querer, ele estava a dizer uma coisa que ainda não começou a acontecer.
Arlindo de Magalhães, 26 de Março de 2016